Recentes matérias na mídia afirmam que não houve avanços no ano passado com relação ao combate à corrupção, embora essa seja uma das principais bandeiras do governo Bolsonaro. Trata-se de uma distorção da realidade. Houve avanços. A interpretação feita dos dados levantados sobre o assunto é que leva à conclusão equivocada.
Essas notícias tiveram como base a pesquisa “ O Barômetro Global da Corrupção – América Latina e Caribe” realizada pelo movimento global Transparência Internacional por meio da Ipsos Brasil e o Índice de Percepção de Corrupção relativo ao ano de 2019, divulgado há alguns dias pela Transparência Internacional.
Uma análise mais detalhada revela, por exemplo, que em resposta à pergunta “os níveis de corrupção mudaram nos últimos meses?”, 78% acreditavam que os níveis tinham aumentado em 2017, contra 54% em 2019. Ou seja,menos pessoas acharam que a corrupção continuava crescendo. Mas se o percentual de 54% for considerado descontextualizado, assume-se que a situação não experimentou progressos, quando ocorreu um declínio de 24% nos níveis de corrupção com relação à pesquisa anterior, uma melhora expressiva se for feita a comparação e não apenas a apresentação de um dado bruto. Também as respostas para a pergunta “o governo está fazendo um trabalho bom ou ruim no combate à corrupção?” comprovam um quadro mais positivo de mudança. As respostas da enquete foram as seguintes: em 2017 35% achavam que o governo estava fazendo um trabalho bom e 56%, ruim. Já em 2019, 48% achavam bom o trabalho do governo e 46% o achavam ruim, uma evolução de 13% comparativamente na avaliação da percepção do combate à corrupção. Os que classificavam as ações como ruim caíram de 56% para 46% e os que não sabiam caíram de 9% para 6%. A própria ONG Transparência Internacional reconhece que a Operação Lava Jato no Brasil representa uma oportunidade real de luta contra a corrupção na região.
Para a pesquisa, foram mil entrevistados entre janeiro a março em todas as cinco regiões do país, ainda muito cedo para ser possível avaliar medidas adotadas pelo governo Bolsonaro, com base em sua plataforma de campanha e, principalmente, sua retórica. Com três meses de gestão não se pode realizar uma avaliação dessas uma vez que ainda não há resultados tangíveis à estratégia de luta contra a corrupção em vigor. A escolha de Moro para o Ministério da Justiça por si só já demonstra a vontade nacional de dar continuidade à caça aos corruptos. Cabe lembrar que o início do ano coincide com as férias do Judiciário e do Legislativo, quando pouco pode ser efetivado concretamente em termos de luta contra a corrupção por parte do Executivo.
Alie-se a isso as contribuições negativas dos dois poderes. No caso do Judiciário, as iniciativas do Supremo contrárias à Lava Jato e a intromissão de um ministro no COAF. Esses fatos repercutiram muito mal na sociedade e chancelaram a afirmação da pesquisa de que “para 54% dos brasileiros, a corrupção aumentou no país”. Saber que um condenado em segunda instância é solto pelo STF, por exemplo, leva o cidadão a desconfiar da justiça de seu país e não há como achar que a corrupção esteja em queda, principalmente se o caso se tratar de um ex-presidente.
No Legislativo, projetos enviados pelo governo federal foram aprovados, mas somente depois de desconfigurados devido à insatisfação da classe política com o Ministério Público e decisões judiciais, bem como com ações policiais. Entre eles, a lei de abuso de autoridade. Graças a essas mudanças, uma juíza no Nordeste mandou soltar presos “por imposição” da Lei de Abuso de Autoridade aprovada pelo Congresso Nacional. Se leis podem ser alteradas para agradar um grupo que está no poder, nem mesmo juízes conseguem trabalhar com imparcialidade pelo temor de serem acusados. Perceber que o pacote anticrime de reformas feito por Moro está sendo desmontado gera desagrado para os combatentes da corrupção. Um tema polêmico é a possibilidade de prisão em segunda instância. Enquanto alguns parlamentares alegam que a proposta é inconstitucional, outros pedem que o Congresso ouça o clamor da sociedade e decida logo sobre o tema. Além disso, nomeações para cargos importantes no Ministério Público Federal, nas Polícia Federal, Receita Federal e Unidade de Inteligência Financeira, entre outros, têm sofrido pressão política.
O levantamento revelou ao menos uma novidade em termos positivos: o Brasil é um dos países onde a população mais crê que pode fazer a diferença na luta contra a corrupção e provocar mudanças. Pelo menos três grandes manifestações populares exigindo mais empenho do Legislativo para aprovação de leis de combate à corrupção e clamando pelo impeachment de alguns ministros do STF pelo mesmo motivo garantiram a boa colocação dos brasileiros nesse quesito. Nos últimos dias, Moro destacou que poucos países no mundo fizeram o que o Brasil fez para diminuir a corrupção, e deu como exemplo as diversas prisões e condenações da Operação Lava Jato. O ministro da Justiça lançou um canal eletrônico de denúncias da população contra a corrupção.
O coordenador de pesquisa da Transparência Internacional, Guilherme France, alertou que a queda do Brasil no ranking da edição de 2019 do Índice de Percepção de Corrupção comprova a necessidade de reformas no sistema de financiamento de campanhas e no desvio de fundos públicos sob controle dos partidos. A Transparência Internacional defende que para o Brasil efetivamente avançar no combate à corrupção e alcançar melhores resultados no IPC, deve implementar determinadas mais ações. No Poder Judiciário e no Ministério Público, é preciso agir frente à sua ineficiência administrativa; à falta de responsabilização de seus membros por mau desempenho e corrupção; e aos privilégios, como férias abusivas e remunerações exorbitantes. No Legislativo, é preciso obter consenso para aprovar reformas estruturais anticorrupção.
Pesquisa CNT de Opinião, realizada neste mês de janeiro, em parceria com o Instituto MDA, aponta para um quadro mais favorável para a realização de reformas. Os resultados do levantamento mostram uma avaliação do governo Jair Bolsonaro como ótimo e bom para 34,5% dos entrevistados, regular para 32,1% e ruim ou péssimo para 31%. Ou seja, a avaliação melhora e supera a percepção negativa. Os setores avaliados com melhor desempenho são combate à corrupção (30,1%), economia (22,1%) e segurança (22%). Essa volta a um percentual maior de avaliação positiva que negativa vem em um momento que torna mais favorável a implementação de reformas visando atacar as causas estruturais da corrupção no país.
*Carlos Arouck, policial federal, é formado em Direito e Administração de Empresas, instrutor de cursos na área de proteção, defesa e vigilância, consultor de cenários políticos e de segurança pública
Carlos Arouck, O Estado de São Paulo