O contratos das grandes concessões feitas nos anos 90 estão chegando ao fim. Pela primeira vez, as empresas de energia estão tendo de pensar no futuro, levando em conta a hipótese de que seus principais negócios não estarão lá nos próximos anos – e o planejamento não está fácil por causa da incerteza.
Assim, geradores privados têm buscado diversificar os seus investimentos no Brasil para diminuir o peso de uma eventual mudança em seus resultados. O encerramento dos contratos começa a acontecer a partir de 2028 e empresas como AES Tietê e Engie, que ingressaram no País por meio da aquisição de geradoras estatais, têm a preocupação no radar.
No caso da AES Tietê, as usinas adquiridas na privatização da Cesp representam 80% de seu parque gerador. Para Engie, que já vem investindo há mais tempo na expansão dos seus negócios de geração, as hidrelétricas compradas na privatização da Gerasul somam 49% da capacidade instalada. A questão também afeta os chineses da CTG Brasil, que em 2016 assumiu as operações da Duke Energy no País, incorporando os ativos comprados pelos americanos da Cesp nos anos 90 – estas usinas totalizam com 27,5% do seu parque.
Diante da importância dessas operações, os geradores privados temem que os contratos não sejam prorrogados ou, caso sejam renovados, que as condições de extensão não sejam tão favoráveis. Pelos termos dos contratos firmados com o governo federal, as empresas podem entrar com o pedido de renovação até 36 meses antes do término do prazo da concessão. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) terá 18 meses para manifestar ao Ministério de Minas e Energia (MME) se recomenda ou não a prorrogação do contrato.
O contrato de concessão prevê que a renovação estará condicionada ao cumprimento de determinadas condições de prestação do serviço, mas sem detalhar quais seriam as condições a serem seguidas. “Os critérios da Aneel para renovação podem ser discricionários, bem como não estão estabelecidos e também não existem normas que regulamentem as condições de renovação para as usinas da ompanhia”, diz a AES Tietê, em seu formulário de referência.
O sentimento de indefinição é reforçado pelo histórico sobre o tema nos últimos anos. Ávido por reduzir as tarifas de energia, o governo Dilma Rousseff propôs a renovação das concessões mediante a troca do regime de venda de energia, passando de produtor independente (preços de mercado) para cotas (valores regulados pela Aneel). Já no governo Temer, que precisava de recursos para reforçar o caixa do Tesouro, a decisão foi a de relicitar os ativos, com o vencedor selecionado pelo critério de maior pagamento de bônus de outorga à União. Agora, na gestão Bolsonaro, que tem uma linha pró-mercado, o MME sinaliza renovar a concessão de usinas sob a gestão de estatais, mediante pagamento de bônus de outorga e venda do controle acionário.
Embora sirvam como referência da atuação do governo federal ao longo do tempo, a grande questão é que todos esses processos envolveram apenas as concessões de empresas estatais. Os ativos da AES Tietê, Engie e CTG Brasil serão os primeiros contratos privados que passarão por esse processo, gerando dúvidas entre os agentes. Para a especialista em energia e sócia do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, Ana Karina Esteves, a falta de definição e regras estimula o debate jurídico sobre o tema.
“Há uma dúvida se a renovação do contrato é uma possibilidade ou um direito, caso os pré-requisitos tenham sido cumpridos. Além disso, há uma grande margem de discricionariedade ao Poder Concedente, porque os termos da prorrogação não estão postos”, afirmou Ana. A advogada lembra que, no caso das hidrelétricas Jaguara, São Simão, Miranda e Volta Grande, a Cemig argumentava que os seus contratos asseguravam o direito à renovação, tese essa que não foi aceita pela União. Os projetos foram licitados ao mercado em setembro de 2017.
Diversificação dos investimentos
Em entrevista recente ao Estadão/Broadcast, o presidente da AES Tietê, Ítalo Freitas, declarou que a geradora ainda não sabe o que irá acontecer com as concessões de suas hidrelétricas, que vencem em 2029. Diante da incerteza jurídico-regulatória, a empresa começou a investir em fontes renováveis de energia. Se antes as usinas da Cesp representavam 100% do parque gerador, esse porcentual caiu para 80% após o desenvolvimento de projetos em geração eólica e solar, com perspectiva de que essa participação seja reduzida ainda mais nos próximos anos.
De acordo com o executivo, a AES Tietê mira a aquisição de 800 MW em projetos e tem planos para o desenvolvimento (greenfield) de 2,6 mil MW em fontes renováveis – esse volume equivale aos 2,7 mil MW do seu parque gerador hídrico. “O plano de expansão da AES Tietê é claro, e a gente sabe que os contratos se encerram em 2029. A ideia é ter uma empresa tão robusta no futuro quanto hoje para não ser refém das hidrelétricas”, disse Freitas. Dos 2,6 mil MW, 600 MW já estão sendo viabilizados com os parques eólicos do Complexo Tucano (BA).
Na mesma linha, o presidente Engie Brasil, Maurício Bähr, revelou em entrevista ao Broadcast que os recentes negócios realizados pela empresa no País têm como objetivo reduzir o peso das hidrelétricas nos resultados. “Nossas concessões hidrelétricas estão começando a vencer em 2028, e temos que encontrar substitutos para continuar gerando receita aqui. É nessa lógica que entra a aquisição da TAG, as linhas de transmissão e as usinas da Cemig”, disse. Hoje, a Engie é a maior geradora privada do Brasil, com um parque gerador de 8,7 mil MW.
Para cumprir esse plano estratégico, a Engie vem investindo pesado em novos projetos e aquisições. A concessão das usinas Miranda e Jaguara custou à empresa R$ 3,5 bilhões como pagamento do bônus de outorga. A aquisição da TAG, empresa de gasodutos da Petrobras, demandou outros R$ 34 bilhões. Em dezembro do ano passado, a Engie fechou acordo para comprar um projeto de transmissão da Sterlite por R$ 410 milhões. “Com esses investimentos, temos por objetivo garantir a sustentabilidade dos nossos negócios no País”, afirmou Bähr.
A CTG Brasil, por sua vez, adotou um tom mais otimista sobre o tema. Na visão da empresa, não há aspectos jurídicos e regulatórios que evidenciem um aumento nos riscos de não renovação das concessões, sendo que essa possibilidade é inerente ao modelo setorial. Apesar disso, a empresa trabalha com o cenário de prorrogação dos seus contratos sem licitação.
“Entendemos que a concessão tem boas chances de ser renovada, e que o modelo a ser estabelecido deva ser o de prorrogação das concessões no regime de PIE (produtor independente de energia) com concessão onerosa”, informou a geradora, por meio de nota. Desde 2013 operando no País, a CTG Brasil já investiu mais de R$ 23 bilhões no setor elétrico brasileiro.
Procurada pela reportagem, a Aneel informou que o tema deveria ser respondido pelo MME. Já o Ministério disse que “as principais discussões afetas ao setor elétrico sobre as quais o MME e entidades vinculadas estão trabalhando são detalhadas no Plano do GT Modernização, e este assunto será tratado tempestivamente”.
Wellington Bahnemann, O Estado de São Paulo