Catarina Macario, 20, já tem dificuldade de encontrar determinadas palavras em português. Nascida em São Luís, tem o sotaque maranhense ainda presente, mas é nítido o esforço que faz para se lembrar de alguns termos que não fazem parte de seu vocabulário diário há algum tempo.
Desde os 12 anos de idade nos Estados Unidos, ela é hoje a principal jogadora de futebol universitário do país. Aluna de Stanford, faturou em janeiro deste ano, pela segunda vez consecutiva, o Troféu Hermann, entregue à melhor atleta da temporada da NCAA, a liga das universidades norte-americanas.
Apesar de ter nascido no Brasil, ela já defendeu seleções de base dos Estados Unidos, inclusive a sub-23. Agora, espera pela finalização do processo de naturalização para poder realizar o desejo de defender a seleção americana principal, atual campeã do mundo.
"A razão pela qual eu quero defender os Estados Unidos é que foi o país que me abraçou. Sempre me deram oportunidades aqui para eu jogar futebol, ter uma vida melhor com os estudos. Foi onde eu cresci, sabe? Nasci no Brasil, mas realmente os meus valores e o meu coração pertencem aos Estados Unidos", diz a meia-atacante, em entrevista à Folha.
Há dez anos, o sonho de Catarina era outro. Em Brasília, para onde se mudou em razão do emprego da mãe Ana Maria, que é médica, ela jogava em uma escolinha do Santos na capital federal. O objetivo, segundo disse na época em entrevista ao suplemento Folhinha, da Folha, era vestir a camisa da seleção brasileira.
Aos 11 anos, Catarina projetava estar ao lado de Marta na seleção olímpica que disputou os Jogos do Rio de Janeiro, em 2016, quando a equipe terminou em quarto lugar.
Em um vídeo gravado para a reportagem, ela aparece driblando quatro meninos antes de bater na saída do goleiro e marcar para o time da escolinha santista.
A paixão pelo futebol a acompanha desde os 3 anos,
quando tomou interesse ao ver o irmão Estevão jogar
com amigos. Com 4, já começou a praticar o esporte
em uma escolinha, mas precisou entrar em acordo
com o pai, José, sobre uma coisa especifica.
"Quando eu disse para o meu pai que queria jogar, ele falou que eu iria precisar comer feijão por um ano, até eu fazer 4. Eu disse que tudo bem. Não comia vegetais, não gostava de comida que não era, digamos, tão gostosa", brinca. "Por um ano, comi feijão todos os dias. Quando fiz 4, nunca mais comi de novo. Cheguei aos 20 jogando e sem comer feijão."
Até os 12 anos, jogou com meninos, uma história comum de meninas que começam a bater bola. A partir daí, disseram a ela que já não poderia mais jogar entre eles. Ciente do talento da filha, José arriscou e tentou a sorte com um email enviado ao San Diego Surf, um tradicional clube formador de atletas dos Estados Unidos.
"Minha filha tem interesse em jogar futebol nos EUA e estamos viajando para uma visita", escreveu José. O técnico da equipe sub-14, Chris Lemay, recebeu a mensagem e pediu que Catarina aparecesse para um treino. Algumas semanas depois, o pai dela confirmou a viagem.
José, Catarina e Estevão embarcaram, e a mãe ficou no Brasil. Como só o irmão falava inglês, apesar de adolescente ele foi o responsável por guiar a família e cuidar de determinados assuntos burocráticos assim que pisaram no país.
Em apenas alguns minutos de seu primeiro treino, a garota convenceu o técnico Lemay de que tinha totais condições de atuar pelo Surf.
A adaptação à nova vida, porém, foi bastante difícil no começo. Além da barreira da língua, que dificultava seu desempenho na escola, Catarina sentia saudades da mãe. As dificuldades do início do processo fizeram tanto ela como o pai cogitarem o retorno ao Brasil.
A ajuda de Elaine, mãe de Bianca Caetano-Ferrara –que chegou a jogar o Mundial sub-17 de 2016 pela seleção brasileira–, sua colega de equipe, foi fundamental para que insistissem na empreitada.
Logo em seu primeiro ano nos Estados Unidos, Catarina foi convocada para a seleção americana sub-14. Mais tarde, no futebol colegial, foi nomeada a melhor jogadora do país.
Uma lesão de joelho no segundo ano do ensino médio a afastou dos campos por um período. Ela então usou o tempo livre para mergulhar nos estudos, o que acabou se provando a decisão correta com a admissão em Stanford.
Na universidade, a brasileira estuda comunicação e frequenta também aulas da disciplina de psicologia.
Em três temporadas no futebol universitário, marcou 63 gols em 68 partidas e distribuiu 47 assistências. Em 2019, quando terminou com o título de Stanford na NCAA, seu segundo pela equipe, Catarina anotou 32 gols e deu 23 assistências, recorde histórico da universidade.
Inspirada principalmente por Ronaldo e Kaká, ídolos da infância, e pela americana Mia Hamm, bicampeã mundial e olímpica pelos EUA, ela não consegue fugir do rótulo de "Nova Marta", principalmente pela característica ofensiva de seu jogo –apesar de ser destra e não canhota como a camisa 10 do Brasil.
A comparação não a incomoda, mas Catarina quer deixar sua própria marca.
"É realmente um grande elogio, uma grande honra ser comparada a ela, é uma forma de inspiração. Mas somos pessoas diferentes. Ela já criou a carreira dela, estou tentando começar a minha. Eu sou Catarina, ela é Marta", diz a jogadora, que torceu pelos Estados Unidos e pelo Brasil no Mundial feminino de 2019.
Fenômeno do futebol universitário e nome recorrente nas convocações para a seleção americana sub-23, Catarina hoje olha para trás e comemora os sacrifícios feitos pela família e também por ela, como passar a adolescência longe da mãe. Além do acordo pelo feijão.
"Eu penso sobre isso o tempo todo. Eu vim de um lugar pequenininho, como São Luís. Só a trajetória para chegar até aqui... Você nunca acredita que essas coisas poderiam acontecer. Foi difícil, mas tudo valeu a pena", finaliza.
Bruno Rodrigues, Folha de São Paulo