A intervenção do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) na Assembleia Nacional da Venezuela, fechando-a, não permite outra conclusão: o país se transformou numa ditadura plena. Tampouco pode-se ter a ingenuidade de supor que, sem pressão, o regime bolivariano inaugurado por Hugo Chávez convergirá para a democracia. Desde o fim de 2015, quando a oposição obteve pelo voto o controle do Congresso, Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, vem governando por decreto, ao passo que as leis aprovadas no Legislativo têm sido bloqueadas pelo Supremo, que mantém uma postura de gratidão servil ao Executivo, violando a Constituição.
Na última quarta-feira, o golpe se consumou, depois que a Justiça considerou a Assembleia em desacato por diplomar três deputados cassados, e interveio. Na sentença, o TSJ afirma que a responsabilidade de legislar e aprovar leis caberá agora à Corte ou a um “outro órgão a ser definido”.
Deputados da oposição entraram em choque com a polícia em frente ao TSJ, acusando Maduro de aplicar um golpe de Estado. “Isto é uma ditadura, e a Venezuela precisa da ajuda do mundo”, disse o presidente da Assembleia, Julio Borges, para quem os juízes “sequestraram a Constituição e a liberdade do povo venezuelano”.
Desde os tempos de Chávez, a Venezuela transita para o autoritarismo, sobretudo após o equivocado boicote às eleições pela oposição. A situação, porém, piorou a partir da crise econômica global, que provocou a queda dos preços do petróleo — item que representa 96% das receitas do país com exportações —, além dos erros de uma política econômica a serviço da causa bolivariana.
Isso resulta em grave crise de desabastecimento de itens de primeira necessidade, provoca racionamento de energia e água, e faz explodir a criminalidade. A economia do país recuou 11,3% ano passado e, segundo o FMI, a hiperinflação alcançará 1.660% este ano. O quadro é de uma crise humanitária sem precedentes, que vem gerando um êxodo de refugiados para os países vizinhos.
Acuado e impopular, Maduro anula sistematicamente garantias e liberdades civis. Além da intervenção do Judiciário no Legislativo, o governo mantém presos políticos, entre eles importantes líderes da oposição. Também adiou as eleições estaduais, ignorou o referendo revogatório do presidente e rejeitou a reivindicação de antecipação das eleições presidenciais.
As tentativas de diálogo, mediadas pelo Vaticano e a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), também fracassaram, depois que o governo descumpriu os itens acertados nos acordos, como a realização de eleições e a libertação de presos políticos.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, convocou uma reunião extraordinária para discutir a aplicação da Carta Democrática do organismo, excluindo a Venezuela por violação de direitos humanos. Esta é a chance de os países do continente, inclusive o Brasil, pressionarem por mudanças concretas na Venezuela.