sexta-feira, 21 de abril de 2017

Palocci, o elo que faltava, e seu estranho percurso

Rodolfo Buhrer - 26.set.2016/Reuters
Antonio Palocci (front), former finance minister and presidential chief of staff in recent Workers Party (PT) governments, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, September 26, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer ORG XMIT: BRA103
O ex-ministro Antonio Palocci, preso na Lava Jato


Clóvis Rossi - Folha de São Paulo

oferta de Antônio Palocci ao juiz Sergio Moro de apresentar "nomes, endereços e operações realizadas" que, segundo o próprio Palocci, interessam à Lava Jato é a oportunidade para encaixar o elo que falta na imensa corrente de corrupção montada no país.

É sabido que esquemas mafiosos, como o que as construtoras armaram com seus asseclas do mundo político, geralmente só são desmontados a partir do momento em que solta a voz alguém de dentro.

Foi o que aconteceu com os executivos da Odebrecht e de outras construtoras e com ex-diretores da Petrobras. Faltava o elo final: a delação de alguém, como Palocci, que esteve no governo e era figura chave no partido que deteve o poder de 2003 a 2016.

De certa forma, a oferta do ex-ministro ao juiz Moro já é uma confissão de culpa. Se ele sabe de "nomes, endereços e operações realizadas" de interesse da investigação, é porque participou dos trambiques.

Aliás, a fala de Palocci contradiz frontalmente a carga que fazem os petistas e alguns aliados contra a Lava Jato, acusada de abuso de autoridade. Palocci disse, ao fim do depoimento, que contaria o que sabe porque a Lava Jato faz bem ao país. Se é assim, não há abuso mas uma investigação que dá resultados.

O que me intriga no caso Palocci é os motivos que o levaram a envolver-se nos atos que agora se dispõe a dar a público.

O que levou um jovem trotskista a, primeiro, aderir ao neoliberalismo e, depois, à lama que está vindo à tona?

Tivemos um relacionamento bastante cordial durante seu período como coordenador da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 (depois da morte ainda cercada de sombras de Celso Daniel), e depois como ministro da Fazenda.

Foi ele, aliás, quem me procurou primeiro, quando o normal é que repórteres tomem a iniciativa de fazer contato com fontes de informação.

Nossas muitas conversas nesses dois períodos foram igualmente fora do padrão (do meu padrão pelo menos): eram verdadeiras discussões sobre política econômica, quando, em geral, eu me limito a fazer perguntas, ouvir respostas, eventualmente reperguntar, mas não debater com o interlocutor.

Com Palocci, uma vez, numa das indefectíveis sessões de pergunta e resposta (pingue-pongue no jargão jornalístico) para o balanço do ano (2004 ou 2005, já não me lembro), tivemos um bate-boca sobre o calote dado pela Argentina na sua dívida.

Pareceu-me, sempre, um médico (sua profissão original) do interior (Ribeirão Preto) transformado em homem público e imbuído da missão de trazer a política de seu partido de toda a vida (o PT) da esquerda para o liberalismo.

Se ele ainda continuasse revolucionário, como todo trotskista deve ser, eu até entenderia: inviabilizada a revolução no Brasil, fica a tentação de enriquecer, quaisquer que sejam os meios empregados.

Mas, tendo se convertido à moderação, a ambição de enriquecer poderia ter se moderado igualmente, até porque, como político e consultor, acabaria enriquecendo de qualquer forma, talvez mais lentamente.

Tudo somado, eu gostaria de conversar com ele em Curitiba, não só para saber nomes e operações que ele se dispõe a delatar mas para viajar à cabeça de um homem público transviado.