Alexandrino Alencar, que era o responsável pelos contatos do patriarca da delação com o ex-presidente, listou obra em sítio, Itaquerão, compra de terreno e doações a instituto, contratação de palestras e de empresa de sobrinho e ajudas de custos a filho, irmão e Okamoto como benefício ao 'Amigo' por 'apoio e influência' em favor da Odebrecht
Alexandrino Alencar, espécie de longa manus do empresário Emílio Odebrecht no contato com Luiz Inácio Lula da Silva, nos últimos 20 anos, listou para a força-tarefa da Operação Lava Jato nove benesses concedidas ao ex-presidente, que envolveram custos ao Grupo Odebrecht, em “contrapartida ao apoio e a influência política recebidos ao longo do tempo pelo atendimento das questões de interesse da companhia”.
“Bem como uma aposta na ajuda que ele continuaria a dar aos interesses da companhia em razão de sua expressiva liderança política”, relatou Alexandrino Alencar, no anexo 4 de sua colaboração premiada fechada com a Procuradoria Geral da República (PGR). Ao todo, 78 executivos e ex-executivos da Odebrecht tiveram seus acordos homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
No item “Relação com o ex-presidente Lula e tráfico de influência em benefício da companhia”, o delator entregou à Lava Jato um organograma das “contrapartidas” que beneficiaram o “Amigo” (codinome do ex-presidente nas planilhas da propina).
Na lista estão “a obra realizada no sítio em Atibaia; a compra do imóvel para o Instituto Lula; as doações feitas ao Instituto Lula; as contratações de palestras; o atendimento do pedido de contratação da empresa Exergia de seu sobrinho Taiguara Rodrigues; a ajuda de custo ao ‘Frei Chico’ e a Paulo Okamoto e também ao filho Luiz Cláudio através da Touchdown, bem como a viabilidade da construção da Arena Corinthians”. A maior parte já sob investigação na Lava Jato, em Curitiba.
Parte desses dispêndios foram pagos com dinheiro do Setor de Operações Estruturadas, que era o departamento de propinas e caixa 2 da Odebrecht. A área movimentou US$ 3,3 bilhões, entre 2006 e 2014, em pagamentos não contabilizados, em especial a agentes públicos, políticos e partidos, no Brasil e no exterior.
Os registros, segundo os delatores, estão listados na planilha da “conta corrente Italiano”, que foi apreendida pela Lava Jato, em 2015, com Marcelo Odebrecht.
“Italiano” era o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda/governo Lula e Casa Civil/governo Dilma Rousseff), confessou o ex-diretor-presidente da Odebrecht Marcelo Bahia Odebrecht, que era quem tinha o controle dessa conta paralela do grupo.
O crédito era o valor acertado em favor do PT, em decorrência da relação entre Lula e os interesses da empresa. “Em 2014, essa conta teve de créditos R$ 200 milhões.”
Pelo menos R$ 40 milhões teriam sido destinados ao ‘Amigo’.
Pelo menos R$ 13 milhões pagos em dinheiro vivo e registrados como “Programa B”, dentro da conta “Italiano”. O “B” era Branislav Kontic, assessor de Palocci que retirava os valores com o setor de propinas da Odebrecht – os dois estão presos pela Lava Jato, em Curitiba.
Marcelo é o último membro da Odebrecht ainda preso pela Lava Jato – pelo acordo de delação, ele poderá progredir para prisão domiciliar, em dezembro. Como delator, afirmou que, em 2014, usou a conta “Amigo” para descontar uma doação de R$ 4 milhões feita ao Instituto Lula. Para comprovar o que disse, ele apresentou a planilha com os registros.
“No ano de 2014, abati da subconta ‘Amigo’ o valor de R$ 4 milhões referente à doação ao Instituto Lula, demonstrando, mais uma vez, a conexão entre a subconta ‘Amigo’ e os pagamentos em benefício do ex-presidente Lula”, registrou o herdeiro da Odebrecht.
Documento
Marcelo confirmou ainda que os benefícios pagos em favor de Lula, que saíram da conta “Italiano”, estão os gastos de R$ 12 milhões, da compra de um terreno, em São Paulo, que seria usado para ser sede do Instituto Lula.
Influência. Os delatores confessaram que durante os governos de Lula também usaram a relação próxima de Emílio Odebrecht para conseguir que o ex-presidente defendesse os interesses econômicos do grupo no exterior.
Um e-mail entregue por Alexandrino, como prova de corroboração do que diz na delação, de 2006, registra mensagem enviada por Marcelo Odebrecht tratando de visita ao Peru do petista.
No e-mail, Marcelo envia informações sobre os projetos da Odebrecht no país e sugere a Alexandrino: “É importante você ressaltar para ele, que por sermos hoje o maior investidor brasileiro e também a maior construtora no Perú – responsáveis pelos maiores projetos em execução no país – deve existir uma expectativa natural por parte do Alan Garcia de que não só o pres. Lula demonstre conhecer nossa situação como confirme a confiança que tem em nossa capacidade”.
“Eu achava que isso era republicano”, disse Alexandrino.
Segundo ele, seu principal canal de contato com Lula era o ex-assessor de Lula Gilberto Carvalho, que era chamado nas mensagens internas de “Seminarista”.
Em um anexo da delação de Emílio, o patriarca da delação premiada confessou que pediu a Lula que ele intervisse em defesa do grupo, que estava ameaçado pela Andrade Gutierrez, em obra da usina hidrelétrica de Tocoma, na Venezuela.
“Esta nota se refere ao pedido que Marcelo me fez de falar com o ex-presidente Lula sobre a interferência que algumas pessoas ligadas ao governo do Brasil estavam fazendo junto ao governo da Venezuela em favor da Andrade Gutierrez”, registra o anexo 24, da delação de Emílio.
O Termo 24 do delator Emílio Odebrecht trata sobre anotação que havia sido apreendida com o presidente afastado do grupo, Marcelo Odebrecht – preso desde 19 de junho de 2015. A anotação registrava: “Lula vs Ven e comentário AG”.
Segundo Emílio, era “o Itamaraty” que estaria apoiando a Andrade Gutierrez. “Não só o Itamaraty como pessoas de dentro do Planalto”.
“Cheguei a ter a oportunidade, a pedido de Marcelo, de conversar com ele próprio Lula, de que isso não podia estar acontecendo.”
O procurador da República quis saber se ele foi mesmo falar com Lula e qual foi sua resposta. “Falei.” O delator afirmou que o ex-presidente Lula “ouviu e disse: ‘você tem toda razão e vou verificar o que está acontecendo’”.
Longa manus. O empresário Emílio Odebrecht, presidente do Conselho de Administração do grupo, explicou que Alexandrino tinha como papel ser seu “apoio” nas relações “institucionais” com o presidente Lula.
Alexandrino não era considerado um executivo do grupo, mas sim um funcionário de apoio, que ficava como ponte para recados e agendamento de reuniões de Emílio com Lula.
Em sua delação, Alexandrino explicou que conheceu o petista na década de 1990.
“Conheci o ex-presidente Lula por volta de 1994 por meio do doutor Emílio Odebrecht. O Grupo Odebrecht, especialmente dr Emílio Odebrecht, sempre teve relação com Lula, mesmo antes dele ser presidente da República e já tendo sido candidato e perdido eleições presidenciais”, contou Alexandrino.
“Dentre as minhas atribuições estava a de cultivar e fortalecer os vínculos institucionais da companhia com ele (Lula) visando alavancar cada vez mais novas oportunidades”, explicou o delator.
R$ 200 milhões. Marcelo Odebrecht disse em sua delação ter como certo que Lula sabia do valor de R$ 200 milhões acertados com Palocci, em favor do PT por suas relações com a Presidência, porque houve uma discussão sobre o montante. Segundo ele, o ex-ministro teria reivindicado, certa vez, que o total acertado entre Emílio e Lula seria de R$ 300 milhões.
Em sua delação premiada, Emílio Odebrecht confirma que Lula sabia de pagamentos destinados ao PT, por sua relação, mas que os valores não eram tratados com ele, mas sim com Palocci.
“O pedido de ajudar era de fato feito por ele (Lula), diretamente a mim, mas combinávamos sempre designar um representante de cada lado para negociar os valores e combinar os detalhes”, disse Emílio.
“Mais de uma vez, Marcelo me pediu para falar com o ex-presidente Lula para informar os valores pactuados de contribuições e também esclarecer dúvidas quanto aos valores combinados para as contribuições de campanha”, explicou o patriarca.
Emílio disse não ter levado a discussão de valores a Lula, mas lembra de ter reclamado com ele. “Presidente, seu pessoal quer receber o máximo possível, e meu pessoa quer pagar o mínimo necessário. Já instrui meu pessoal para aliviar a pressão.”
É nesse ponto da delação premiada de Emílio que ele diz ter reclamado da voracidade dos petistas por pagamentos. “Lembro também de, em uma destas ocasiões, ter dito ao então presidente que o pessoal dele estava com a ‘guela muito aberta’. Estavam passando de ‘jacaré para crocodilo’.”