Há uma famosa maldição que poucas vezes deixou de realizar-se: a de que o país que encontra um tesouro se torna seu escravo e condena-se à irrelevância. A Espanha levou tanta prata da América que se transformou no país mais rico do mundo. Mas, de potência internacional, cujo rei ocupava também o trono do Santo Império Romano, virou saco de pancadas da Holanda e da Inglaterra e, só séculos mais tarde, após a morte do ditador Francisco Franco, voltou a crescer. Portugal, cujos navios descobriram o mundo, ficou sufocado com o ouro brasileiro. Hoje, a maldição tem o nome de Doença Holandesa, Dutch Disease. A alta do preço do gás levou tantos dólares à Holanda que ficou mais fácil importar do que pesquisar, produzir e competir. Empregos e indústria sofreram juntos.
Pior do que se amarrar a um tesouro de verdade é escravizar-se a uma perspectiva de tesouro. Foi o que ocorreu no Brasil com o pré-sal: antes que as novas reservas fossem exploradas, já se distribuíam aos escolhidos os lucros que delas viriam. Contaram com o ovo, digamos, na parte interna da galinha.
Vem daí a crise da saúde no Rio: com base em cálculos inflados pela participação em lucros ainda não realizados, a obter com a venda do petróleo ainda não extraído, apareceram orçamentos frágeis. Bastou que a Arábia Saudita baixasse o preço do petróleo para que o Rio ficasse sem dinheiro para a saúde, para o funcionalismo, para carregar a pesada máquina pública. Enquanto isso, há quem defenda pedaladas fiscais e contabilidade criativa.
O doente é apenas um detalhe.
A vida…
Como virou moda dizer, pedalada fiscal todo mundo já deu. Pode ser verdade; e explica boa parte dos problemas do país. Quando o orçamento é driblado, o país se torna dependente de acontecimentos continuamente favoráveis. Uma falha ─ a queda do preço do petróleo, a redução no preço do minério de ferro, um novo foco de roubalheira na área estatal ─ e a bicicleta tomba, ferindo os cidadãos.
…como ela é
Final da história: raspando o fundo dos cofres públicos, o Rio conseguiu R$ 297 milhões, que segundo o governador Pezão serão suficientes até o dia 15 de janeiro. E daí em diante? O governo federal criou um comitê de crise.
Pelo jeito, é melhor não ficar doente, nem dar à luz, a partir de 15 de janeiro. Pois ataduras, lençóis, leitos, remédios, equipamentos básicos continuam faltando.
Complementando
Como na clássica marchinha “Cachaça” (“você pensa que cachaça é água”), de Marinósio Trigueiros Filho e Mirabeau, podem faltar arroz, feijão e pão, mas não pode faltar “a danada da cachaça”. No Rio, mostra o jornalista Cláudio Tognolli, cirúrgico ao apontar o problema, as grávidas estão alojadas no chão do corredor do hospital, não há como atender novos pacientes, nem comprar remédios básicos.
Mas em setembro o governo fluminense dobrou a verba para o desfile das escolas de samba no Carnaval de 2016. Além do patrocínio de ditadores africanos a quem os homenageia, há também o dobro de dinheiro público ─ dinheiro de quem gosta ou não de Carnaval. Que, para ir à avenida, ainda paga o ingresso.
Tudo explicado
O senador Acir Gurcacz, do PDT de Roraima, relator da Comissão Mista do Congresso que analisa o relatório do Tribunal de Contas da União sobre as contas da presidente Dilma, quer derrubar o parecer técnico (que as rejeitou) e aprová-las. Diz Gurcacz que as irregularidades (segundo o TCU, R$ 59 bilhões) foram cometidas não só pela presidente, mas também por 14 governadores, logo é melhor aprová-las. Ou seja, os 13 governadores que cumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal não passam de umas bestas quadradas, onde já se viu fazer o que é certo?
Mas Gurcacz tem seus motivos: responde a mais de 200 ações na Justiça, até mesmo por estelionato. Já pagou R$ 209 mil em dinheiro público por ônibus usados que, no mercado, saem por R$ 12 mil. Para ele, o que é irregular?
Visão de futuro
Um respeitado economista, Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica (governo Lula) e presidente do Insper, acha que o país se preocupa com o problema errado: quem tem de cuidar da economia é o governo, não apenas o ministro da Fazenda. Como não é isso que está ocorrendo, ele teme, no futuro, sentir saudades de 2015.
Lembrando “Apocalypse Now”, o horror! O horror!
Os mais iguais
O governador de Goiás, Marconi Perillo, PSDB, declarou-se orgulhoso por ter tido a coragem de propor a mudança das normas de aposentadoria do funcionalismo público em Goiás. Não tem sentido, disse o governador, em entrevista no dia 30 de novembro, um funcionário se aposentar com 45 ou 50 anos de idade, e receber a aposentadoria por 40 anos ou mais. “Quem paga isso é o povo”.
Perillo só abre uma exceção para a rígida defesa da austeridade: sua esposa, Valéria Perillo, que há pouco se aposentou, com pouco mais de 50 anos de idade. “Ela trabalha desde os 16 anos”, explicou. “Tinha os requisitos para se aposentar e entrou com o pedido. Isso é muito natural”. Mais natural se ela tivesse trabalhado o tempo todo. Mas, há quase 30 anos, só acompanhou o marido.