Tenho ouvido, para meu desalento, que brasileiros de todas as idades e setores sociais estão querendo sair do país. São jovens casais planejando estudar no Canadá, artistas querendo morar em Lisboa, empresários pensando nos EUA.
Embora esta coluna sugira que sou um super-homem, com sentimentos e propósitos muito bem ordenados, no escuro do quarto eu também tiro minha capa e olho para Miami. Mas volto sempre à antológica e profunda frase de Tom Jobim: Aqui é uma merda, mas é bom; lá fora é bom, mas é uma merda.
A raiz do desencanto em massa é a exaustão com as crises cíclicas do Brasil. Há desencanto com o hoje e falta de esperança no amanhã. O pior é que também estamos perdendo o ontem, aquelas coisas gostosas do país de quando eu era menino.
Minha cidade, Salvador, tão linda e gostosa, está paralisada por um trânsito insuportável. O bairro onde vivo em São Paulo tem assaltos com frequência. O patrimônio arquitetônico barroco mais importante do mundo, no Pelourinho, onde cresci, cai aos pedaços.
E o que viver lá fora oferece? Luxos impensáveis aqui. Andar a pé a qualquer hora como na Salvador da minha adolescência, deixar os filhos soltos e livres na rua, fazer planejamento de longo prazo.
Não faltam razões comezinhas para ir embora, mas há algo profundo em minha alma que teima em ficar. Não condeno quem esteja querendo sair do Brasil. Mas não saio porque já abandonei a Bahia por motivos profissionais e sei da dor de deixar uma história para trás.
Eu sou brasileiro. Monteiro Lobato e Machado de Assis me fizeram assim. Sou redator, amo a língua e a cultura brasileira, de onde arranco o meu sustento. E o que seria da minha vida sem família e amigos? Precisamos dos amigos e dos inimigos porque eles nos definem.
Sem o Brasil, em Portugal eu seria um fado; em Londres, "London, London"; e, em Nova York, mister Gomes, já que meu nome é Nizan Guanaes Gomes e lá eles me chamam pelo "last name".
Mister Gomes é ninguém. Aqui eu sou alguém. Sou filho da Bahia e do terreiro do Gantois. Sou devoto de santo Antônio, santa Terezinha das Rosas e santa Rita de Cássia, a quem peço coisas impossíveis. Torço pela Mangueira, sou colunista deste jornal, o que me dá tanto orgulho, fiz uma carreira, uma família linda, construí uma vida.
O Brasil agora vive momento de catarse. Como na Revolução Francesa, quando, para se fazer justiça, fizeram injustiças. Mas não há aurora sem noite. E este inverno pode ser longo, como em "Game of Thrones".
Quando fui estudante de intercâmbio e morava numa fazenda em Iowa, minha família americana usava o inverno rigoroso para consertar as coisas e repor o que faltava. Vamos usar esse inverno para consertar nossas empresas, reduzir custos, ganhar produtividade e ver não só crise na crise, mas oportunidades também.
Vamos honrar os homens que aqui ficaram no passado de tantas dificuldades.
Honrar os empreendedores que fizeram coisas importantes sob as mais altas taxas de inflação e todo tipo de crise e plano econômico. Vamos honrar homens como Abilio Diniz, ex-sequestrado, Roberto Medina, ex-sequestrado, Washington Olivetto, ex-sequestrado, que seguiram empreendendo aqui quando tinham todos os motivos para ir embora.
O momento pede grandeza, diálogo e discernimento.
Prefiro viver trancado em casa, mas com a alma solta, a andar livremente pelas ruas sendo mister Gomes. Porque lá fora mister Gomes será tudo, mas não será ninguém.