sexta-feira, 31 de outubro de 2025

'Territórios sequestrados', por Isabela Jordão e uiliam Grizafis

A megaoperação desencadeada pelo governo fluminense tenta recuperar o domínio territorial das favelas cariocas, que há décadas foram abandonadas pelo poder público e entregues ao controle de grupos criminosos


Vista de carro incinerado por traficantes para tentar impedir o acesso de policiais no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro, n dia 28 de outubro de 2025, durante a a megaoperação batizada de "Operaação Contenção", para combater a expansão territorial do Comando Vermelho - Foto: Pedro Kirilos/Estadão Conteúdo


“Quando a legalidade se corrompe, o crime se transforma em sistema” (Mario Vargas Llosa)


A população do Rio de Janeiro despertou em clima de tensão na última terça-feira, 28. Sob o céu nublado, cerca de 2,5 mil policiais entraram nos complexos da Penha e do Alemão para enfrentar criminosos fortemente armados do Comando Vermelho. 

Os bandidos receberam os agentes com disparos de fuzis, drones munidos de granadas, bombas e barricadas. A força-tarefa conseguiu empurrá-los para a mata, onde equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) estavam de prontidão para impedir a fuga. O confronto deixou cerca de 120 mortos, entre os quais quatro policiais, e mais de 110 presos. 

A população sofreu o impacto do revide dos criminosos. Enquanto alguns corriam para se proteger dos disparos, comerciantes fechavam as portas dos estabelecimentos. Nuvens de fumaça subiam das ruas e vielas dos complexos e carros eram incendiados.

Na Penha e no Alemão, quase 50 escolas e pelo menos 7 unidades de saúde deixaram de funcionar. Na rede estadual de educação, outras 35 escolas da cidade suspenderam as aulas, assim como as quatro universidades públicas do Rio. Em razão da incapacidade de deslocamento dos trabalhadores da região metropolitana, a prefeitura emitiu o alerta Estágio 2 — fase estabelecida quando há risco de ocorrências de alto impacto na cidade. 

Algumas das principais vias do Rio, como a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a Rodovia Presidente Dutra, tiveram trechos bloqueados. Os itinerários de mais de 100 linhas de ônibus foram alterados e os trens e metrôs tentavam suprir a demanda de todos os que estavam na rua. Na Central do Brasil, epicentro do transporte público do Rio, o movimento cresceu no fim da tarde ao ponto de se tornar um tumulto


Estratégia do “Muro do Bope” na Operação Contenção, no Rio de Janeiro (28/10/2025) | Foto: Reprodução/X 

Soldados que não resistiram 

Os policiais Marcus Vinícius Cardoso de Carvalho, Rodrigo Velloso Cabral, Heber Carvalho da Fonseca e Cleiton Serafim Gonçalves morreram em combate. Carvalho, de 51 anos, comandava a delegacia de Mesquita, na Baixada Fluminense. Mesmo no cargo de chefia, ele costumava participar diretamente de operações em campo. Conhecido como Máskara, morreu no Hospital Estadual Getúlio Vargas, assim como Rodrigo, de 34 anos, que atuava na Polícia Civil havia 40 dias. O agente era casado e tinha uma filha. Cleiton e Heber, de 42 e 39 anos, respectivamente, eram sargentos do Bope.


Da esquerda para a direita, Heber Carvalho da Fonseca, Cleiton Serafim Gonçalves, Rodrigo Veloso Cabral e Marcus Vinícius Cardoso foram os 4 policiais mortos por bandidos na Operação Contenção |- Foto: Reprodução

Durante a operação registrada no Rio de Janeiro (RJ), imagens de forte imp@ct0 marcaram o dia de confr0nto. Em um dos registros, um policial aparece carregando um colega fer!d0 em meio ao tir0teio. Em outro vídeo, um agente chora ao telefone, sentado na calçada, após o intenso embate. A megaoperação, que mobiliza cerca de 2.500 policiais civis e militares, tem como objetivo capturar lideranças crim!nos@s e impedir a expansão territorial de f*cçõ3s na região metropolitana. Segundo as autoridades, a ação é uma resposta ao avanço do cr!me organizado e busca restabelecer a segurança em áreas dominadas por grupos armados.

O clima de tensão e as cenas emocionantes protagonizadas pelos agentes de segurança chamaram a atenção nas redes sociais e reforçaram o impacto humano por trás da vi0lênc!a que atinge o estado. Fonte: Record 


A operação resultou na apreensão de quase 118 armas: 91 fuzis, 29 pistolas e 14 artefatos explosivos. Entre os detidos, está Nicolas, considerado o operador financeiro de Edgar Alves de Andrade, o Doca, um dos líderes da facção. Outro bandido preso é o traficante Belão, apontado como chefe da comunidade do Quitungo, também na Zona Norte. 






O fortalecimento do Comando Vermelho 

A guerra contra o Comando Vermelho exige inteligência e forte aparato tecnológico e logístico. Os drones, os helicópteros, os blindados terrestres e os veículos de demolição do Núcleo de Apoio às Operações Especiais da PM são usados contra criminosos que estão equipados com arsenais de guerra. Um poder que aumentou consideravelmente nas últimas décadas.

De acordo com Marcelo Rocha Monteiro, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), as facções foram beneficiadas pela Justiça. O jurista afirmou, por exemplo, que o Comando Vermelho expandiu seu território em 25% depois que o Supremo Tribunal Federal protocolou a ADPF 365, conhecida como ADPF das Favelas. Proposta pelo PSB em novembro de 2019, a medida visa a controlar e limitar operações policiais em comunidades. 

A ADPF das Favelas determina que as operações policiais em áreas com presença do crime organizado só podem ocorrer em situações absolutamente excepcionais. Nessas ocasiões, os agentes devem comunicar previamente o Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o cumprimento das ações nos morros. Já o uso de helicópteros é permitido apenas em casos devidamente justificados.

Enquanto agentes precisam justificar as ações nos morros, criminosos caminham livremente pelas ruas e becos das comunidades. Percorrem as vielas labirínticas dos complexos sem camisa, com um par de chinelos, bermuda, corrente de ouro e um fuzil nas mãos. Monitoram a região e assustam os moradores.

A ADPF das Favelas permitiu que lideranças do Comando Vermelho de outros Estados usassem as favelas do Rio de Janeiro como esconderijos. Isso deu mais musculatura à segunda maior facção do país — atrás apenas do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Os traficantes cariocas também aproveitaram a decisão do STF para implantar a escola do crime nas comunidades. Recebem delinquentes de outros Estados para ensiná-los a limpar, montar e manusear armas de grosso calibre. Depois de treinados, os bandidos voltam aos Estados de origem para colocar em prática o que aprenderam. 


Onde o Estado não entra 

O fortalecimento do crime organizado fez o Estado perder o controle de territórios. Monteiro explicou que, quando isso ocorre, surge um governo paralelo dos traficantes. Moradores passam a viver num território sequestrado. Não pagam IPTU, mas devem deixar as portas das casas destrancadas para os bandidos se refugiarem durante alguma operação policial. 


O gás, a luz, a internet, a telefonia e o transporte pertencem aos criminosos. Também são eles que comercializam cervejas, carvão e cigarros provenientes do Paraguai. O trabalhador que tem comércio regular é vítima de extorsão. Se atrasar os pagamentos, corre o risco de morrer. Conforme o procurador, esse negócio é mais vantajoso do que a venda de drogas. “O controle sobre os territórios se tornou a maior fonte de renda dos traficantes”, afirmou.


Os bandidos decidem até a cor da roupa que as pessoas devem usar. Em comunidades onde há facções rivais do Comando Vermelho, por exemplo, o vestuário não pode ser vermelho. Especialista em segurança pública, Rodrigo Pimentel explicou que o problema vai além do combate ao crime organizado. O ex-integrante do Bope disse que a realidade do Rio de Janeiro deve ser chamada de “Conflito Armado Não Internacional”.

“Trata-se de um combate contra forças irregulares que sobrevivem há mais de duas décadas, enfrentam o poder estatal e ocupam um território com capacidade de combate”, afirmou. “Quando os criminosos colocam o Estado de joelhos ao fecharem avenidas, é porque querem espalhar o medo e o terror.” 

Para Pimentel, não se trata apenas de “banditismo”, mas de um grupo armado que quer afrontar a soberania nacional e impor a lei em determinada localidade. Essa é a nova prioridade do crime no Brasil: o domínio de territórios. A venda de drogas se tornou algo secundário, segundo o especialista.

 “Os criminosos passaram a viver da ocupação territorial e das extorsões”, disse. “Quando um presidente da República fala que o viciado é o culpado e o traficante é a vítima, significa que ele sequer consegue entender a dinâmica do crime no Brasil.”

Para Pimentel, a operação no Rio foi bem-sucedida por mostrar que os criminosos não são mais fortes que o Estado. “Nesta semana, o Estado conseguiu se sobrepor, mesmo a um custo caríssimo, com a morte de quatro policiais.”


Membros do Comando Vermelho (CV) foram filmados ostentando fuzis e vestimentas de guerra pouco antes da megaoperação policial que resultou na mais letal ação da história do Rio de Janeiro. A ofensiva policial, que visava conter o avanço territorial do CV nos Complexos do Alemão e da Penha, terminou com mais de 60 mortos e apreensão de um vasto arsenal. O confronto demonstrou o alto poder de fogo da facção, que chegou a utilizar drones para lançar explosivos em represália à ação das forças de segurança. ☀️⚡Invista com a @solarebyenergy: energia limpa, impacto real e rentabilidade mensal acima da média. Siga e descubra mais!


Reação da imprensa 

Muitos veículos de imprensa optaram por culpar as autoridades e romantizar a morte dos bandidos. O jornal O Globo, por exemplo, transcreveu um diálogo entre um bandido e seu pai momentos antes de ser morto. Já a jornalista Elisa Veeck, da CNN, lembrou que os bandidos mortos “eram seres humanos”. Só não mencionou o fato de que portavam fuzis, vestiam roupas camufladas e atiraram contra a polícia no momento em que foram alvejados. 


Há dezenas de milhares de homens armados, espalhados por milhares de comunidades do Rio, controlando a vida de milhões de pessoas. O trabalho deles é trocar tiro com a polícia. Essa parte a imprensa sempre esquece.


Deputada federal pelo Psol do Rio de Janeiro, Talíria Petrone divulgou um vídeo em que diz estar “devastada” com a operação. Catalogou o enfrentamento aos criminosos como uma “chacina desastrosa”.

Talíria Petrone - O Rio de Janeiro está vivendo um momento muito difícil. Não é "segurança pública" o que estamos vendo, é extermínio


O governador Cláudio Castro deixou claro que as operações vão continuar — mesmo sem o apoio do governo federal. A polícia tem muito trabalho, não só no Rio de Janeiro. Hoje, o Comando Vermelho está presente em 24 dos 26 Estados brasileiros (as exceções: São Paulo, dominado pelo PCC, e o Rio Grande do Sul, onde atuam as facções Manos e Bala na Cara). Por causa do CV, a Bahia está se tornando um dos Estados mais perigosos do País. 

No Ceará, os criminosos do CV invadiram também o interior do Estado. Maranguape, por exemplo, cidade onde nasceu o humorista Chico Anysio, é hoje o município mais violento do Brasil, com 80 mortes por 100 mil habitantes. 

O distrito de Uiraponga, na cearense Morada Nova (onde Lula recebeu 70% dos votos nas últimas eleições presidenciais), tornou-se um lugar fantasma. Neste ano, as 2 mil famílias que moravam ali abandonaram suas casas por causa da guerra entre facções. 

Essas zonas de exclusão mostram que, quando o Estado falha em garantir condições mínimas de moradia e segurança, a criminalidade ocupa o espaço e um poder paralelo se estabelece. As favelas cariocas são a prova disso.

 

Moradores protestam contra execuções na comunidade da Vila da Penha durante a Operação Contenção | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil 

Revista Oeste