sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Sílvio Navarro e 'O Narcoestado'

 Rio Janeiro expõe a falência do sistema de segurança do país e a conivência da esquerda com o crime  


Membros da unidade especial da Polícia Militar patrulham uma rua durante uma operação policial contra o tráfico de drogas na favela da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, Brasil, em 28 de outubro de 2025 - Foto: Reuters/Aline Massuca


Na última terça-feira, 28, o Rio de Janeiro foi palco de um filme de horror: a fumaça escura dos pneus queimados em barricadas custou a se dissipar no céu, o comércio fechou as portas cravejadas por balas, dezenas de corpos foram arrastados para uma praça — os que estavam na mata fechada chegaram só no dia seguinte —, e gritos de revolta tomaram as vielas dos populosos complexos do Alemão e da Penha, territórios demarcados pela facção criminosa Comando Vermelho. A Polícia Militar acabara de enfrentar um verdadeiro exército de bandidos armados até os dentes. Oficialmente, cerca de 120 pessoas morreram na operação, entre elas, quatro policiais — dois civis e dois militares. E mais de 110 foram presas. 

O número de presos e a fuga em massa dos traficantes para a mata, desocupando temporariamente a área, retratam o sucesso da empreitada policial. Mas essa é a ponta do iceberg: o Brasil tem um problema grave e urgente para enfrentar, e a segurança será o grande tema das eleições do ano que vem. Logo, se a solução passa pela política, uma pergunta é inevitável: de que lado o presidente Lula da Silva está nessa guerra? 




A última manifestação de Lula antes da batalha contra o narcotráfico foi feita na semana passada, durante uma viagem à Indonésia. Ele disse: “Os usuários são responsáveis pelos traficantes, que são vítimas dos usuários também”. E não para por aí: “Você tem uma troca de gente que vende, porque tem gente que compra”. No dia seguinte, a equipe de propaganda do petista disse que a frase foi “mal colocada”. 

A fala foi considerada um desastre até pelo PT. Mas o fato é que, se Lula embananou-se ou não, ou se deixou escapar o que realmente pensa, a declaração é peça de um mosaico muito mais complicado. A esquerda não consegue combater a bandidagem. Pelo contrário: passa um verniz de mazela social em todas as frentes possíveis, seja nas universidades, na mídia tradicional, no Judiciário e, principalmente, na seara cultural. 

O criminoso é retratado como vítima da falta de acesso a equipamentos públicos e oportunidades — além dos demais rótulos que a militância adora das “minorias” — preto, pobre, LGBT, indígena etc. Qual o resultado? As facções crescem quando a esquerda está no poder — a maior delas, o PCC, movimenta bilhões por ano e está presente em mais Estados do que a rede McDonald’s (24 e no Distrito Federal). 

Uma cena antiga correu as redes sociais nesta semana porque é atemporal: uma mãe se desespera ao encontrar o filho, integrante do Comando Vermelho, algemado, na delegacia de Praça Seca, no Rio. Ela diz: “Você não é vítima da sociedade coisa nenhuma”. Os policiais tentam acalmá-la. “Você tem pai e tem mãe que trabalham. Você está aqui por causa das suas escolhas” (veja o vídeo abaixo). 


A mãe de um jovem chegou desesperada à delegacia da Praça Seca, no Rio de Janeiro, após a prisão do filho pelo 18º BPM, acusado de tráfico de drogas na comunidade do Calango, na sexta-feira (12). Ela autorizou a divulgação das imagens do momento e falou emocionada sobre o filho. “Ele sempre foi o mais querido, mais amado. Acho que errei com excesso de amor… todas essas escolhas foram dele”, disse. Para ela, o jovem nunca foi vítima da sociedade: “Tem pai, tem mãe… tudo o que aconteceu por ele foram escolhas”. Apesar da dor, a mãe afirmou que ainda acredita na chance de o filho se regenerar.


Cláudio Castro - É revoltante ver até onde o crime é capaz de ir para tentar enganar a população. Circulam vídeos mostrando claramente a manipulação de corpos depois dos confrontos: pessoas cortando roupas camufladas, tentando mudar a cena para culpar a polícia.


Essa relativização moral vem ganhando espaço no campo ideológico da esquerda há décadas. Detém o apoio da velha mídia e dos artistas — vide as letras de funk, em apologia ao crime, absolutamente toleradas. Na terça-feira, a deputada fluminense Taliria Petrone, do Psol, sacou a carta do vitimismo na Câmara. Aos gritos, arrumou confusão e acusou o governador Cláudio Castro de ter promovido uma chacina contra jovens pobres. Detalhe: foram apreendidos mais de 70 fuzis similares aos usados no Oriente Médio e drones com granadas. Estavam em posse da tal tropa franzina de garotos — um fuzil carregado pesa, em média, 4 quilos. 

Taliria é o retrato dessa hipocrisia da esquerda. Ela disse que o drama do Rio de Janeiro começa porque o governador Cláudio Castro é “bolsonarista”. Essa, aliás, é uma questão que transborda. Não é só o Psol: o grupo Globo, por exemplo, não consegue aceitar a existência do “bolsonarismo” e passou a semana inteira mergulhado em malabarismo retórico. 

Outro fator nessa salada ideológica é transformar a polícia em vilã. Há dois meses, o Brasil descobriu, por exemplo, que um jovem magrelo, de cabelo colorido, é capaz de mobilizar uma turba em frente à penitenciária de Bangu em protesto contra a polícia. O nome dele é Oruam, filho do traficante Marcinho VP e sobrinho de Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes. O rapper virou manchete nos jornais com a frase: “Atrás de um fuzil, existe um ser humano” e “O Estado massacra demais”. 




As bancadas do Psol e do PT concordam com o cantor de funk. A deputada é autora de um projeto de lei que proíbe a Polícia Militar de usar helicópteros e drones em favelas. A polícia já não pode sobrevoar favelas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A ementa do projeto de lei 2040/2025 diz: “Dispõe sobre a restrição do uso de aeronaves, tripuladas ou não, em operações policiais com foco na proteção da vida, dos direitos fundamentais e da integridade das populações residentes nas áreas afetadas”. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. 

Há dias, a TV Globo e os portais dos jornais antigos martelam sobre a “letalidade policial”. Nenhum especialista, contudo, apresentou uma única proposta para acabar com o Comando Vermelho, uma facção que nasceu da Falange Vermelha, quando criminosos se misturaram com presos políticos no presídio de Ilha Grande, em 1979. 

Morro acima, policiais encontraram cemitérios clandestinos do CV — um deles era um poço com 30 metros de profundidade. O CV é o exemplo mais antigo de domínio territorial. São áreas onde o sistema penal foi substituído por um tribunal do crime — em ciência política, esse rompimento configura o fim do “contrato social”. Traduzindo: quem faz a lei é quem manda no morro, e não o Estado — por isso, é comum encontrar pichações em muros com dizeres “é proibido roubar na favela”. 




Nas comunidades sob domínio do CV regra do proibido roubar é adotada como forma de evitar presença da polícia, atrapalhando a atividade principal do grupo: o comércio de drogas - Foto: Reprodução/Ramon Aquim/Revista Piauí



Cartazes foram espalhados com mensagesns proibindo roubos em favela do Rio - Foto: Reprodução 


Isso fica claro na decisão que autorizou a empreitada pela polícia, com aval do Ministério Público, assinada pelo juiz Leonardo Rodrigues da Silva Picanço. O magistrado expediu 60 mandados de prisão. A enorme lista reúne apelidos bem conhecidos na região, principalmente o Doca ou Urso, apontado como principal líder da facção, e seu braço-direito, Pedro Bala. 

O juiz fala em prática sistemática de tortura, exploração de menores e ameaças aos moradores. “Os elementos de convicção deixam revelar indícios suficientes de autoria e prova da materialidade dos crimes de tortura e associação para o tráfico de drogas, praticados com emprego de arma de fogo e envolvendo adolescentes”, afirmou o magistrado. O jornal Folha de S.Paulo publicou informações sobre conversas interceptadas entre os traficantes. 

Há vídeos com punições violentas, pessoas amordaçadas, arrastadas por carros e implorando perdão aos comandantes do CV. Um deles, apelidado de “Bafo”, pergunta a um homem ensanguentado se ele “quer morrer logo” para diminuir o sofrimento. 

No caso do Rio, a geografia é parte crucial no domínio territorial. É aqui que entra a ADPF das Favelas, uma ação apresentada no STF durante a pandemia pelo PSB. O intuito é atender pedidos de ONGs para impedir a patrulha aérea da polícia nos morros. Os ativistas reclamam que, a bordo de helicóptero, a polícia atira de cima para baixo, o que deixaria moradores vulneráveis aos tiroteios. 

Por isso, o CV tem metralhadoras com calibre capaz de derrubar aeronaves. Mas cabe uma pergunta nesse debate: quando a polícia sobe o morro a pé, quem atira de cima para baixo? A chuva de balas não é disparada pelos traficantes? Quem usou drones com explosivos na terça-feira? A PM ou o CV? (veja o vídeo abaixo).


Cláudio Castro - É assim que a polícia do Rio de Janeiro é recebida por criminosos: com bombas lançadas por drones. Esse é o tamanho do desafio que enfrentamos. Não é mais crime comum, é narcoterrorismo.


No aspecto operacional, por que a ação desta semana foi certeira? O planejamento da tropa de elite da PM — aquele pelotão do filme Tropa de Elite — foi batizado de “Muro do Bope (Batalhão de Operações Especiais)”. Os criminosos foram isolados, justamente para minimizar o efeito colateral de operações de guerra. Os traficantes foram empurrados para a mata — era uma armadilha. Foi aí que o jogo mudou: a polícia ficou no ponto mais alto, na Serra da Misericórdia. Segundo a PM, havia chefes do tráfico de outros Estados no local — Goiás, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Amazonas e Pará.

“Distribuímos as tropas pelo terreno. O diferencial, em relação às imagens que mostravam criminosos fortemente armados buscando refúgio na área de mata, foi a incursão dos agentes do Bope na parte mais alta da montanha que separa as duas comunidades”, disse o coronel Marcelo de Menezes, secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro. “Essa ação criou uma linha de contenção”, afirmou. Conclusão: a PM protegeu os civis porque empurrou os criminosos para a mata. Os cadáveres estendidos em praça pública para os fotógrafos estavam na mata — é possível ver moradores trocando roupas camufladas e coturnos para disfarçar que eram “soldados do tráfico”. No caso das mulheres, elas atuam como “olheiras”.


Restam mais perguntas: afinal, essa ADPF das Favelas não acaba favorecendo os criminosos? O relator no Supremo era o ministro Edson Fachin, que assumiu a presidência da Corte. Com isso, a relatoria deveria ser transferida ao ex-presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, mas ele se aposentou. Logo, a relatoria deveria permanecer vaga até que um novo togado chegue ao STF. Certo? Não. A relatoria, sem nenhuma explicação regimental, como quase tudo o que corre no STF, foi entregue a Alexandre de Moraes. Por quê? 


De antemão, Moraes já encurralou o governador “bolsonarista”. Pediu informes à PM e o intimou sobre a letalidade da operação. Coincidentemente, em outra frente em Brasília, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, marcou para a próxima terça-feira uma sessão que pode cassar o mandato do governador por abuso de poder econômico


Castro incomodou o governo Lula. Tão logo as primeiras imagens do confronto começaram a rodar o mundo — até a ONU (Organização das Nações Unidas) se pronunciou —, ele mostrou um documento entregue ao Ministério da Defesa pedindo apoio militar. O governador queria o apoio de blindados anfíbios (chamados carros lagartos) da Marinha. Mas o governo não ajudou. Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), chefiada por Jorge Messias, isso só seria possível se Lula assinasse uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem).


“Tivemos pedidos negados três vezes. Para emprestar o blindado, tinha que ter GLO, e o presidente [Lula] é contra a GLO. A cada dia, é uma razão para não colaborar”, disse Cláudio Castro. Lula já disse mais de uma vez o que pensa sobre uma intervenção no Rio. Em outubro de 2023, afirmou: “Eu não quero as Forças Armadas na favela brigando com bandido. Não é esse o papel das Forças Armadas”. No mesmo ano, o primeiro do governo, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, visitou a favela da Maré sem escolta. Até hoje, uma foto de Lula usando um boné com as letras “CPX”, de complexo (favelas agrupadas), na campanha de 2022, é lembrada com frequência. O que Lula quis dizer com esse gesto?

 


Presidente Lula com um boné escrito “CPX” - Foto: Reprodução/X   


Não foi só o Ministério da Defesa que se recusou a ajudar na operação. A Polícia Federal foi avisada do planejamento, mas, segundo o diretor da instituição, Andrei Rodrigues, “não era razoável” participar. A realidade se impõe: o governo Lula não quis combater o Comando Vermelho. A dinâmica das facções criminosas é similar à de grupos terroristas pelo mundo: não há vácuo de poder. 

Morre um capim, nasce outro. Rei morto, rei posto. É impossível imaginar que o Comando Vermelho vá deixar o complexo de favelas. Mas o fato é que o tema agora também será discutido em Brasília: o consórcio de poder, formado pelo STF e pelo PT, se recusa a chamar os narcotraficantes que transformaram o Rio na Faixa de Gaza de terroristas — para eles e a maioria dos comentaristas de TV, os verdadeiros terroristas estavam na Esplanada dos Ministérios, no dia 8 de janeiro, e seguem presos. 

A Lei Antiterrorismo brasileira é frouxa porque foi aprovada às pressas, em 2016, por pressão de delegações estrangeiras que participaram das Olimpíadas. Mas o enquadramento das facções brasileiras em crimes de terrorismo, como os Estados Unidos querem, poderia abrir portas para mobilização internacional, como o presidente Donald Trump tem feito com a Venezuela e a Colômbia.

Lula já respondeu a essa questão. Disse que não topa. Diante disso, resta uma pergunta: de que lado Lula está nessa guerra?

Sílvio Navarro - Revista Oeste