quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O histórico discurso de JD Vance em Munique: lições para o Brasil

 

Vice-presidente JD Vance: recado a líderes europeus em discurso. (Foto: Shawn Thew/EPA/ EFE/POOL)


O discurso proferido pelo vice-presidente dos Estados Unidos, JD Vance na Conferência de Segurança de Munique, em 14 de fevereiro, reverberou por todo o mundo ao lançar um olhar crítico sobre o estado das liberdades civis no mundo, desafiando percepções e políticas estabelecidas.

Sua fala – tornada histórica no momento em que foi concluída, será, possivelmente, conhecida como “’The threat from within’ speech” ou “’There’s a new sheriff in town’ speech” – que abordou desde a relação entre segurança e liberdade até as tensões geopolíticas que moldam os direitos individuais, gerou debates acalorados e reacendeu discussões cruciais sobre o futuro das liberdades civis no cenário global. Em um contexto no qual países como o Brasil enfrentam desafios relacionados ao autoritarismo, à perseguição política e à restrição de liberdades, o discurso ganha ainda mais relevância.

A histórica alocução de JD Vance decorre da ousadia, jamais entretida por vice-presidentes ou presidentes dos EUA, de transmitir uma mensagem ao mesmo tempo verdadeira e brutal: a de que a liberdade europeia e os princípios básicos sobre os quais se ergueu o liberalismo estão morrendo, sacrificados no altar do politicamente correto, e que não são Putin nem os russos os responsáveis por matá-los, e sim uma burocracia não-eleita, liberticida e globalista, para quem uma suposta defesa da democracia justifica a supressão dos direitos individuais: “Não podemos falar de liberdades civis em um vácuo. A segurança de nossas nações, a integridade de nossas fronteiras e a estabilidade de nossas comunidades são os alicerces sobre os quais os direitos individuais podem florescer," declarou.

Foi de particular significado que Vance tenha se referido ao triste espetáculo das eleições na Romênia, em dezembro de 2024, onde autoridades eleitorais locais apoiadas por Bruxelas, a “capital da União Europeia”, cancelaram o resultado do pleito pela única razão de que fora eleito um líder conservador, Calin Georgescu. Talvez, quem sabe, isso guarde alguma relação com a perseguição sofrida por parlamentares de direita no Brasil, os quais têm tido seus direitos políticos – e até seus mandatos – cassados por burocracias não eleitas, ao arrepio da lei, enquanto outros, também da direita, se veem atacados e ameaçados de persecução penal simplesmente por exercerem, de maneira absolutamente constitucional, o papel para o qual foram eleitos.

Outra ideia-força que o vice-presidente anunciou foi a de que agentes políticos eleitos têm obrigações para com seus eleitores, e suas determinações devem prevalecer sobre aquelas de burocratas não-eleitos, sejam eles civis ou militares, magistrados ou não. Isso significa a supremacia da legitimidade do voto popular, razão pela qual um Congresso não pode ficar docilmente submisso às ordens ilegais emanadas de autoridades judiciárias, ainda que travestidas de certo verniz de legalidade, sendo imperativo utilizar todos os instrumentos políticos e jurídicos à disposição para restabelecer um mínimo de equilíbrio e igualdade.

A plateia eurocrata e os anfitriões alemães decerto esperavam que o vice-presidente abordasse, numa conferência sobre segurança, o que a elite globalista infere ser o principal desafio securitário europeu: a Rússia e a guerra na Ucrânia. JD Vance, contudo, não dourou a pílula e afirmou, categoricamente, que a ameaça primordial à liberdade da Europa vem da censura à livre expressão, da supressão aos direitos civis e da inobservância, sobretudo por burocratas não-eleitos, da vontade soberana das populações europeias manifestadas nas urnas. Conviria, portanto, que os europeus refletissem sobre seu papel na OTAN, e que recursos empregados na ampliação da máquina censora da eurocracia de Bruxelas poderiam ser utilizados de maneira mais eficiente no desenvolvimento de meios e capacidades militares visando a conter a ameaça de Moscou.

Há, como disse Vance, “um novo xerife na cidade, e o vice-presidente deixou bem claro que o governo Trump não irá condescender com posturas liberticidas. O principal compromisso do governo Trump, asseverou o vice-presidente, é com os valores da liberdade. Teceu, ainda, crítica acerba ao governo de Joe Biden: “Assim como o governo Biden parecia desesperado para silenciar as pessoas que expressavam sua opinião, o governo Trump vai fazer exatamente o contrário."

A audiência de JD Vance em Munique possivelmente esperava que seu discurso anunciasse o desengajamento dos Estados Unidos do conflito na Ucrânia, já que, poucos dias antes, o secretário de Defesa Peter Hegseth afirmara que “não haverá soldados americanos na Ucrânia”, e que aos EUA interessa a conclusão de uma paz negociada entre Rússia e Ucrânia, tendo ficado subjacente, ainda, que não será possível restaurar o status quo que vigorou até fevereiro de 2014, quando o exército russo invadiu – e subsequentemente anexou – a península da Crimeia. Nesse aspecto, não houve surpresa: Vance simplesmente reformulou o que Hegseth dissera dias antes.

A mídia tradicional em quase todo o mundo subscreveu entendimento segundo o qual a alocução de Vance foi bem recebida por Vladimir Putin e seu entourage, mormente por ela ter reiterado o que o secretário Hegseth dissera dias antes sobre o interesse dos Estados Unidos em uma negociação capaz de por fim à guerra na Ucrânia. No Brasil, contudo, a leitura prevalente na mídia tradicional foi a de que o discurso de Vance teria significado, em linhas gerais, violação da soberania de países europeus.

Trata-se de uma ideia geral rasa, pois não leva em conta o fato de que quem paga a conta tem e deve ter o direito de avaliar princípios fundamentais da liberdade humana, o que adquire um significado especial quando se considera que os EUA respondem por cerca de 22% do orçamento da OTAN e aproximadamente 65% da capacidade operacional de combate da aliança.

Os “analistas” tupiniquins, mui convenientemente, esqueceram de mencionar que o “j’accuse” de Vance contra a censura e a supressão das liberdades civis, conquanto tenha sido proferido por ocasião de uma conferência securitária na Europa, tem efeitos erga omnes e, hora mais, hora menos, chegará o momento do acerto de contas do consórcio liberticida que ora governa o Brasil com as novas determinações da política externa dos EUA. Que seja um breve acerto de contas, e que o Brasil se livre, nas eleições presidenciais de outubro de 2026, do incompetente e irresponsável antipatriota que atualmente ocupa a cadeira, enquanto assiste – e trabalha para – a erosão da democracia, a piora da economia, a deterioração da qualidade de vida do cidadão e o esgarçamento do tecido social.

Marcos Degaut é Doutor em Segurança Internacional, ex-Secretário Especial Adjunto de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e ex-Secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.


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Marcos Degaut - Gazeta do Povo