sábado, 25 de novembro de 2023

'O triunfo da mulher média: por que Taylor Swift causa toda essa comoção?', por Kayla Bartsch, National Review

 

A cantora americana Taylor Swift está no Brasil para shows de sua “The Eras Tour”| Foto: Divulgação


Taylor Swift é uma filósofa. Sua ascensão meteórica a superestrela do pop não é ao acaso – ela aconteceu por sua habilidade incomparável em capturar (e até construir) a essência da mulher moderna. A cantora não tem interesse em criar frases shakespearianas ou épicos miltonianos. Taylor apenas busca colocar em palavras a experiência de uma mulher média pela visão de uma mulher média. Mas não é um fato pequeno que ela esteja realizando sua The Eras Tour, turnê que chegou ao Brasil neste mês, com apenas 33 anos. Sou uma admiradora. Confesso que assisti em maio ao show chuvoso dela na cidade de Foxborough, em Massachusetts. Foi inspirador. Esse tipo de setlist – que cobre o trabalho da artista em toda sua carreira – é normalmente reservado para ícones de cabelos grisalhos, como é o caso da atual turnê de Bruce Springsteen, adiada por conta de uma úlcera péptica. É nisso que reside o grande gênio de Taylor Swift: como ela começou a fazer música tão jovem, lançando seu primeiro álbum aos 16 anos, seus maiores fãs cresceram ao lado dela. Mulheres de todos os lugares, especialmente entre as idades de 16 e 35 anos, usaram Taylor Swift como uma hermenêutica primária para processar sua própria existência à medida que passam da infância à idade adulta.

Durante o processo de entrada na idade adulta – ou seja, atingindo a plena capacidade da própria mente – há uma constante avaliação do mundo e do que constitui a realidade. Para um exemplo rápido: pense na diferença entre o relacionamento de uma filha com os pais quando ela é criança, depois adolescente e depois adulta. A filha passa a ver os pais – que permanecem os mesmos – como amigos sábios, em vez de fontes infalíveis de autoridade. A realidade não muda, mas a percepção que a filha tem deles, sim. Ou, para dar outro exemplo: pense na maneira como a compreensão do amor muda entre a da menina emudecida durante a primeira e desajeitada declaração de paixão mútua no ensino médio e a da mulher professando o amor nos votos em um altar. Este é o tipo de reflexão pelo qual Taylor passa cada vez que lança um novo álbum, ou seja, uma nova versão de si mesma. Ela faz um balanço de tudo o que aprendeu e experimentou até aquele momento em sua vida e reavalia tudo (e então compartilha sua visão de mundo recém-adquirida com as massas, com músicas cativantes).

Percebi que a evolução contínua e cronológica da percepção de mundo de Taylor lembra bastante o caminho de um calouro fazendo um curso introdutório de pesquisa de filosofia. No início da carreira da cantora – quando até os críticos mais severos a consideravam irrepreensível e doce –, ela acredita que o mundo é bom e coerente. Como o antigo filósofo e pai do idealismo, Platão, Taylor acredita no bem objetivo e pensa que o mundo está de acordo com as formas celestiais.

Podemos chamar essa de sua era idealista. O período é marcado por seus três primeiros álbuns: Taylor Swift (2006), Fearless (2008) e Speak Now (2010). Sua música desta época não desafiava convenções, sistemas ou estereótipos. Em vez disso, narrava em grande parte suas experiências puras e femininas no mundo. Ela é apenas uma adolescente, aprendendo pela primeira vez o que significa gostar de meninos e tentando descobrir seu propósito na vida.

Resumindo, durante esta época, Taylor acreditava que o Bem estava lá fora. Veja, por exemplo, a letra de Teardrops on My Guitar, de 2006:


He’s the reason for the teardrops on my guitar


(Ele é o motivo das lágrimas em meu violão)


The only thing that keeps me wishing on a wishing star


(A única coisa que me mantém fazendo pedidos a uma estrela cadente)


He’s the song in the car I keep singing, don’t know why I do


(Ele é a canção no carro que sigo cantando, não sei por que faço isso)


Este tipo de desejo idealista por um amor puro também é evidente em Love Story, de 2008:


Romeo, take me somewhere we can be alone


(Romeo, leve-me a algum lugar em que possamos ficar sozinhos)


I’ll be waiting, all there’s left to do is run


(Eu estarei esperando, a única coisa que resta fazer é correr)


You’ll be the prince and I’ll be the princess


(Você será o príncipe e eu a princesa)


It’s a love story, baby, just say “Yes”


(É uma história de amor, querido, apenas diga “sim”)



Taylor ainda não via o mundo como algo corrompido e opressivo. Acreditava em contos de fadas e achava que o garoto do corredor poderia ser seu "Príncipe Encantado". É claro que tudo isso muda na sequência.

A próxima era de Taylor começa com Red (2012), cuja capa do álbum sinaliza a mudança em sua visão de mundo. Em seus três primeiros álbuns, ela enfeitava a capa com vestidos esvoaçantes, cabelos cacheados e uma aura categoricamente feminina. Em Red, seu cabelo aparece liso, seus olhos são sombreados por um chapéu de feltro e seus lábios são pintados de vermelho. Sua aparência mais ousada aponta que ela se tornou cética em relação aos contos de fadas que esperava nos três primeiros álbuns, como claramente demonstrado em canções como Enchanted e Love Story. A partir de Red, parece que a cantora leu a Primeira Meditação de Descartes. Ela começa a questionar o que lhe foi dito e o que ela considerou bom e verdadeiro até então.

Vamos chamar essa de sua era moderna. É um momento de exploração, experimentação e subjetividade. A letra da música 22 captura esse estado:


We’re happy and free and confused and lonely at the same time


(Estamos felizes e livres e confusos e solitários ao mesmo tempo)



Ela está vivenciando uma variedade de emoções que não se enquadram nas categorias que recebeu quando era uma garota no colegial. O mundo é maior e mais complicado do que ela pensava, e ela é uma pessoa solitária que busca entendê-lo.

O período moderno continua até seu álbum 1989 (2014). Sua noção idealizada de amor se foi – chega de sinos de casamento, vestidos de princesa e desejos na janela; ela agora prefere obter dados embarcando em novas experiências com homens. A música Blank Space, de 2014, exibe esse novo modelo de comportamento:


So hey, let’s be friends


(Então, vamos ser amigos)


I’m dying to see how this one ends


(Estou louca para ver como isso terminará)


Grab your passport and my hand 


(Pega seu passaporte e minha mão)


I can make the bad guys good for a weekend


(Eu posso fazer os malvadões serem bons por um fim de semana)



É na era moderna que ela, publicamente, namora vários caras diferentes e tenta descobrir o que é o amor. Durante esse período, Taylor recebe muita cobertura negativa da imprensa por essas aventuras.

Todas essas críticas a ajudam a lançar sua próxima era, que começa com Reputation (2017). Quando o disco chegou ao mercado, após hiato de três anos, muitas mães religiosas questionaram se suas filhas deveriam ouvir Taylor Swift (que antes parecia tão sem problemas!). Com cores de aço e estética de serpentes, a cantora se torna claramente consciente de que está trocando a velha pele, a velha ingenuidade. A música Look What You Made Me Do não deixa dúvidas. No videoclipe, a nova Taylor fala em um telefone antigo: “Desculpe, a velha Taylor não pode atender o telefone agora. Por que? Ah, porque ela está morta.” Claramente, Swift leu sobre a Genealogia da Moral, de Nietzsche, antes de gravar Reputation – chamarei essa de sua era pós-moderna. Ela rejeita com ironia e vigor tudo o que lhe foi dito sobre o mundo. Seu inimigo? Sociedade. A reputação cospe na cara do que a sociedade pensa dela. Seu próprio poder, determinação e força de vontade são seus novos padrões de ação. Swift se declarou uma Übermensch de Nietzsche.

Enquanto a sua era pós-moderna foi em grande parte destrutiva, derrubando os padrões que eram esperados dela, a sua próxima era é, em grande parte, construtiva. Como tal, chamarei essa sua era construcionista. Começando com o lançamento de Lover (2019) e continuando até o presente, Taylor se tornou autora de seu próprio mundo. Sua música ME! é um aceno atrevido para tal autoafirmação:


Me-e-e (yeah), ooh-ooh-ooh-ooh


(E-u)


I’m the only one of me


(Eu sou a única como eu)


Baby, that’s the fun of me


(Querido, essa é a minha graça)



Já a música The Man revela que ela leu O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir:


I’m so sick of them coming at me again


(Estou tão enojada com eles correndo atrás de mim de novo)


‘Cause if I was a man


(Porque se eu fosse um homem)


Then I’d be the man


(Aí eu seria o cara)


Taylor condensa a tese de Beauvoir: Há um grupo maligno que oprime as mulheres, e o sucesso seria concedido às mulheres muito mais rapidamente se fossem tratadas como homens. Swift refere-se novamente às teorias do construcionismo social em Lavender Haze, do disco Midnights (2022). Tenho certeza de que A Mística Feminina, de Betty Friedan, foi uma fonte de inspiração:


I feel the lavender haze creepin’ up on me


(Eu sinto a névoa do amor me envolvendo)


Surreal, I’m damned if I do give a damn what people say


(Surreal, estou ferrada se me importar com o que as pessoas dizem)


No deal, the 1950s shit they want from me


(Não concordo, essa porcaria estilo anos 50 que eles querem de mim)


I just wanna stay in that lavender haze


(Eu só quero permanecer nessa névoa de amor)



Em sua era construcionista, Taylor literalmente tomou propriedade de si mesma e de seu trabalho. Em 2019, mesmo ano do lançamento de Lover, a cantora anunciou que regravaria todos os seus álbuns anteriores. Essa mudança corajosa e sem precedentes ocorreu depois que seu contrato expirou em 2018 e ela foi impedida de comprar os direitos de suas próprias gravações.

Folklore e Evermore (ambos de 2020) são álbuns em grande parte fantásticos de sua era construcionista. Escrevendo com sua “caneta bico de pena”, Taylor sonha mundos e personagens que preenchem as páginas metafóricas desses dois projetos. Apesar do estilo alternativo, esses álbuns ainda apresentam o elemento de autoafirmação – ao criar mundos de fantasia, ela se manifesta como autora da realidade.

Em suma, seus álbuns oferecem uma porta de entrada única para a psique da mulher do século XXI. Seu grande talento não reside em seus vocais, em tocar guitarra ou em movimentos de dança (embora estes certamente não sejam ruins), mas em sua capacidade de criar e recriar os paradigmas experienciais que todos habitamos, conscientemente ou não.

Este é o mundo de Taylor Swift; e estamos todos vivendo nele.


https://www.gazetadopovo.com.br/cultura/o-triunfo-da-mulher-media-por-que-taylor-swift-causa-toda-essa-comocao/


Kayla Bartsch, National Review

Gazeta do Povo