Flávio Dino, ministro da Justiça, em março de 2023.| Foto: EFE/ Isaac Fontana
Ao associar a escalada da violência na Bahia ao aumento do armamento no estado, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, desinforma sobre os reais motivos que levaram essa unidade da federação a registrar 46 mortes em confrontos com a polícia em setembro. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo relatam que a guerra entre facções criminosas no estado é o principal fator do conflito e não a política de armamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Infelizmente, as organizações criminosas se fortaleceram muito nos últimos anos, aumentaram o acesso às armas em todo o Brasil, por conta de uma política errada que havia no nosso país”, disse Dino neste domingo (24). Apesar do número de mortes, ele descartou a possibilidade de uma intervenção federal na Bahia.
Os dados sobre armamento e violência não seguem a lógica citada pelo ministro e possuem comportamentos variados. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o estado de São Paulo, entre 2019 e 2022, foi o estado que mais pediu licença para armamento, com 175 mil registros. Por outro lado, essa foi a unidade da federação que teve as menores taxas de violência letal em 2022, com 8,4 mortes por 100 mil habitantes.
No caso da Bahia, de acordo com estudo realizado pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, o estado aparece em 12.° lugar dentre as 27 unidades da federação, somando 21.010 registros de armas durante o mandato de Bolsonaro. Por outro lado, o estado possui a segunda maior taxa de mortes violentas em 2022, com 47,1 homicídios por 100 mil habitantes. O número representa quase 7 mil assassinatos.
A afirmação de Dino também vai contra a declaração do próprio secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, que é delegado da Polícia Federal. No início deste mês, Warner afirmou que a guerra entre facções é a principal responsável pela violência no estado.
"A guerra de facções é o principal responsável pela criminalidade, pela violência em nosso estado [Bahia], e, por isso mesmo, nós temos realizado ações cirúrgicas e pontuais, reforçando o policiamento, a inteligência, e os meios para cada vez mais inibir ações como essa, que é a política do terror que eles querem implementar no nosso estado", disse Werner.
De acordo com o presidente da Associação dos Oficiais Militares Estaduais da Bahia - Força Invicta, Igor Carvalho Rocha, o aumento no número de armas, como argumentou Dino, não explica o aumento da violência no estado.
“É uma hipótese que não é válida porque isso era uma política nacional. Não vemos essa situação em outros estados, como estamos vendo na Bahia. Precisamos considerar outras variáveis. Eu vejo a questão da criminalidade dentro de uma perspectiva econômica. Há uma disputa de mercado [entre as facções] e estamos fazendo esse enfrentamento”, disse Rocha.
Ele acrescentou que também existem os "efeitos colaterais" do enfrentamento às facções, que não se resumem às prisões de criminosos. "O que ocorre agora [na Bahia] tem correlação com o que aconteceu em outros estados. Alguns grupos que atuaram em outros estados estão ligados", afirmou o presidente da associação.
Para o cientista político José Maria Nóbrega, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência, da Criminalidade e da Qualidade Democrática da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), os dados contrariam a fala de Dino.
“No Brasil inteiro, a correlação que se tem é inversa do que ele disse. Enquanto [houve] a flexibilização, o acesso a armas de fogo cresceu exponencialmente, e a violência decresceu. Na Bahia, inclusive, entre 2017 e 2022, houve uma pequena queda. Isso não foi provocado pela flexibilização da arma de fogo, mas pela política nacional de apreensão de tráfico de drogas”, disse o professor.
Nóbrega também apontou outro elemento que ajuda a explicar a situação atual. “A Bahia é o estado que menos investe na região Nordeste em segurança pública. O que se tem é uma política equivocada que diminui a ação do Estado, principalmente na redução do tráfico. A polícia que mais mata no Brasil é a da Bahia, não em confronto com o tráfico de drogas para acabar com o tráfico, mas em disputa com o tráfico. Tem que se investigar por que essa polícia está matando tanto”, afirmou o cientista político.
A Bahia tem sido governada por sucessivas gestões do Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2007. Foram duas administrações de Jacques Wagner (2007-2014), dois governos de Rui Costa (2015-2022), e atualmente o cargo é ocupado por Jerônimo Rodrigues (2023-2026).
TCE aponta falta de investimento do governo da Bahia em segurança pública
Segundo auditoria do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), o governo do estado investiu menos no orçamento destinado à segurança pública, apesar de ter havido aumento na receita. A análise feita pelo órgão diz respeito ao período entre 2016 e 2022 – quando a Bahia era governada por Rui Costa (PT), atual ministro-chefe da Casa Civil no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O TCE comparou os valores totais de receita do estado – destinado a todas as pastas do governo, incluindo Saúde e Educação –, com o montante destinado apenas à Segurança Pública. Em 2016, o investimento era de 16,77% da receita total, o que representa aproximadamente R$ 4.8 bilhões dos R$ 28 bilhões arrecadados na época. Já em 2022, a verba ficou em 8,66%, o que representa os mesmos R$ 4.8 bilhões de um orçamento de cerca de R$ 55 bilhões.
Em resposta enviada ao portal g1, o governo da Bahia alegou que aumentou investimentos em 58% e que a comparação feita pelo TCE é “desproporcional”.
"Comparar os recursos destinados à Segurança Pública com o total da receita corrente líquida do Estado não é o critério mais adequado para se avaliar a importância conferida à área pelo governo baiano, já que podem ocorrer distorções em função da variedade de fontes destas receitas, incluindo eventuais valores extraordinários", disse o governo da Bahia em nota.
Vinícius Sales, Gazeta do Povo