Edimilson Migowski, professor de infectologia pediátrica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia de Ciências Farmacêuticas do Brasil | Foto: Divulgação
O professor da UFRJ Edimilson Migowski sofreu boicotes ao usar a nitazoxanida no tratamento de pacientes com covid-19
Desde que a disseminação do coronavírus atingiu escala global, os centros avançados da medicina e da pesquisa mundial se mobilizaram para produzir uma vacina capaz de imunizar a população. Em paralelo, muitos medicamentos foram testados no tratamento da covid-19. Como iniciar uma pesquisa para criar uma medicação do zero é muito demorado e custoso, os médicos e os cientistas partiram para testar remédios aplicados para outras doenças, mas que já se mostravam seguros e eram usados em larga escala no mundo. Foi o caso da ivermectina e da nitazoxanida, ambos vermífugos utilizados, originalmente, no tratamento de parasitoses intestinais.
Ao observar os resultados de um estudo realizado com a nitazoxanida no tratamento da hepatite C, o professor de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Edimilson Migowski resolveu testar a droga no combate a outros vírus, como dengue e febre amarela. As pesquisas mostraram que a medicação era capaz de reduzir a replicação viral no organismo. Quando começou a pandemia, por semelhança, Migowski resolveu testar a nitazoxanida no combate à covid-19, “tendo em vista a inexistência de um fármaco licenciado para esse fim, observando que o produto era seguro, bem conhecido e barato”.
Migowski foi o principal responsável por estabelecer uma parceria com a prefeitura de Volta Redonda, cidade do interior do Rio de Janeiro, a cerca de 90 quilômetros da capital, e implantar uma central de atendimento de covid-19. “Em 2020, o Ministério Público queria fechar a cidade toda por conta da pandemia”, disse. “Fui até o prefeito, apresentei estudos, expliquei a possibilidade de tratamento com a nitazoxanida para pacientes com covid-19 e propus uma campanha para estimular a população a buscar atendimento médico imediato no aparecimento dos primeiros sintomas.” Migowski tratou mais de 600 pacientes usando a nitazoxanida. “Nesse grupo, registramos duas internações em enfermaria e zero morte.”
No mês passado, Migowski foi homenageado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro com a maior honraria do Estado, a Medalha Tiradentes, em reconhecimento ao “desempenho do nobre homenageado em razão de seu profissionalismo, brilhantismo e seriedade, por anos de dedicação à medicina”.
O médico, que também é membro da Academia Ciências Farmacêuticas do Brasil, conta que sofreu boicote de colegas de trabalho e da universidade em que trabalha, e critica as vacinas contra covid que estão no mercado, sem atualização para combater as novas cepas do vírus: “Não sou antivacina, sou contra essas vacinas neste momento”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como o senhor descobriu a nitazoxanida para o tratamento da covid-19?
Entre os anos de 2009 e 2010, foi realizado um estudo com a nitazoxanida em pacientes com hepatite C crônica. Foram feitos testes com resultados interessantes. Só que logo em seguida veio uma droga melhor do que a nitazoxanida no tratamento da doença. Quando observei os resultados com o vírus da hepatite C, que é da mesma família da febre amarela, dengue (flavivírus), pensei: se funciona de alguma forma com a hepatite C, é possível que funcione com outros vírus. Fizemos testes em cultivo celular para dengue e febre amarela e conseguimos bons resultados. Obtivemos inibição de 92% da replicação viral do vírus da dengue e 96% de inibição do vírus da febre amarela. Em 2013, apresentamos esse trabalho em um congresso nos Estados Unidos, e, em seguida, começaram a pipocar publicações da nitazoxanida com outros vírus, como a zika, a chikungunya, a influenza e inclusive o coronavírus. Quando surgiu o novo coronavírus, tendo em vista a inexistência de um fármaco licenciado para esse fim, observando que o produto era seguro, bem conhecido e barato, iniciei o tratamento da covid-19.
Qual a indicação original para o uso da nitazoxanida ?
A nitazoxanida é um vermífugo utilizado no tratamento de parasitoses intestinais, como as causadas por giárdia e amebas. Depois, indicou-se em bula uma ação antiviral para o tratamento de norovírus e rotavírus, que causam diarreia, vômito e febre. Quando a mídia falava em antiparasitário, no sentido pejorativo, eles não contemplavam a ação viral que já constava na bula da medicação.
Como funciona a medicação no combate à covid-19?
Em linhas gerais, o medicamento, ao entrar na célula, diminui a produção de energia celular. Uma célula infectada só vai ter competência para produzir vírus se ela tiver energia. Se baixar a energia da célula, ela consequentemente produzirá menos vírus. Ou seja, o objetivo é reduzir a replicação viral no organismo. Além disso, o uso da medicação também estimula a produção de interferon, que é um grupo de proteínas com propriedade antiviral fabricadas de forma natural pelo corpo humano, reduzindo a chamada tempestade inflamatória no paciente e o agravamento da covid.
“Tomei a CoronaVac em fevereiro de 2021, tive covid em 2022. Não me venha com vacina desatualizada que não está protegendo contra a cepa atual”
A cidade de Volta Redonda assinou convênio com a UFRJ para tratamento de casos leves da covid-19. Como foi estabelecida essa parceria?
Em 2020, o Ministério Público queria fechar a cidade toda por conta da pandemia. Fui até o prefeito, Elderson Ferreira da Silva (PSC), apresentei estudos, expliquei a possibilidade de tratamento com a nitazoxanida para pacientes com covid-19 e propus uma campanha para estimular a população a buscar atendimento médico imediato no aparecimento dos primeiros sintomas. Os pacientes assinavam um termo de consentimento livre e esclarecido da conduta off label — ou seja, fora da bula. Também disse ao prefeito que, se um paciente que usasse a medicação do meu protocolo morresse ou ficasse em situação grave, ele não precisaria pagar o convênio. O combinado era que a prefeitura pagaria um valor pela capacitação dos médicos, orientação dos profissionais etc. Resultado: nenhum paciente do grupo que tratamos com a medicação morreu ou foi intubado. Mesmo assim, o convênio não foi pago.
Quais foram os resultados obtidos com essa parceria?
Tratamos 604 pacientes com meu protocolo. Todos com 40 anos ou mais e com doença de base. Em tese, nesse grupo de risco a letalidade da covid deveria ser maior, porque enviesamos a mostra, ao acompanhar casos de pacientes obesos, hipertensos, diabéticos. Nesse grupo, registramos duas internações em enfermaria e zero morte. E vão dizer que é coincidência? A pessoa não querer ver isso é maldade. Se deixasse seguir a história natural da doença, tomando por base os dados de Volta Redonda, em 604 pacientes eu teria, no mínimo, 24 óbitos, o que corresponde a 4% da letalidade registrada na cidade.
No final de 2020, o tratamento com a nitazoxanida foi suspenso em Volta Redonda. Por quê?
Em 2020, mudou o prefeito, que não honrou o compromisso do anterior, e suspendeu a medicação. Eu tinha conseguido doação da medicação de cerca de 2 mil tratamentos, ela nem sequer foi comprada pela prefeitura. Quando suspenderam a medicação, houve mais mortes no primeiro trimestre de 2021 do que em todo o ano de 2020. O que alegou o novo prefeito? Que a medicação não tinha comprovação científica, só tinha evidência clínica.
Durante a pandemia, o uso de medicações fora da bula, como a ivermectina, hidroxicloroquina e também a nitazoxanida, foi repudiado por boa parte da comunidade médica e também pela mídia, que demonizou o chamado “tratamento precoce”. O principal argumento para rejeitar o uso desses remédios era que não havia um estudo considerado padrão ouro da ciência para comprovar a eficácia deles no combate à covid-19. Se o estudo padrão ouro é tão relevante para a ciência, por que não foi feito até hoje?
É mais seguro saltar de um avião com ou sem paraquedas? Com. Mas isso não tem comprovação científica. Diante de tantas evidências clínicas, de dados de vários profissionais da saúde que atenderam pacientes com covid-19 usando essas medicações, você acha que eu vou fazer um estudo randomizado duplo-cego? [ No teste randomizado duplo-cego com grupo placebo, a administração do medicamento é aleatória, situação em que nem o paciente nem o pesquisador sabem o que está sendo administrado. Parte dos indivíduos testados recebe o medicamento e outra parte, apenas um placebo, como uma pílula de farinha] Vou colocar meu pai no grupo placebo? Nunca. Para responder à vaidade de meia dúzia de pessoas? Não é ético. Se fosse assim, precisaria reivindicar o mesmo grau de exigência para 90% da prática médica. Para tudo. E vamos parar de medicar com 90% dos remédios que usamos hoje no mercado. É preciso ser coerente. Se o que vale é apenas o grau de evidência 1A [ estudo duplo-cego, conhecido como “padrão ouro”], vamos parar de fazer qualquer coisa que não seja isso. Qual é o antitérmico prescrito em pacientes com dengue? Paracetamol. Qual você não toma? Ácido acetilsalicílico. Baseado em quê? Não há estudo clínico. Na pandemia, houve diferentes tipos de análises de acordo com interesses. No caso da vacina, não se fez isso. Por que o grau de exigência da vacina contra covid é um e do medicamento é outro? Foi feita uma lavagem cerebral na nossa cabeça. As pessoas que não usaram a medicação não quiseram enxergar os fatos. E vão ter de pagar por isso. Deito no meu travesseiro e durmo tranquilo.
“As pessoas que trataram com ivermectina, nitazoxanida tiveram sucesso enorme, enquanto os médicos que esperaram a situação do paciente se agravar deveriam responder por crime contra a humanidade”
Por que o senhor acredita que houve tanta resistência no uso dessas medicações?
Pesquisadores começaram a fazer testes com a nitazoxanida em pacientes graves, internados. É como eu colocar colete à prova de bala em paciente já baleado. Não adianta. A ideia é tomar a medicação no início, porque, assim, diminui a replicação viral, reduzindo a gravidade da doença. Ou seja, seguindo a analogia, tomar a medicação de maneira precoce é como colocar o colete à prova de balas ao ouvir o primeiro tiro. A maldade foi que fizeram desenhos metodológicos falhos justamente para descartar a medicação. A questão foi muito politizada. Por trás de tudo, havia um grande interesse econômico. Se fosse comprovado que um fármaco era seguro e eficaz contra determinada doença, não justificaria, perante a Anvisa, pleitear um registro em caráter emergencial. A Anvisa só registra um produto em caráter emergencial se não houver alternativa terapêutica ou preventiva para aquela doença. Até hoje o estudo da fase 3 da vacina CoronaVac não foi publicado em revista científica. E as pessoas continuam dizendo que quem defende a medicação é negacionista, terraplanista, enquanto quem defende a vacina acredita na ciência.
O senhor defende a vacinação contra a covid-19?
Defendo a vacinação, tenho dois livros publicados sobre vacinas, fui professor de uma matéria sobre vacinas por décadas na UFRJ. Não sou antivacina, sou contra essas vacinas contra covid neste momento. Tomo vacina contra gripe todo ano, mas tomei a vacina atualizada, da cepa 2022. E mais, sempre fui sommelier de vacinas. Nada mais injusto do que defender com igualdade vacinas desiguais. Veja o caso da vacina contra a poliomielite. O Brasil usou por muitos anos a vacina da pólio via oral, a gotinha. De um tempo para cá, tendo em vista que ela poderia causar uma paralisia pós-vacinal, foi substituída pela injetável. Era um episódio muito raro, mas quando se tem uma realidade epidemiológica em que não há mais circulação do vírus selvagem, não se justifica correr o risco com a vacina. A pólio oral foi abandonada no Brasil, mas continua sendo utilizada na África e na Índia, onde o vírus selvagem circula, e é a mais indicada nesses casos. É o tempo todo gerenciando risco-benefício. Não dá para eu me calar. Tomei a CoronaVac em fevereiro de 2021, tive covid em 2022. Não me venha com vacina desatualizada que não está protegendo contra a cepa atual. E agora essa história de dose a cada quatro meses?
Por que não são desenvolvidas vacinas atualizadas contra a covid-19?
Não é só atualizar a fórmula. Fazer estudo clínico é caro. E quando se tem uma vacina com registro provisório sendo utilizada, não se justifica uma outra vacina com registro provisório. Eles terão de cumprir todos os ritos para o licenciamento de uma vacina, realizar a fase pré-clínica, as fases clínicas, recrutar voluntários, não é barato. Então, se porventura surgisse uma medicação licenciada para esse fim, acabaria o licenciamento emergencial. Todo o boicote foi feito nesse sentido. Uma coisa orquestrada.
Na contramão de parte da comunidade médica, o senhor defendeu o uso de uma medicação off-label para tratar a covid-19. Como foi a experiência?
Foi horrível, houve muita retaliação. Tratei as pessoas de graça, não tenho clínica privada, não posso dar plantão, sou professor com dedicação exclusiva na UFRJ. Recebi denúncia do Conselho Regional de Medicina. Na UFRJ, desempenhava o cargo de diretor de Relações Externas da universidade e me reportava direto à reitoria. Durante a pandemia, em razão do meu trabalho com a nitazoxanida, me devolveram para o Departamento de Pediatria para fazer coisas que já fazia 20 anos atrás. Na Rede Globo, por exemplo, cheguei a contabilizar mais de mil entrevistas para a emissora. Era uma pessoa de referência da TV Globo. A partir do momento que passei a defender a medicação imediata, fui rotulado de médico charlatão pop star onde eu prescrevia medicamentos sem comprovação científica. Nada melhor do que o tempo para mostrar quem estava do lado bom da força. As pessoas que trataram com ivermectina, nitazoxanida tiveram sucesso enorme, enquanto os médicos que esperaram a situação do paciente se agravar deveriam responder por crime contra a humanidade.
Leia também “Mauro Ribeiro: ‘Estão tentando nos calar'”
Paula Leal, Revista Oeste