sábado, 26 de fevereiro de 2022

'Ucrânia: capitulação ou resistência?', por Luis Kawaguti

 Ações da Rússia sinalizam tentativa de instaurar novo governo


O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky | Foto: Reprodução/Flickr
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky | Foto: Reprodução/Flickr

VARSÓVIA – A ação militar da Rússia de bombardear e depois enviar tropas para um ataque com a finalidade de tomar a capital ucraniana, Kiev, apontam para uma possível tentativa de instaurar um novo governo no país — dessa vez leal a Moscou. Restam ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, as opções de capitular para evitar um banho de sangue ou tentar uma longa guerra de resistência.

A Ucrânia já estava em guerra com rebeldes separatistas nas regiões orientais de Donetsk e Luhansky desde 2014. Mas, na quarta-feira 23, o cenário se transformou em guerra total entre Estados, com a invasão da Rússia na Ucrânia.

Paraquedistas russos foram lançados à frente de batalha para conquistar uma base aérea, que fica a 15 quilômetros ao norte da capital Kiev. Os ucranianos responderam com disparos de artilharia e ataques para retomar o local, mas não foi suficiente.

Os paraquedistas ainda controlam a base, que pode ser usada como ponto de partida para bombardear a capital mais intensamente. A maior parte das forças russas avançaram em colunas a partir do norte da Bielorrússia para o sul, a fim de se juntar aos paraquedistas — em uma manobra chamada de “cabeça de ponte”, no jargão militar.

Nessa marcha para a capital a partir da Bielorrússia, a cidade ucraniana de Chernihiv foi cercada. Na sexta-feira 25, soldados a pé e em veículos blindados foram vistos nas ruas da parte norte da capital. Eles, possivelmente, eram tropas de reconhecimento, que estão testando o nível de resistência e selecionando alvos para um ataque massivo posterior.

“Acho que está claro que o presidente Putin quer trocar o governo da Ucrânia”, afirmou Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, coronel da reserva e analista militar. “Esse ataque a Kiev caracteriza isso claramente.”

As tropas tentariam então prender ou assassinar o presidente Zelensky e colocariam em seu lugar um gestor que faria o papel de títere da Rússia. Zelensky, um presidente pró-Ocidente, vem afirmando em discursos televisivos que ele é o alvo número um de Putin e sua família, o alvo número dois.

Em paralelo às ações para a tomada de Kiev, navios de guerra e fuzileiros navais lançaram ataques em grandes cidades portuárias, como Odessa e Mariupol. Blindados e forças de infantaria avançaram da Crimea, em direção ao norte.

Esses movimentos podem indicar que a Rússia também manobra para tomar toda a faixa de terra ao sul do país, ligando a Moldávia ao território russo. Isso, no mínimo, deve privar a Ucrânia de uma saída para o mar.

Essas foram as principais ações militares relatadas até a sexta-feira 25, além de bombardeios em pelo menos dez cidades ocorridos ao longo da semana e tomada de posições estratégicas — como Chernobyl, cidade que abriga o sarcófago do reator nuclear que explodiu em 1986, sob domínio soviético, e ainda pode lançar radiação sobre a Europa se for atingido.

Qual é o resultado desejado por Putin na Ucrânia?

O cenário potencialmente mais mortífero é a ocupação do território ucraniano em sua totalidade. “Manter tropas de ocupação é complicado em pleno século 21″, disse Paulo Filho. Segundo ele, as sanções à Rússia tendem a aumentar e Putin vai perder a interlocução com o Ocidente.

Outro cenário possível é a Ucrânia se partir em dois, com um governo pró-Ocidente no oeste e um pró-Rússia no leste.  A divisão poderia ser o Rio Dnieper, obstáculo natural que quase corta o país ao meio.

“Putin já perdeu o que tinha a perder, não tem mais nada para negociar”, observou Paulo Filho. “Então, já que ele vai perder, por que se restringir à parte leste da Ucrânia?”

Capitulação ou luta?

Há outras opções. Segundo o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz (Podemos), para evitar um banho de sangue, Zelensky pode capitular e ceder a uma série de imposições russas.

Uma declaração do porta-voz russo Dmitry Peskov, na sexta-feira, vai nessa direção. Segundo ele, Moscou está pronta para negociar com Kiev na Bielorrússia os termos de um cessar-fogo. Ele teria como condição a desmilitarização da Ucrânia, que se tornaria um Estado neutro.

Santos Cruz já comandou a ONU em dois conflitos (Haiti e República Democrática do Congo) e foi adido militar na Rússia. Ele disse que o histórico dos povos eslavos aponta para o contrário: o da resistência heroica e possível aniquilação das forças e voluntários ucranianos.

Um indício disso é que Zelensky distribuiu submetralhadoras e fuzis para membros da população civil que se apresentaram como voluntários para ajudar o exército ucraniano a defender Kiev.

Uma campanha de resistência prolongada pode levar a Rússia a uma nova “guerra eterna”, termo que vem sendo usado para descrever as campanhas militares dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. Ou seja, combater Putin com ações de defesa até a ação militar perder apoio popular na Rússia. Mas o custo disso em vidas seria elevadíssimo.

O que o Ocidente poderia fazer para ajudar a Ucrânia?

Militarmente, os Estados Unidos e seus aliados europeus estão enviando armas pesadas de defesa — como lançadores de mísseis antiaéreos e anticarro. Embora não haja informações confirmadas por fontes isentas, ao menos seis aviões e um helicóptero russos foram abatidos com armamentos que têm essa finalidade.

Em paralelo, o Ocidente municia os ucranianos com informações de inteligência. Elas podem ir desde a movimentação das tropas russas no terreno ao inédito posicionamento do chefe do MI6 (serviço de inteligência britânico), Richard Moore, conhecido como “C”. Ele teria conseguido evitar a chamada operação de “bandeira falsa” — quando tropas russas atacam os próprios companheiros para culpar os ucranianos e justificar uma ação militar mais dura.

As potências ocidentais também estão colocando em prática uma série de sanções econômicas a bancos russos, a membros da oligarquia do país (como congelamento de recursos em bancos britânicos) e a autoridades envolvidas com a invasão. Uma das mais fortes foi a suspensão da homologação do gasoduto Nordstream 2 pela Alemanha. Mas, como todas as sanções, se por um lado ela evita que o governo russo obtenha mais recursos, por outro, torna o gás mais caro, afetando todo o continente.

As sanções, portanto, atingem tanto quem sanciona como quem é sancionado — o que faz com que muitos países ainda resistem a adotá-las. Um caso que se encaixa neste cenário é a ameaça de cortar a Rússia do sistema Swift, que permite transações bancárias internacionais. Se isso acontecer, todos os fornecedores russos podem “levar calote” e perderem mercado e capacidade de produção a longo prazo.

Putin parece ter previsto o cenário de sanções e vem mostrando capacidade de continuar com a ação, apesar delas.

Os Estados Unidos já afirmaram que não mandarão tropas para socorrer os ucranianos. O recado está nas entrelinhas: isso poderia deflagrar uma Terceira Guerra Mundial. Assim, na prática, a Ucrânia está sozinha militarmente e seu destino vai depender muito das opções que serão feitas nos próximos dias pelo presidente Zelensky. A pergunta que ele deve se fazer no campo militar é: capitulação ou resistência “heroica”?

Leia também: “A Ucrânia balança o mundo”, artigo publicado na Edição 101 da Revista Oeste

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