sexta-feira, 22 de outubro de 2021

'Muito além do mel', por Artur Piva

 

Abelha em plantação de café | Foto: Shutterstock


Outro item bastante rentável nessa cadeia produtiva é a própria abelha. Melhor: o aluguel de abelhas


Quando se pensa em abelhas, o primeiro produto que vem à mente é o mel. São cerca de 46 mil toneladas produzidas por ano, das quais quase 9 mil foram exportadas já em janeiro e fevereiro. Em seguida, o própolis, o pólen, o favo, a cera e, para aqueles mais familiarizados com o assunto, a geleia real. O que poucos sabem é que outro item bastante rentável nessa cadeia é a própria abelha. Melhor: o aluguel de abelhas.

Em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, um grupo de empreendedores percebeu a potencialidade desse mercado e desenvolveu um aplicativo que liga criadores de abelhas a outros proprietários rurais. Assim nasceu a AgroBee, startup conhecida como “Uber das Abelhas”. Entre outros serviços oferecidos está o de “polinização assistida”.

“Não é só colocar as colmeias de qualquer maneira”, explica Joice Almeida Dias, coordenadora do Departamento Técnico-Científico da empresa. “A gente vai até o local ante­s de fazer a instalação e avalia o entorno da lavoura, o comportamento do terreno. Analisamos características como idade, variedade e adensamento das plantas, além de quais espécies de abelhas são as mais abundantes na região para dar preferência a elas.”

Foi por meio da AgroBee que Leandro Bolonha, produtor de café em Franca, uma das maiores cidades do Estado de São Paulo, conheceu Marcelo Francisco Ribeiro, criador de abelhas em Jacuí, município de 7,6 mil habitantes de Minas Gerais. Para percorrer os 100 quilômetros que separam as duas cidades, as caixas com as colmeias foram colocadas na caçamba de uma caminhonete e envoltas numa lona.

A parceria pode gerar um aumento de até 20% da produção. Em vez de 60 sacas por hectare, Leandro espera colher 72 com a polinização. Na cotação atual, elas seriam vendidas por cerca de R$ 1,2 mil cada uma. Ou seja: caso a colheita na fazenda em Franca fosse hoje, ele ganharia R$ 14,4 mil a mais por hectare. Já o custo para contratar a AgroBee varia entre R$ 300 e R$ 1.000 por hectare.

Apenas 10% dos 2,5 milhões de colmeias brasileiras são alugadas

Pai de Leandro, José Bolonha confessa que ficou receoso quando escutou a ideia do filho. Ele temia que as abelhas fossem tão agressivas quanto as que fizeram com que a família encerrasse a produção de mel na década de 1960. “Elas eram tão bravas que uma vez tivemos de jogar fumaça na casa toda”, conta. A espécie escolhida para a polinização da Fazenda dos Bolonha foi a Scaptotrigona, conhecida como mandaguari. Ótima para o café arábica, ela faz parte do grupo das abelhas sem ferrão. São cerca de 400 espécies do tipo, 300 delas no Brasil.

Para determinar qual abelha será usada em cada local, a AgroBee leva em conta a possibilidade de utilizar espécies nativas, a disponibilidade de fornecedores e a segurança dos trabalhadores. No momento, a empresa tem cerca de 200 clientes espalhados por nove Estados: Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, estima que apenas 10% dos 2,5 milhões de colmeias brasileiras são alugadas. “As duas principais culturas que usam o aluguel de abelhas são a de maçã, no Sul, e a de melão, no Nordeste”, disse. “Recentemente, começou a locação para café e morango, além de outros cultivos menores, como kiwi, pêssego, pera e abóbora.” Nos Estados Unidos, o cenário é bem diferente. Por lá, só a produção de amêndoas utiliza 2 milhões de colônias alugadas e cerca de 70% dos apicultores são especialistas nesse tipo de serviço.

Segundo um relatório feito em 2019 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador, a agricultura brasileira tem um ganho anual de R$ 43 bilhões com a polinização feita por animais. O documento revela que 80% de todo esse trabalho é realizado pelas abelhas, alugadas ou não.

Para entrar nesse mercado, a AgroBee exige que o apicultor tenha suas colmeias registradas nos órgãos ambientais estaduais. O transporte de colônias não formalizadas gera multas pesadas. A startup tem hoje 60 mil colônias cadastradas.

Marcelo Francisco Ribeiro garante que o aluguel das abelhas compensa. “Para mim, a principal vantagem é que, além de as minhas abelhas serem alimentadas, eu recebo o dinheiro do aluguel e ainda fico com a produção delas”, revela o apicultor, que hoje tem a sua maior fonte de rendimento na venda de própolis.

Antes de entrar nesse mercado, Ribeiro trabalhava como padeiro e recebia um salário mínimo. Agora, cada quilo de própolis que produz lhe rende entre R$ 300 e R$ 600. “No começo, eu ia até as fazendas levar as abelhas a pé”, lembra Ribeiro. Agora, ele tem três carros para transportar suas mais de mil colmeias espalhadas por diversas plantações.

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Revista Oeste