sexta-feira, 22 de outubro de 2021

'Herdeiros de 1968', por Theodore Dalrymple

 

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

    Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes estão dizendo: 'Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que seja a nossa'


    Henry Ford, o grande industrialista, disse certa vez aos compradores de seus carros: “Vocês podem pedir a cor que quiserem, contanto que seja preto”. Cada vez mais, nas universidades do mundo ocidental, os estudantes estão dizendo: “Vocês podem ter a opinião que quiserem, contanto que seja a nossa”. E esse comportamento está rapidamente se espalhando do campus para o restante da sociedade.

    O Massachusetts Institute of Technology retirou recentemente o convite ao professor Dorian Abbot, da Universidade de Chicago, para uma palestra pública sobre os desenvolvimentos na ciência climática, assunto em que ele é um especialista reconhecido. Houve protestos no Twitter contra o convite, e o MIT, com a covardice que infelizmente passou a ser previsível entre as autoridades universitárias, cedeu aos manifestantes.

    A razão para as queixas ao convite foi um artigo que o professor Abbot publicou questionando a sabedoria das cotas raciais na seleção de estudantes para as universidades: ou seja, ele era contra a discriminação positiva.

    Existem argumentos razoáveis em favor da discriminação positiva. Não é totalmente descabido imaginar que, se um inscrito foi bem nos exames apesar de ter uma origem menos favorecida, ele pode ser tão capaz e com certeza tão determinado quanto alguém que foi melhor nos mesmos exames, mas tem uma origem mais privilegiada.

    Mas também existem argumentos razoáveis contra as políticas de discriminação positiva, entre os quais está o fato de que os beneficiários dessa discriminação nunca saberão se seu sucesso subsequente foi resultado de seus próprios esforços sem ajuda ou se foi um ato um tanto condescendente de caridade: e isso pode gerar um ressentimento permanente. A discriminação positiva é inerentemente injusta, uma vez que não pode haver discriminação positiva sem uma versão negativa, e não é mais culpa de um homem ter nascido em circunstâncias privilegiadas do que ter nascido em circunstâncias não privilegiadas. Além do mais, a discriminação positiva pode reduzir ou pelo menos inibir os esforços e levar as pessoas a não fazer o máximo que puderem, só o suficiente.

    Muitos de nós, talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm

    No entanto, quer o professor Abbot estivesse certo ou errado, não é a questão. Existe uma tendência humana natural de não querer ouvir argumentos que vão contra a própria opinião, e essa é uma tendência a que se deve resistir conscientemente. Em sua autobiografia, Charles Darwin conta que, sempre que deparava com uma opinião que contradizia a sua própria, em algum momento, ele a anotava, porque, caso contrário, sem dúvida iria esquecê-la. Poucos de nós são assim. Muitos de nós, talvez a maioria, leem para confirmar as opiniões que já têm. Eu sei que, no passado, comprei livros que, fundamentalmente, não me diziam nada que eu já não soubesse ou achasse, e me pego tendo de resistir a essa tentação de autoconfirmação. É muito raro que alguém mude de ideia de imediato, como em uma conversa sobre religião, mas em algum momento as evidências ou os argumentos surtem efeito, como a umidade em um prédio. É necessário se expor às opiniões contrárias.

    Eu mesmo fui recentemente desconvidado pelos alunos da Universidade de Oxford, que tinham me chamado para participar de um debate. O estudante que escreveu para me fazer o convite escreveu para me desconvidar três semanas depois, com a desculpa boba de que “queremos que o debate siga outro rumo” e “queremos envolver uma gama de opiniões” — entre as quais, obviamente, não estava a minha.

    Em segredo, fiquei bastante satisfeito, ainda que tenha dito a todo mundo que fiquei incomodado. Em primeiro lugar, na verdade, eu não queria fazer o esforço envolvido (ainda que sinta que tenho a obrigação de falar com a geração mais jovem se ela me chama), mas, em segundo e mais importante, fiquei lisonjeado de agora ser considerado uma pessoa tão má que minha presença não seria mais tolerada. Foi uma espécie de confirmação do trabalho de uma vida.

    O feitiço, no entanto, pode por fim estar se virando contra esse fenômeno moderno polimorficamente perverso, o politicamente correto. Na Universidade de Sussex, na Inglaterra, as autoridades se recusaram a dispensar uma professora de filosofia, até então uma feminista radical, por exigência dos alunos — ou melhor, de um grupo barulhento de alunos. Ela os incomodou ao escrever que um homem não se torna literalmente uma mulher (ou vice-versa) ao fazer cirurgias e tomar hormônios. Até bem pouco tempo atrás, isso teria sido considerado tão banal que não valeria mencionar, mas agora, no clima atual de opiniões ou ideologias, é considerado por um grupo monomaníaco como o equivalente a pedir a eliminação física das pessoas transexuais, quando não sua execução.

    O reitor sênior da universidade se recusou a ceder à exigência dos alunos, que parecem acreditar cada vez mais que vão para a universidade para ensinar, e não para aprender. Mas vale lembrar que a geração atual de professores e administradores universitários é, ela mesma, herdeira e beneficiária da revolta dos estudantes de 1968, que tanto fez para destruir a autoridade acadêmica tradicional. Revoluções costumam devorar seus jovens, tanto que os revolucionários muitas vezes acabam se tornando reacionários, pelo menos quando não ficam estagnados em uma condição de adolescência eterna.

    O último caso — de adolescência eterna — substituiu a juventude eterna como uma meta almejada, mas impossível. Em toda parte, vejo homens e mulheres de 70 anos vestidos como se ainda tivessem 19 ou 20. Existem poucas imagens mais patéticas do que astros do rock apegados ao que consideram seus dias de glória. Seus rostos costumam parecer uma alvenaria que desmoronou.

    É comum dizer que a adolescência e o começo da vida adulta são períodos de idealismo na vida. Olhando em retrospecto para a minha própria — se for considerada típica, o que, claro, ela pode não ser —, não posso discordar. A juventude é mais um período de arrogância e egoísmo disfarçados de idealismo do que de idealismo em si. Quando a essa arrogância juvenil se acrescenta a arrogância do cliente que tem sempre razão, ex officio (uma vez que os estudantes nas universidades agora são clientes, em vez de jovens sentados aos pés dos velhos), é apenas natural que eles exijam a demissão, a punição e, sem dúvida, um dia a execução dos professores.

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    Revista Oeste