quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Assessor que fez voo exclusivo em jato da FAB ganha novo cargo no Planalto. Quer dizer, o vírus da corrupção segue no governo... Aos amigos, tudo!

Destituído pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) da secretaria-executiva da Casa Civil após fazer voo exclusivo em jatinho da FAB (Força Aérea Brasileira), Vicente Santini ganhou novo cargo no Palácio do Planalto.
Amigo da família Bolsonaro, Santini foi nomeado nesta quarta-feira (29) assessor especial da Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil. A decisão foi tomada após os filhos do presidente intercederem pela permanência do ex-secretário no governo.
Ele terá uma remuneração de R$ 16.944,90 mensais, de acordo com lista de cargos e salários em sites do governo federal, valor cerca de R$ 300 reais menor do que o da função anterior.
A Secretaria Especial de Relacionamento Externo da Casa Civil foi criada em junho de 2019, quando Bolsonaro transferiu a articulação política da Casa Civil para a Secretaria de Governo. A pasta absorveu duas estruturas anteriores, as secretarias especiais para Câmara e Senado.
De acordo com decreto que regulamenta sua criação, o órgão tem como atribuição assessorar o ministro no relacionamento com representantes de outros poderes e com entes privados, além de "outras atribuições que lhe forem cometidas pelo ministro de Estado".
O ex-secretário desembarcou nesta quarta em Brasília após acompanhar a comitiva presidencial a Déli, na Índia. Sua nomeação foi assinada por Fernando Wandscheer de Moura Alves, que o substituiu na secretaria-executiva da Casa Civil e responde interinamente pela pasta.
O titular da pasta, Onyx Lorenzoni, está em férias, mas conversou com o presidente e com seus auxiliares para a realocação de Santini.
Vicente Santini (agachado, de azul, ao centro) em momento de lazer com Eduardo e Flávio, filhos do presidente Bolsonaro, em setembro de 2019
Vicente Santini (agachado, de azul, ao centro) em momento de lazer com Eduardo e Flávio, 
filhos do presidente Bolsonaro, em setembro de 2019 - Reprodução/Twitter
A destituição de Santini foi anunciada por Bolsonaro na manhã de terça-feira (28), ao desembarcar em Brasília da Índia. 
O presidente disse ter sido inadmissível o fato de ele ter usado uma aeronave oficial com apenas três passageiros (ele e duas assessoras) para voar de Davos, onde participava do Fórum Econômico Mundial, para Déli. 
"Inadmissível o que aconteceu. Já está destituído da função de executivo do Onyx [Lorenzoni]. Destituído por mim. Vou conversar com Onyx para decidir quais outras medidas podem ser tomadas contra ele. É inadmissível o que aconteceu, ponto final", afirmou o presidente. 
A viagem de Santini em voo da FAB foi divulgada pelo jornal O Globo. O secretário representava Onyx.
Ao dizer na terça-feira que Santini deixaria o cargo de secretário-executivo da Casa Civil, Bolsonaro não excluiu a possibilidade de ele ocupar outras funções no governo federal.
"O cargo de executivo da Casa Civil já está perdido. Outras coisas virão depois de eu conversar com Onyx", disse. "Isso é decisão minha. Aguardo Onyx, não posso também desprestigiar o ministro, né? Vou ver os argumentos dele. Daí ver se teremos mais alguma medida suplementar disso aí", disse. 
Em agosto de 2019, o presidente Jair Bolsonaro entrega Medalha do Pacificador ao secretário-executivo da Casa Civil, Vicente Santini, destituído do cargo após usar um jato da FAB (Força Aérea Brasileira) para viajar à Índia
Em agosto de 2019, o presidente Jair Bolsonaro entrega Medalha do Pacificador
ao secretário-executivo da Casa Civil, Vicente Santini, destituído do cargo após 
usar um jato da FAB (Força Aérea Brasileira) para viajar à Índia 
Reprodução/Twitter
Bolsonaro disse que o uso da aeronave não é "ilegal" mas "imoral". A assessoria de imprensa da Casa Civil informou que "a solicitação [do avião] seguiu os critérios definidos na legislação vigente".
"O que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral. Ministros antigos foram de aviões lá comercial, classe econômica. Eu mesmo já viajei no passado, não era presidente, para Ásia toda de comercial, classe econômica, e não entendi. A explicação que chegou no primeiro momento: 'ele teve de participar de reunião de ministros por isso…' Essa não, essa desculpa não vale."
Santini é formado em direito pela Universidade Católica de Brasília e possui mestrado e doutorado pela UniCeuB. Antes de ser o número dois da Casa Civil, foi da Subchefia de Acompanhamento e Monitoramento, onde acompanhou casos como o desastre de Brumadinho (MG), por exemplo.
Ele chegou ao governo com respaldo da família Bolsonaro por ter amizade desde a infância com os filhos do presidente. O cargo de secretário-executivo foi assumido em março de 2019, quando o antigo ocupante do posto, Abraham Weintraub, assumiu o MEC (Ministério da Educação).
Santini conheceu a família Bolsonaro dos círculos de militares por ser filho de general do Exército. Desde que entrou para o governo, costumava fazer publicações com filhos do presidente, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), além de trocarem mensagens em tom elogioso um ao outro. 
Antes de assumir cargo público, era sócio de um escritório de advocacia em Brasília. Em seu currículo público, disponível em suas redes sociais, Santini diz ter trabalhado entre 2007 e 2012 no Ministério da Defesa com assuntos ligados a privatizações e aviação civil.
Como mostrou o Painel nesta quarta, Santini é alvo de uma representação do Ministério Público de Contas junto ao TCU (Tribunal de Contas da União). 
O subprocurador-geral do Ministério Público que atua junto ao TCU, Lucas Furtado, representou contra o agora ex-secretário-executivo da Casa Civil pelo uso da aeronave. 
No documento, o procurador diz que Santini viajou com duas assessoras de Davos à Déli, “embora pudessem ter optado por voo comercial” e pede que seja instaurada uma tomada de contas especial “pelo dano causado ao erário por ato flagrantemente antieconômico”. Um processo de tomada de contas pode resultar num pedido de ressarcimento aos cofres públicos.
O uso de aeronaves da FAB é regulamentado por dois decretos: 4.244, de 22 de maio de 2002, e 8.432, de 9 de abril de 2015. 
O presidente da República está sempre autorizado a utilizar aeronaves da FAB em qualquer que seja seu deslocamento. Além dele, podem usar aviões oficiais o vice-presidente, os presidentes do Senado, da Câmara e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ministros de Estado e demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado também são autorizados, assim como os comandantes das Forças Armadas e o Chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas estão aptos a solicitar os aviões. 
As condições para uso por essas autoridades, de acordo com a FAB, são por motivos de segurança, emergência médica e viagens a serviço.
O órgão ainda informa que "não cabe à FAB apurar se os motivos das solicitações de apoio são efetivamente cumpridos".
O decreto de 2015, editado no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), restringiu ao vice-presidente da República e os presidentes do Senado, da Câmara e do STF o direito de usarem a aeronave para deslocamento para residência fixa. 
A legislação não traz restrições quanto aos acompanhantes das autoridades, mas os nomes não são divulgados. Os dados sobre os voos são listados no site da FAB no dia útil seguinte à viagem. As informações públicas são local de destino e origem, cargo do solicitante, motivo da solicitação, horário de pouso e decolagem e número de passageiros, mas não há identificação dos que embarcaram. 
Procurada pela reportagem, a FAB não informou os custos estimados da aeronave que levou Santini às duas viagens. Os dados do voo ainda não foram publicados.
"Os custos operacionais das missões em aeronaves da FAB estão classificados no grau de sigilo reservado pois são considerados estratégicos por envolverem aviões militares", informa a FAB em seu site. 
Em uma cotação feita nesta terça-feira pela Folha, um voo de Zurique, na Suíça, para Déli, com retorno para Brasília sairia em média R$ 7.000 por passageiro para uma viagem em intervalo semelhante ao feito pelo ex-secretário.

Talita Fernandes, Folha de São Paulo