TERRORISMO NA FRANÇA: O “intelectual progressista” Tariq Ali, picareta que faz carreira às custas das culpas do Ocidente, mete sua colher torta no assunto — e só falta considerar que criminosos foram os cartunistas massacrados
O editor-chefe adjunto do “Charlie Hebdo”, Bernard Maris, e os cartunistas Georges Wolinski, Jean Cabut, o ‘Cabu’, Charb, Tignous and Honore (Philippe Honore), assassinados pelos terroristas islâmicos. Para Tariq Ali, os assassinos se sentiam ‘perseguidos’ por eles (Foto: Getty Images)
O jovem colunista da Folha de S. Paulo Vinicius Mota perdeu a paciência com Tariq Ali, que qualifica como “ensaísta paquistanês de larga penetração na chamada nova esquerda”, e, na edição em papel de hoje do jornal, baixa o sarrafo no artigo que Ali publicou domingo, no jornal.
Também li o texto vomitivo original, mas vou me concentrar no comentário de Vinicius, para quem no artigo “ficam expostos a rede de contradições e o beco sem saída em que se meteu essa linhagem do progressismo internacional”.
Claro que, no começo do artigo, Ali “recorre ao protocolo que já se tornou um clássico da desfaçatez ideológica: escolha palavras ruidosas, como ‘terrível’, ‘veemente’ e ‘atrocidade’, para expressar alguma solidariedade e simpatia humanista na direção das vítimas de atentados terroristas, como o que massacrou 17 pessoas em Paris”.
Mas daí para a frente Vinicius lembra que essa cortina de fumaça demagógica encobre, como costuma acontecer nesses casos, a verdadeira intenção desse tipo de arenga, que é a de, no fundo, culpar pela barbárie “as vítimas, seus governantes, sua cultura e o próprio capitalismo pelos banhos de sangue periódicos perpetrados por fanáticos do islamismo”.
Vinicius mostra que, para Tariq Ali, os irmãos assassinos, franceses de origem argelina que odiavam o próprio país, eram apenas “maconheiros cabeludos” que buscaram “conforto” nas mesquitas que povoam a periferia de Paris depois de profundamenta abalados pelas imagens de torturas de “irmãos muçulmanos” após a invasão do Iraque pelas Forças Armadas dos Estados Unidos, em 2003.
Coitadinhos, eles se sentiam “perseguidos”, e o Charlie Hebdo, inclusive seus cinco cartunistasmassacrados, mortos como cães, representaria “seus perseguidores”.
O jovem colunista da Folha não deveria, contudo, se surpreender. Tariq Ali é um picareta, um subliterato, um alpinista ideológico internacional, um escritor de ficção de quinta categoria que conseguiu destaque como palestrante e polemista lançando mão da mais elementar desonestidade intelectual: só fala o que suas plateias querem ouvir. Se os democratas liberais estão de um lado, ele estará do outro, seja qual for a causa, ávido pelo aplauso do “progressismo internacional”, que lhe dá sustento.
Tariq Ali: péssimo escritor de ficção e alpinista ideológico. Busca o aplauso fácil dizendo só o que a plateia quer ouvir. No caso do “Charlie”, só faltou dizer que criminosos foram os chargistas (Foto: guardian.co.uk)
Paquistanês de Lahore, Ali, porém, há décadas escolheu viver bem longe, na civilizada e ocidental Londres, tendo estudado em Exeter e Cambridge. Mora a precisos 6.300 quilômetros do olho do furacão que é o Paquistão, a um só tempo potência nuclear e país miserável, sempre oscilando entre um governo civil frágil e uma ditadura militar, com a Espada de Dâmocles permanente que significam suas “zonas tribais” fora de controle, onde proliferam tribos hostis e madrassas que formam milhares de futuros terroristas.
Entre a escaldante Lahore e Londres, o “progressista” Ali escolheu travar suas “batalhas” desde um dos bairros mais exclusivos de Londres, o verdejante subúrbio de Highate. Não se casou com nenhuma compatriota que cubra o rosto de negro, mas sim com a jornalista britânica Susan Atkins, editora da publicação bimestral The New Left Review. Seus três filhos são ingleses.
Conheci pessoalmente Ali há alguns anos, em evento em uma livraria em São Paulo de que participei. Ouvi sua palestra — de ponta a ponta “denúncias” contra o “imperialismo”, as “políticas neoliberais” e críticas ao Ocidente — e depois tive oportunidade de conversar com ele. Pouco falou de literatura na palestra e me impressionou mal também na conversa, pela cascata de chavões na qual não se divisava uma única ideia original, um único brilho, um único traço de lucidez.
Seu foco é, sempre, mirar na má consciência do Ocidente, real ou imaginária, e surfar na onda do politicamente correto. As culpas dos ocidentais de hoje pelo que seus governos fizeram no passado são seu ganha-pão.
De todo modo, para não me sentir preconceituoso, acabei comprando dois romances dele e, estoicamente, os li de ponta a ponta: Mulher de Pedra e Sombras da Romãzeira. Bastou para constatar que, como ficcionista, Tariq Ali é um horror, inclusive, mas não apenas, porque em seus romances piegas aparece um Islã que jamais existiu, em que as mulheres, por exemplo, agem com a desenvoltura — inclusive sexual — de garotas do Rio de Janeiro, de Paris ou de Nova York.
Sou um amante dos livros, tenho quase 10 mil em minha casa e em meu escritório, mas esses dois romances não encontraram lugar em minha biblioteca: passei-os adiante.
Embora ganhe dinheiro com esse horror, já que muita gente compra seus livros não pelo mérito de sua ficção, mas pela estridência de suas ideias, Tariq Ali tornou-se mesmo um militante das causas óbvias do progressismo, tendo escrito uma dúzia de obras de não-ficção, que contêm desde conversações com o também “progressista” cineasta norte-americano Oliver Stone até uma análise crítica do presidente Barack Obama, incluindo um livro sobre o Paquistão e outro sobre as consequências da invasão do Iraque pelos EUA.
Ele conseguiu escrever na Folha que o episódio do Charlie mostra existir no mundo “um choque de fundamentalismos” — ou seja, as tendências conservadoras que crescem na Europa estimuladas pelo fundamentalismo islâmico, mas mantendo-se dentro dos parâmetros constitucionais e democráticos dos respectivos países, para ele, equivalem à barbárie dos chacinadores de jornalistas e decapitadores de reféns ocidentais.
Com esse tipo de abordagem asquerosa, Tariq Ali continua bem, obrigado — ganhando um bom dinheiro, sendo aplaudido por onde anda (sempre prefere plateias amestradas) e protegido pelo conforto e pelos direitos de uma democracia como a do Reino Unido, que ele preferiu ao tumulto de seu Paquistão natal.