segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ex-diretores incriminados na Lava-Jato aprovaram política anticorrupção da Petrobras

Thiago Herdy - O Globo

Ao assinar o acordo, estatal se comprometeu a ter uma “política de tolerância zero contra o suborno

Renato Duque, da Petrobras, teria fortuna na Suíça, segundo o juiz - Márcia Foletto / O Globo


Acusados de receber propina para beneficiar fornecedores, funcionários do primeiro e segundo escalão da Petrobras participaram diretamente da aprovação de políticas anticorrupção da estatal, segundo documentos obtidos pelo GLOBO. Investigados no âmbito da Operação Lava-Jato, os ex-diretores Paulo Roberto Costa e Renato Duque e o ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco foram consultados quando a estatal decidiu aderir ao seleto grupo do programa Paci (Partnering Against Corruption Initiative), iniciativa de combate à corrupção do Fórum Econômico Mundial, em 2005. Ao assinar o acordo, a estatal se comprometeu, na época, a ter uma “política de tolerância zero contra o suborno” e a desenvolver “um programa de implementação prática e eficiente” contra a corrupção.

A adesão ao Paci vinha sendo discutida desde 2003 pela empresa, na gestão da primeira diretoria indicada pelo governo Lula para a Petrobras. Naquele ano, a empresa já havia aderido ao Pacto Global, da ONU, outro acordo que previa o respeito a dez princípios fundamentais, entre eles o combate à corrupção “em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina”.

O primeiro contato com a Petrobras para a estatal participar do Paci foi feito pela gerente de projetos do Fórum Econômico Mundial, Valerie Weinzierl. A oficialização ocorreu em janeiro de 2005, durante o encontro dos principais integrantes do PIB mundial em Davos, na Suíça. O representante da estatal no evento foi o então diretor de Gás e Energia, Ildo Sauer. Em nome do Brasil, participavam do encontro, em outras mesas de debates, o ex-presidente Lula e os então ministros da Casa Civil, José Dirceu, condenado depois no escândalo do mensalão; e da Fazenda, Antônio Palocci.

Antes de assinar a adesão ao Paci, Sauer consultou por telefone o então presidente da Petrobras, José Eduardo Dutra, e a diretoria executiva, da qual participavam Renato Duque e Paulo Roberto Costa. Todos deram aval à iniciativa. Na época, a Petrobras era a única brasileira entre as 62 empresas mundiais signatárias do pacto. Ao regressar ao Brasil, Sauer encaminhou ofício propondo a implementação de medidas anticorrupção endereçado ao segundo escalão da estatal. Entre os destinatários estava Pedro Barusco, hoje acusado de receber pelo menos 100 milhões de dólares em propina por suas atividades na empresa nos últimos anos. Barusco também deu aval às medidas anticorrupção.

No despacho à direção e aos gerentes, Sauer propôs o “desenvolvimento de um programa contra a corrupção, baseado nos princípios do programa Paci” e, em uma fase posterior, “expandir a iniciativa com o respectivo desdobramento até o nível de seus fornecedores”.

Entretanto, apesar da autonomia de gestão da estatal, a proposição de Sauer e do Fórum Econômico Mundial só seria executada oito anos depois, em julho de 2013, quando a petroleira lançou o Programa Petrobras de Prevenção à Corrupção (PPPC), já na gestão de Graça Foster, a atual presidente da empresa. A iniciativa não alcançou fornecedores.

— Não posso me manifestar sobre atos feitos naquele tempo, porque estaria violando meu compromisso com a empresa — afirma hoje Sauer, cujo papel, na época, se resumia a representar a empresa no encontro de Davos e levar o tema para discussão interna na estatal.

Atualmente diretor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), o ex-dirigente diz que não comenta as atuais denúncias de corrupção envolvendo seus ex-colegas de estatal.

— Posso dizer apenas que fui demitido com muita honra, por divergências que estavam no plano da administração e da gestão. Naquela época, não se tinha noção do que poderia aparecer. Não havia indícios, nem provas (de corrupção). Se tivesse, providências teriam sido tomadas — afirmou Sauer.

Dirigentes da empresa chegaram a participar de novos encontros promovidos no âmbito do programa Paci depois do encontro de Davos. Houve eventos em Londres, na Inglaterra, e em Genebra, na Suíça. No entanto, não houve mudanças imediatas nas práticas da empresa.

Perguntada sobre por que demorou oito anos para implantar um programa de combate à corrupção, como previa o Paci desde 2005, a Petrobras informou, em nota, que “diversas ações foram sendo adotadas ao longo do tempo, culminando com a criação do programa em 2013”, que tem como objetivo “fortalecer o compromisso com a ética e a transparência em suas atividades”.

A empresa alegou, também, que utiliza cláusulas de combate à corrupção em contratos desde antes de 2003, com previsão de “obediência aos princípios do Pacto Global”. Na nota, lembrou ainda que mantém um canal de denúncias e realiza “controles internos e auditorias, buscando a redução de riscos, detecção e correção de condutas inadequadas”.

Apesar de reconhecer “melhoras significativas” nos sistemas de transparência e controle do Estado e de compliance (mecanismo de aderência às normas e postura ética) nos últimos anos, o presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, Jorge Abrahão disse ainda ser necessário avançar em temas como governança, transparência e integridade nas relações público-privadas. Ele admite o incômodo com o fato de justamente os dirigentes da Petrobras que se comprometeram a aderir a uma agenda anticorrupção serem suspeitos de praticar atos ilegais.

— Sempre vamos ter, em todas as áreas, profissionais de alguma forma tentando escapar da legislação. Não basta você assinar compromissos, sejam eles quais forem. O fato de uma empresa assinar um compromisso com o Fórum Mundial, deveria supor que ela está seguindo determinada agenda. Agora, a grande dificuldade é criar um processo de monitoramento — afirma o presidente do Ethos.

Abrahão menciona iniciativa do instituto que promove a associação de empresas comprometidas com princípios de responsabilidade social e integridade. Pelo menos 350 firmas chegaram a integrar a lista, número que foi reduzido, atualmente, para cerca de 250.

— Verificamos que quase cem (empresas) não estavam avançando nesta agenda. Quando você tem um pacto, é aconselhável que haja forte monitoramento, sob o risco de você perder a credibilidade daquele pacto — opina.

Sem entrar no mérito das acusações feitas aos executivos da Petrobras pela PF e pelo Ministério Público, o dirigente considera favorável o momento atual, caracterizado por um processo de mudança em relação à sensação de impunidade que parecia prevalecer. Cita agendas que considera importante serem implementadas, como a regularização do lobby, a regulamentação da lei anticorrupção empresarial e a redução da influência do poder econômico nas eleições.

— Precisamos avançar em um sistema de integridade, que passa por governo, empresas, sociedade civil organizada e também pelo cidadão, a partir da reflexão sobre pequenas ações ilegais do dia a dia, algo que é rebatido para dentro das empresas e do governo — sugere Abrahão, para quem estamos diante de uma rara “oportunidade de reconstrução da confiança" nas relações e na sociedade.

ESCLARECIMENTOS SOILICITADOS A EMPREITEIRAS

Quatro empresas investigadas no âmbito da Lava-Jato — Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e a Iesa — são associadas do Ethos e receberam na última semana ofício do instituto solicitando esclarecimentos em relação à observância da Carta de Princípios da qual são signatárias e as suspeitas de envolvimento com malfeitos descobertos pela PF.

Ao se associarem à entidade, elas se comprometiam a conduzir suas atividades com "integridade, combatendo a utilização do tráfico de influência e o oferecimento ou o recebimento de suborno ou propina por parte de qualquer pessoa ou entidade pública ou privada".

— Vamos reunir as respostas das empresa e levar ao Comitê de Ética do Ethos, para avaliarem se as respostas têm sintonia com a observância aos princípios do Ethos — afirma Abrahão.

Em nota, a Odebrecht informou que “nega veementemente as alegações caluniosas feitas pelo ex-diretor da Petrobras e por doleiro réu no âmbito da Operação Lava-Jato”, e que continuará associada ao Ethos, por “não ver motivo para descontinuar a sua participação”. “A Odebrecht dispõe de mecanismos de compliance como Código de Conduta e Linha de Ética”, afirmou.

A Camargo Corrêa informou que prestará esclarecimentos ao Ethos e que colabora com as investigações em curso. OAS e Iesa não quiseram se pronunciar.