quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

"Discurso e realidade", por Luiz Felipe D’Ávila

O discurso ambiental transformou-se em mais um ingrediente da guerra comercial pelo mercado global do agronegócio. Além de recorrer a inúmeras barreiras tarifárias e sanitárias para barrar o comércio de grãos e carnes, de que o Brasil é um dos líderes mundiais, países e entidades ambientais também precisam apelar para meias-verdades e transformar o produtor brasileiro em vilão do meio ambiente. Mas os fatos e dados contam uma história muito diferente das fábulas que ganham manchetes nos jornais e fazem pulsar o coração de ativistas partidários e ambientalistas.
Primeiro, vamos às meias-verdades. É fato que o desmatamento na Amazônia cresceu 29,5% entre 2018 e 2019, segundo os dados do Prodes/Inpe. Mas antes de atirar a primeira pedra é importante analisar a série histórica. A medalha de ouro do desmatamento nos últimos 16 anos pertence à rainha do meio ambiente, Marina Silva. Em 2004, um ano após assumir o Ministério do Meio Ambiente do governo Lula, desmataram-se 27.772 km2. A ministra fez um bom trabalho e quando deixou o governo, em 2008, o desmatamento despencou para 12.991 km2. Iniciou-se uma trajetória de queda das áreas desmatadas, atingindo o seu menor nível em 2012 (4.571 km2). Mas a partir de 2013 voltou a crescer e no ano passado, desmataram-se 9.762 km2. O fato é que o desmatamento caiu de 2004 a 2012 e depois voltou a crescer. Esse é o problema que temos de enfrentar.
Ao negar o aumento do desmatamento na Amazônia, demitir o presidente do Inpe e ameaçar tirar o Brasil do Acordo de Paris, o presidente Jair Bolsonaro prestou um gigantesco desserviço ao País. Sua verborragia insensata serviu de munição para desferir o ataque dos oportunistas políticos e ambientalistas, que não perderam tempo em pintar o Brasil como o grande vilão do meio ambiente e insinuar que nossos produtores rurais são celerados que desmatam o País para plantar soja. Novamente os fatos desmentem a narrativa.
Grande parte do desmatamento ilegal se dá em “terra de ninguém”; áreas sem documentação e escritura, ocupadas por grileiros e alvo de criminosos que desmatam terras públicas e privadas. É inacreditável que na era da tecnologia da informação ainda haja vestígios de bandoleiros que contam com a conivência de cartórios e do poder público para ocupar terras. A regularização fundiária é uma tarefa urgente e necessária para o Estado ter meios legais de responsabilizar os proprietários pela preservação de suas áreas e punir criminosos. O Congresso precisa votar urgentemente a Medida Provisória 910, que trata da regularização fundiária.
O agronegócio deveria servir de exemplo para o Brasil. Representa 21,1% do produto interno bruto (PIB), quase metade das nossas exportações (43,3%) e um terço dos empregos no País (17,55 milhões de trabalhadores). Enquanto o agronegócio se preparou para competir nos mercados globais, investindo no aumento de produtividade, no avanço tecnológico e em pesquisa e desenvolvimento para impulsionar a melhoria genética, melhorar a qualidade do solo e aprimorar os processos de plantio, outros setores da economia se tornaram reféns do tripé do atraso: subsídios governamentais, reserva de mercado e protecionismo. Ao expor o agronegócio à competição global, a produtividade do trabalho na agricultura cresceu 5,4% nas últimas duas décadas. Já os setores pouco competitivos nos mercados internacionais retratam o inverso. No setor de serviços, a produtividade do trabalho ficou estagnada (0,3%) e na indústria caiu 0,8%.
O agronegócio tornou-se o setor mais competitivo da economia brasileira. Essa conquista foi atingida preservando o meio ambiente. Os produtores rurais são responsáveis pela proteção de 25,6% do território nacional. Gastam R$ 20 bilhões por ano, do próprio bolso, para preservar suas reservas legais. No Brasil, os fazendeiros mantêm 20% da área de sua propriedade como reserva legal. Esse número salta para 35% na região do Cerrado e 80% no caso da Amazônia Legal. Nenhum país do mundo tem uma legislação tão rigorosa como o Código Florestal brasileiro. Nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia fazendeiros podem usar a totalidade da área para atividades agropecuárias.
O debate sobre a preservação do meio ambiente e a produtividade agrícola é fundamental para a sobrevivência no planeta. O crescimento sustentável precisa ser pautado pela preservação da água, do solo e do clima e também pela produção de alimentos para sustentar o mundo. Agricultura e preservação do meio ambiente são dois lados da mesma moeda, um precisa cooperar com o outro para assegurar a preservação e a reconstrução da fauna e da flora. As agroflorestas são um bom exemplo dessa simbiose. A falsa ideia de que agricultura e meio ambiente são interesses antagônicos não passa de retórica ideológica para alimentar discursos político-partidários, estimular o protecionismo agrícola e financiar ambientalistas oportunistas. Padecemos da síndrome do fracasso. Quando há sinais de sucesso, parece que temos uma necessidade biológica de transformar os vencedores em vilões.
* FUNDADOR DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA (CLP), É AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS – DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’

O Estado de S. Paulo