WASHINGTON
Joe Biden tem até este sábado (29) para provar que ainda está vivo.
As primárias na Carolina do Sul são a última chance de o ex-vice-presidente mostrar que segue competitivo para disputar com o progressista Bernie Sanders a indicação do Partido Democrata à Casa Branca.
Diante do desempenho pífio de Michael Bloomberg nos debates e da incapacidade de os centristas Pete Buttigieg e Amy Klobuchar ampliarem suas bases para além do eleitorado branco, Biden viu espaço para voltar ao jogo.
Empurrado pelo apoio dos negros —parcela bastante expressiva na Carolina do Sul—, o ex-vice de Barack Obama tenta se consolidar como o nome moderado que pode frear a escalada de Sanders.
O senador por Vermont venceu duas das três prévias do partido até aqui e assumiu nas pesquisas o favoritismo que era de Biden, obrigando o centrista a rever sua estratégia para o agora ou nunca.
Após amargar o quarto e o quinto lugar em Iowa e New Hampshire —e a distante segunda posição em Nevada, atrás de Sanders—, Biden decidiu apostar tudo na Carolina do Sul, onde o eleitorado negro democrata é de 60%.
Seu objetivo é mostrar que tem fôlego para chegar à Super Terça, em 3 de março, quando 14 estados fazem suas primárias ao mesmo tempo, apontando um cenário mais decisivo para escolha do adversário de Donald Trump.
Integrantes da equipe do ex-vice-presidente afirmam que ele precisa vencer na Carolina do Sul, mesmo que por uma margem pequena. Caso contrário, avaliam, pode ver sua candidatura ser enterrada de vez.
Com 5,1 milhões de habitantes, Carolina do Sul coloca em disputa 54 dos 3.979 delegados que vão à convenção nacional da sigla, em julho, para nomear o candidato da oposição à Presidência dos EUA.
O número é pequeno, mas o estado tem importância histórica. Além de ser o primeiro registro relevante do voto dos negros —que representaram 24% dos eleitores nas prévias da sigla em 2016 em todo o país—, o resultado na região costuma se repetir em Alabama, Louisiana, Geórgia e Mississippi, que, juntos, somam 247 delegados.
Em um cenário político tão fragmentado como o deste ano, a etapa deste sábado se tornou ainda mais importante.
Biden é o líder das pesquisas na Carolina do Sul, mas chegou a ver sua vantagem oscilar mais de 15 pontos conforme seus resultados nas primeiras prévias não se mostravam animadores.
Às vésperas da votação, porém, tinha recuperado terreno, com investimento massivo, boa participação no debate e presença constante no estado.
Na sexta-feira (28), a média das pesquisas mostrava Biden na frente, com 37,6%. Era seguido por Sanders, com 18,5%.
Em terceiro lugar estava o bilionário Tom Steyer, com 12,8%. Ele não conseguiu boa performance nas prévias dos primeiros estados, mas investiu US$ 18 milhões em propaganda somente na Carolina do Sul.
Ex-prefeito de South Bend, Buttigieg aparecia em quarto lugar, com 8,3%, enquanto a senadora progressista Elizabeth Warren tinha 7,2% e Amy Klobuchar aparecia com 4,1%.
O bom momento de Sanders acendeu o alerta do establishment democrata, temeroso de que a agenda de igualdade econômica e justiça social do senador afaste o eleitor moderado e resulte na derrota para Trump.
Nos EUA, os negros são mais identificados com o espectro político de centro, e Biden pretende usar justamente dessa esteira para desafiar Sanders com apoio da cúpula do partido.
Mas não é só o ex-vice-presidente que tem esse plano. Buttigieg e o bilionário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg também brigam pelo posto de candidato mais palatável ao status quo.
No debate de terça-feira (27), na Carolina do Sul, Biden atacou Sanders, mas focou em se diferenciar dos centristas com a ideia de que eles não têm boa performance entre os negros.
Bloomberg não disputará as prévias deste sábado, entrando na corrida somente na Super Terça, quando outros estados mais diversos também estarão em disputa.
A tática estava surtindo efeito nas pesquisas —em poucas semanas, ele pulou para o segundo lugar na média nacional, atrás de Sanders—, mas seu péssimo desempenho nos debates deu ânimo aos concorrentes.
Sua principal fragilidade entre os negros é o "stop and frisk" (parar e revistar), medida praticada pela polícia de Nova York quando ele era prefeito da cidade e criticada por ter como alvo principalmente negros e latinos.
Os negros americanos costumam votar por fidelidade a nomes com histórico de defesa de suas bandeiras e ligação com a comunidade.
Buttigieg também não tem essa trajetória e enfrenta episódios controversos, como a maneira displicente com que conduziu o caso de um policial que matou um homem negro em sua cidade.
No domingo (23), dia seguinte à votação em Nevada, onde ficou em terceiro lugar, o ex-prefeito de South Bend teve a oportunidade de reformular seu discurso às vésperas do pleito na Carolina do Sul.
Mas não o fez. Durante comício na cidade de Arlington, na Virgínia, manteve-se restrito à tentativa de se diferenciar de Sanders, sem ampliar seu eleitorado negro, dizendo que é o único capaz de unir o país.
Ancorado na sua ligação com Obama, que até agora não declarou apoio público a nenhum candidato, Biden também aposta no discurso de conciliação para impedir a reeleição de Trump.
Foi com essa retórica que, em 2008 e 2012, Obama conseguiu mobilizar principalmente jovens e negros a irem às urnas e alçá-lo à Casa Branca.
Sanders tem o apoio dos jovens. Em Nevada, o senador venceu em praticamente todos os grupos demográficos e ainda avançou sobre o eleitorado negro, o que preocupou a equipe de Biden.
Para a Carolina do Sul, o senador aumentou anúncios, equipe e o calendário de eventos para tentar não perder o embalo das últimas semanas.
Biden sabe que não tem escolha a não ser desacelerar Sanders.
Se vencer por larga vantagem neste sábado, reorganiza a nebulosa disputa democrata e vai à Super Terça com chance real de chegar à convenção bem colocado.
Se perder, será muito difícil voltar ao jogo e pode levar bem antes do esperado o carimbo que vai de favorito a futuro ex-candidato.
Marina Dias, Folha de São Paulo