domingo, 23 de abril de 2017

Resultado de eleição é quase uma nova Revolução Francesa

Clóvis Rossi - Folha de São Paulo


resultado do primeiro turno na França chega bem perto de uma nova Revolução Francesa: pela primeira vez em 60 anos os grandes partidos da direita e da esquerda estão fora do turno decisivo (no caso, Os Republicanos, a nova marca da direita, e o Partido Socialista, reduzido quase a pó).

As causas dessa derrocada dos partidos tradicionais não são difíceis de identificar e, além disso, podem ser encontradas em outros países e não apenas na França.

Pascal Pavani - 23.abr.2017/AFP
Cartazes de Marine Le Pen e Emmanuel Macron são vistos nas ruas de Valence d'Agen, no sul da França
Cartazes de Marine Le Pen e Emmanuel Macron são vistos nas ruas de Valence d'Agen, no sul da França

São os seguintes, como aponta Zaki Laïdi, professor de Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos de Paris (a badalada Sciences Po): "O crescimento da desconfiança popular em relação às elites, uma sensação de perda de poder, medo da globalização econômica e da imigração, e ansiedade a respeito da mobilidade social e crescente desigualdade".

Que Marine Le Pen use a desconfiança e os medos como catapulta eleitoral é o habitual. Vem sendo assim desde que seu pai, Jean-Marie Le Pen, conseguiu chegar ao segundo turno em 2002, apenas para ser esmagado por Jacques Chirac.

O que surpreende é que Emmanuel Macron, típico produto da elite e do establishment, consiga introduzir-se, ainda por cima como primeiro colocado, no cenário descrito por Zaki Laïdi.


Macron é tudo e nada ao mesmo tempo. Ou, como o descreve Marc Bassets, correspondente de "El País" em Paris, é "o candidato alquimista, a fusão dos contrários, a esquerda e a direita, o sistema e o antissistema, a continuidade e a ruptura, o liberalismo e a proteção".

Ele próprio aceita essa impossível alquimia, ao comparar-se ao general Charles de Gaulle, o mítico herói da França: "Como o general de Gaulle, escolho o melhor da esquerda, o melhor da direita e, inclusive, o melhor do centro".

Serve para ganhar votos e serve, principalmente, para acalmar a ansiedade da Europa, certa de que sua adversária, Marine Le Pen, dinamitaria o conglomerado europeu e instalaria o caos econômico-financeiro no planeta.

FRANÇA INDECISA - Quatro candidatos chegam ao dia do primeiro turno com chances de avançar ao segundo - EMMANUEL MACRON
FRANÇA INDECISA - Quatro candidatos chegam ao dia do primeiro turno com chances de avançar ao segundo - MARINE LE PEN
Resta ver se Macron, na hora em que tiver que escolher entre os opostos cuja fusão anunciou na campanha, conseguirá dar um jeito no mal estar que é francês mas é também do mundo ocidental.

Há quem ache que sim, que o candidato de En Marche será capaz de repetir Franklin Roosevelt e desenhar "um compacto social, o 'New Deal', que ainda molda a América, quase um século depois", escreve para o Financial Times Nicolas Colin, cofundador de uma firma multinacional de investimentos.

Completa: "Hoje, toda democracia avançada necessita muito da imaginação radical de um moderno Roosevelt".

A fulminante adesão a Macron do socialista Benoît Hamon e de caciques da direita indica que repetir-se-á a aliança habitual que frustra as ambições dos Le Pen e, por extensão, dará ao candidato alquimista a chance de pôr em prática a mágica vendida na campanha.