Os chanceleres dos quatro países fundadores do Mercosul fizeram uma enorme ginástica retórica para dizer que, no atual estágio institucional, a Venezuela é incompatível com o bloco, sem, no entanto, determinar sua expulsão.
Os chanceleres de Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai primeiro reafirmam o que é uma norma pétrea do grupo: "plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para a existência e o desenvolvimento do Mercosul".
Palácio de Miraflores - 14.fev.2017/AFP | ||
Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro |
No parágrafo seguinte, dizem que houve "ruptura da ordem democrática na República Bolivariana da Venezuela".
Se acham que houve, o corolário inevitável seria, portanto, declarar o regime bolivariano como incompatível com a "essência" do Mercosul.
Mas esse passo não foi dado. Primeiro porque o governo de Nicolás Maduro recuou da decisão de cassar os poderes da Assembleia Nacional, controlada pela oposição.
A cassação representava o que o chanceler brasileiro Aloysio Nunes Ferreira Filho batizava de "mudança qualitativa na escalada autoritária" do regime venezuelano.
Segundo porque a diplomacia do Mercosul teme que a adoção de sanções mais pesadas seja um pretexto para Maduro reiterar sua eterna retórica de que há um cerco "da direita" contra um regime que se diz democrático.
A Venezuela já está suspensa do Mercosul, mas por motivos burocráticos: não cumpriu até agora todos os compromissos que assumiu ao ser incluída no grupo há cinco anos.
Com a nota oficial deste sábado (1º), o que o Mercosul está dizendo, na prática, é que Caracas continuará fora do clube mesmo que adote as medidas originalmente previstas.
Agora, além delas, precisa, como diz a nota oficial, "assegurar a efetiva separação de poderes, o respeito ao Estado de Direito, aos direitos humanos e às instituições democráticas e respeitar o cronograma eleitoral".
Maduro não só boicotou os esforços da oposição para colher assinaturas visando à convocação de um referendo que poderia revogar o mandato do presidente como adiou eleições regionais que deveriam realizar-se em 2016.
Quanto à separação de poderes, o fato de o governo venezuelano ter recuado da decisão de intervir na Assembleia Nacional não basta para caracterizar o respeito à independência dos poderes: no ano passado, o Supremo Tribunal de Justiça, mero apêndice do governo, anulou todas as decisões do Parlamento.
A novidade na nota do Mercosul deste sábado é a iniciativa de "promover consultas com a República Bolivariana da Venezuela com vistas ao restabelecimento da plena vigência das instituições democráticas nesse país, acompanhando o mencionado processo".
Como três dos quatro países do Mercosul (a exceção é o Uruguai) são tidos como inimigos pela Venezuela, a resposta de Maduro às consultas sugeridas será um bom indicador da disposição para dialogar, depois de endurecer ao extremo limite e, em seguida, dar um pequeno passo atrás.