quarta-feira, 26 de abril de 2017

Marcos Troyjo: "'Outsiderismo', a nova onda política no Ocidente"

Folha de São Paulo


Donald Trump, candidato alheio à elite democrata ou republicana, é eleito presidente nos EUA, democracia das mais consolidadas no mundo.

Emmanuel Macron e Marine Le Pen disputam o Eliseu sem a sustentação dos pilares partidários clássicos da política francesa.

Pascal Pavani - 23.abr.2017/AFP
Cartazes dos candidatos Marine Le Pen e Emmanuel Macron aparecem ao lado de um local de votação
Cartazes dos candidatos Marine Le Pen e Emmanuel Macron aparecem ao lado de um local de votação


Nigel Farage, do UKIP (sigla em inglês para Partido de Independência do Reino Unido), foi protagonista do 'brexit', evento geopolítico na Europa mais importante desde a Queda do Muro de Berlim.

Na Áustria e na Holanda, recentes eleições transcorreram com um forte sentimento "anti-mainstream".

No Ocidente, estamos testemunhando uma ojeriza a líderes e ideias afeitos ao establishment. Tudo o que parecia até há pouco inabalável —bipartidarismo norte-americano, dinâmica de integração na União Europeia, sacralidade dos comícios presenciais— é eclipsado por aquilo que contrasta com a política tradicional.

O mundo é dos "outsiders". O momento é daqueles que se opõem "àquilo que está aí". Esse "outsiderismo", portanto, tem muitas faces.

Nesse contexto, a política metamorfoseou-se. O ideal romântico de revolução não faz mais parte do elenco de aspirações.

Ao contrário do que se poderia imaginar como efeito das redes sociais, as agendas propositivas e críticas estão mais locais. Sabe-se o que quer e como fazer no seu bairro, cidade. Menos, porém, no nível de uma unidade federativa (Estado) ou país. Muito menos para o mundo.

Ao contrário dos muitos consensos que emergiram durante a "globalização profunda" —como o ideal de circulação mais livre de bens, serviços, capitais e pessoas—, essa tendência "outsiderista", nos EUA e na Europa, responde mais ao particular que ao geral, mais ao imediato que ao estratégico.

Claro que Trump, eleições presidenciais na França e 'brexit' são macro-exemplos de outsiderismo, mas tal tendência é ainda mais sentida no nível do Poder Executivo ou casas legislativas em âmbito municipal ou estadual/provincial.

Em seu debate cotidiano, a política outsiderista não é mais a dos grandes sistemas ou soluções globais. Além desse caráter de proximidade "epidérmica", há a questão da política como espaço de defesa da voz de afinidades estéticas ou profissionais.

Daí em eleições aos mais variados cargos observarmos o êxito de candidatos dos taxistas, esportistas, celebridades de TV ou dirigentes de clubes de futebol. E aqui, sem dúvida, tecnologia e redes sociais também exponenciam o vetor outsiderista.

Afinidades estéticas, como diria o grande sociólogo francês Michel Maffesoli, turbinam as "células" de proximidades dos outsiders com suas comunidades no Facebook ou no Twitter.

Em muitos desses casos, os canais entre outsiders e aqueles que compõem suas "nuvens" substituem mídias jornalisticas tradicionais. Nesse fluxo, mais importante que "informação" é "confirmação".

Houve aqui, portanto, uma transformação. A origem da notícia ou análise, há um tempo restrita à redação própria de cada veículo jornalístico, hoje está na multidão de sites, agências de notícias, blogs, universidades, nas empresas de qualquer ramo. Circula, enfim, no ciberespaço.

O destino, na mesma medida, que segmentava por mídia o tipo de consumidor em suas várias formas (leitor, ouvinte, telespectador, internauta), condensa-se progressivamente graças à convergência tecnológica.

A mídia, como sinônimo de imprensa, é irmã gêmea da Liberdade de Expressão. Esta identidade sempre se alimentou pela noção de que o livre debate de idéias (exposto pela mídia) constrói agendas críticas ou propositivas —objetivo eminentemente político.

E a questão da sobrevivência das empresas de mídia também permitiu um deslocamento do eixo jornalístico para o do entretenimento, sublinhando assim a relação "interesse público x interesse do público". Quanto a este último, é patente a tendencia ao mórbido, à vulgarização, à TV trash e aos sites de ódio. Ecossistema perfeito para alguns outsiders.

Com efeito, na política de cargos eletivos,o que vemos é o decréscimo relativo da importância dos discursos programáticos e a construção de candidatos a partir de marketings de empatia.

As redes sociais, dado seu caráter instantâneo e superficial, ajudam nessa "efemeridade". As novas tecnologias aproximam. Isto se faz para o bem e para o mal.

A proximidade desvenda identidades, mas também realça diferenças, sobretudo civilizacionais. Este o principal combustível para os conflitos contemporâneos conforme a ainda atual formulação de Samuel Huntington.

O advento dessa fase outsiderista no Ocidente e o impacto que ela projeta para as relações internacionais é marcante. As fronteiras, claro, não deixaram de existir. Tornaram-se, no entanto, mais porosas. O Estado-Nação, que sustenta sua existência na dualidade interno-externo, vê-se desorientado com sua vulnerabilidade física, macroeconômica e cultural.

Suas delimitações são vazadas tecnológica, financeira e culturalmente, o que produz novas sínteses —por vezes enriquecedoras, por vezes fragmentárias.

Geram como contrapartida bandeiras preservacionistas de tradições e especificidades —o que, se empunhadas com o valor maior da tolerância, deve ser bem-vindo num mundo que se quer plural.

Impossível não reconhecer tais marcas, na sua versão potencialmente perigosa, em Trump, Le Pen e mesmo nas motivações mais nativistas que levaram ao 'brexit'.

Como o Brasil, em tantas momentos históricos, gosta de andar na contramão de tendências internacionais, aqui há talvez uma boa notícia.

"Outsider" pode querer dizer mais do que apenas o "não tradicionalmente político", ou aquele "não vinculado a partidos consolidados". Pode significar também aquele contrário ao que é tristemente convencional no país.

Repudiar populismo, experimentalismo macroeconômico e uma economia política de compadrio é ser outsider, pois esta é, há muito tempo, a tríade "mainstream" no Brasil.

Em nosso país, ser "contra o que está aí" significa sobretudo permitir o amplo desencadeamento de criatividade e forças produtivas. Nesse sentido, a emergência de um outsider pode ser uma ótima novidade para o Brasil.