Grigory Potemkin, comandante na Guerra Russo-Turca (1768-1774) e amante eventual de Catarina, a Grande, atuou também na área da cenografia política, construindo as "cidades potemkin": simulacros de povoados, feitos só de fachadas e habitantes felizes, incrustados em lugares de passagem das comitivas da czarina.
"Internet potemkin" é uma definição apropriada para os espaços virtuais criados com a finalidade de insular usuários que desenvolveram intolerância ao ambiente cada vez mais tóxico da rede mundial.
Na versão atualizada de seu projeto editorial, este jornal dobra a aposta no jornalismo profissional como "antídoto para notícia falsa e intolerância" (Folha, 30/3). O texto vai no rumo certo, mas lança âncora pouco antes do porto de destino.
Um relatório do Pew Research Center, "The Future of Free Speech, Trolls, Anonymity and Fake News Online", esclarece os mecanismos do que se pode chamar de preferência pela mentira. Notícias verdadeiras são produtos caros: exigem apuração, checagem, contextualização. Não custa nada inventar noticias falsas. Humanos deixam-se seduzir por "fake news", que carregam os ingredientes do inusitado, do espantoso, da conspiração, e gostam de discursos odientos, que satisfazem necessidades oriundas da ansiedade, do medo, do rancor. A ação de um único provocador gera efeitos multiplicadores, envenenando redes sociais.
A economia da internet opera segundo regras quantitativas. A publicidade segue as curvas estatísticas de "clicks" e "likes". Como explica Andrew Nachison, especialista consultado pelo relatório, referindo-se a plataformas controladas pelo Google ou o Facebook, "quanto mais retornamos, mais eles fazem dinheiro –e o torneio da gritaria segue em frente". Está lá, no texto da Folha: "Os algoritmos que garantem índices elevados de audiência para as multinacionais do oligopólio são os mesmos que alimentam o sectarismo e a propagação de inverdades". O negócio da mentira funciona melhor que o do jornalismo.
A psicologia e a economia desvendam apenas parcialmente o fenômeno da degeneração em rede do discurso público, pois não tocam na sua fonte política: a "militarização das narrativas". Atores políticos nacionais e transnacionais descobriram o valor da internet como arena de guerras pós-modernas no campo dos sistemas de crenças. A expressão "guerrilha na internet" aparece em formulações estratégicas de organizações jihadistas, movimentos nacionalistas, governos autoritários e partidos políticos.
Centros de comando dessas guerras virtuais foram estabelecidos pelo Estado Islâmico, pelo Kremlin de Putin, por correntes nativistas que orbitam ao redor de Trump, pelos movimentos nacional-islamistas acionados por Erdogan. No Brasil, a estratégia, empregada há anos pelo PT, é replicada pelo antipetismo histérico que busca um Trump nativo.
A complexidade assusta, atemoriza, paralisa. Os generais da "militarização das narrativas" entenderam a força persuasiva da simplificação. As narrativas militarizadas são sentenças primitivas, isentas de nuances, manufaturadas como binômios identitários: "nós" contra "eles". O mecanismo que garante sua difusão em rede é constituído por softwares e robôs. O usuário de redes sociais que reproduz impulsivamente as "fake news" opera, sem saber, como auxiliar desses canhões da guerra cibernética.
A nova versão do projeto editorial da Folha: enfatiza o papel do jornalismo profissional na produção de "relatos fidedignos de fatos relevantes", em meio à cacofonia da pós-verdade. Contudo, a "militarização das narrativas" exige um passo mais ousado: o contraste sistemático, explícito, entre a verdade factual e as "fake news" distribuídas pelos atores principais da "guerrilha na internet". Só assim a imprensa pode oferecer alternativas aos condomínios suburbanos da "internet potemkin".