LORENNA RODRIGUES E EDUARDO RODRIGUES - O ESTADO DE S. PAULO
Mensagem entregue pela Camargo Corrêa no acordo de leniência mostra conversa de executivos de empreiteiras com subsidiária da Eletrobrás
BRASÍLIA - E-mail entregue pela empreiteira Camargo Corrêa ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) cita conversas de executivos de construtoras com a Eletronuclear sobre as estratégias e os preços que seriam apresentados pelo cartel que rateou licitação de Angra 3.
As tratativas são de novembro de 2013, dois meses antes da licitação. Funcionários da Eletronuclear teriam orientado os executivos suspeitos de formar o cartel a produzir uma proposta na qual somente um dos consórcios, formado por Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht e UTC Engenharia, levaria os dois lotes em disputa.
O acerto era que, posteriormente, o grupo desistiria de um dos lotes, repassando-o às outras integrantes do esquema com o objetivo de aumentar o preço do contrato o máximo possível. Os documentos do Cade não descrevem, contudo, quais executivos da Eletronuclear participaram das negociações na ocasião. Além das quatro empreiteiras, são apontadas como participantes no cartel a Queiroz Galvão, a Empresa Brasileira de Engenharia (EBE) e a Techint.
Elas foram delatadas pela Camargo Corrêa, que firmou na sexta-feira, 31, um acordo com o Cade para colaborar com a investigação de conluio nas obras de Angra 3, em troca de punição menor.
No relatório, o Cade explica que as construtoras queriam que cada consórcio ganhasse um dos lotes. Como os preços de cada grupo eram muito próximos, isso poderia, no entanto, revelar combinação prévia. Por isso, os emissários da estatal defenderam nas conversas a estratégia de um só ganhador para os dois lotes e o recuo futuro. Foi o que ocorreu.
"Em conversa com o cliente (Eletronuclear) notou-se desconforto (…) Reformulou-se, então, a decisão", diz o e-mail. Conforme o relatório do Cade, havia uma hierarquia no cartel. Os executivos que atuavam no "altíssimo escalão", fixando preços e dividindo o mercado, eram Flávio David Barra (Andrade Gutierrez Energia), preso na semana passada pela Polícia Federal por suposto envolvimento nos desvios em Angra 3; Dalton Avancini (Camargo Corrêa), que colabora com o conselho; Fábio Andreani Gandolfo (Odebrecht); Petrônio Braz Junior (Queiroz Galvão), Ricardo Ourique Marques (Techint) e Renato Ribeiro Abreu (EBE), além do dono da UTC, Ricardo Pessoa, delator da Lava Jato. No nível "alto escalão", Antônio Carlos D'Agosto Miranda (UTC) e Henrique Pessoa Mendes Neto (Odebrecht) fariam os contatos políticos, inclusive com o almirante Othon Luiz Pinheiro, então chefe da Eletronuclear - também preso pela PF, suspeito de obter propina das empresas.
O documento diz ainda que o diretor de Geração da Eletrobrás, Valter Cardeal, indicado pela presidente Dilma Rousseff, questionou o almirante sobre os preços, que seriam superiores ao de outras obras, como hidrelétricas. Cardeal é tratado nas mensagens de empreiteiros como "Eclesiástico" e "Sua Santidade". "Othon Luiz Pinheiro da Silva teria justificado tal discrepância alegando que o orçamento de Angra 3 já havia sido aprovado pelo TCU e que as obras de montagem de hidrelétricas não poderiam servir de parâmetro", diz o relatório do Cade.
Defesas. Procurada, a Eletronuclear informou que ainda não teve acesso ao processo. Ourique Marques, da Techint, afirmou que o que tinha para falar já "foi dito em depoimento à Justiça". Os outros executivos citados não retornaram às ligações da reportagem ou não foram localizados. A UTC não se pronunciou.
A reportagem não encontrou neste sábado assessores das demais empreiteiras. Anteontem, a Andrade e a Queiroz Galvão negaram irregularidades. A Odebrecht alegou não ter conhecimento do acordo com o Cade.