quarta-feira, 1 de abril de 2015

"Os keynesianos engordaram o paciente além da conta", por Alexandre Schwartsman

Folha de São Paulo

A dieta heterodoxa

Uma das grandes bobagens alardeadas ultimamente, talvez a maior delas, é a ideia de que a recente mudança da política econômica representou a capitulação da presidente à pressão dos mercados.

Não há quem duvide de sua sujeição, abandonando o conjunto de políticas em que acreditava (e possivelmente ainda acredita) em favor do retorno, algo envergonhado, é verdade, a alguns dos princípios que nortearam a economia até 2008-2009.

Basta, porém, um rápido exame dos números acerca do desempenho do país para perceber que a rendição não se deve às pressões de mercado, mas às evidências irrefutáveis sobre o fracasso retumbante da política econômica adotada nos últimos anos.

Não me refiro aqui apenas ao "pibículo", que registrou expansão (?) de apenas 0,1% no ano passado, a mais baixa desde a crise de 2008-2009. Mais relevante que o mau desempenho num ano é a queda persistente do ritmo de crescimento da economia brasileira de 2010 para cá.

Segundo os novos números do IBGE, a expansão média do país no primeiro governo Dilma atingiu apenas 2,1% anuais, ante 4,0% ao ano registrados nos oito anos anteriores.

Aliás, pela metodologia antiga, que permite uma comparação mais nítida, a queda teria sido ainda maior, pois a expansão média mal teria superado 1,5% ao ano (Não faço aqui, é bom deixar claro, nenhuma crítica ao trabalho do IBGE; apenas noto que se trata de comparação mais apropriada por serem estimativas calculadas sob as mesmas premissas).

Em linha com esse desenvolvimento, o ritmo de expansão do emprego caiu de 2,5% anuais (quase 1% ao ano superior ao crescimento da população em idade ativa) para 1,2% anual, igual ao da população em idade de trabalhar. Desde 2013, porém, a geração de empregos deixou de ser suficiente para absorver o crescimento populacional e, como já notado aqui, foi apenas a redução da busca de emprego pela parcela mais jovem da população que adiou a elevação agora observada da taxa de desemprego.

A inflação, mal e mal contida a golpes desajeitados de controles de preços e, de 2013 para cá, pela venda de dólares por parte do BC, não deixou de acelerar. 

Apesar da redução na marra das tarifas de energia e da política suicida de preços dos combustíveis, que contribuíram para colocar a Petrobras na situação triste em que se encontra, preços subiram ao ritmo de 6,2% anuais entre 2010 e 2014, em contraste com os 4,7% ao ano observados no quinquênio anterior, sugerindo, a propósito, que tanto a história de "inflação estrutural" como a suposta inadequação da meta de inflação são proposições dignas de inclusão no rol das grandes besteiras.

Por fim, o deficit externo, que havia ficado em torno de 1,3% do PIB de 2007 a 2010, saltou para mais de 3% do PIB entre 2011 e 2014, superando 4% do PIB no ano passado.

À luz desse desempenho, apenas pessoas com forte deficiência cognitiva, ou cujos antolhos escondessem estrategicamente esses desenvolvimentos, poderiam acreditar que a política econômica do primeiro governo Dilma fosse sustentável.

De fato, não é preciso muito para ver que a continuidade dessa política levaria a crescimento ainda menor, desemprego mais alto, aceleração inflacionária e desequilíbrios externos também crescentes. Não foi o mercado financeiro que levou à capitulação; foi a realidade.

É verdade que a política econômica atual terá custos, seja em termos de crescimento e emprego, seja mesmo no que se refere à inflação, dada a necessidade de corrigir os preços represados.

O bê-á-bá da análise econômica, contudo, exige que esse custo seja comparado àquele que resultaria da manutenção da política anterior, e não há dúvida de que corrigir os desmandos dos últimos anos custará bem menos do que continuar a praticá-los.

Nossos keynesianos de quermesse engordaram o paciente além da conta, mas rejeitam a dieta por ser custosa; a cura, para eles, é seguir se empanturrando.