Encarregado de apresentar, em junho, o relatório sobre as contas de 2014 de Dilma, presidente do TCU condena as pedaladas fiscais e diz que a Lei de Responsabilidade Fiscal deve valer também para a União
CONTAS DE DILMA
Nardes deu pistas do seu parecer, apesar de não querer adiantá-lo
As atenções dos integrantes de partidos da oposição estão voltadas para o trabalho do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes. No dia 17 de junho, ele apresentará seu relatório que poderá reprovar as contas do governo Dilma Rousseff no ano de 2014. O trabalho de Nardes se apoiará no voto de um colega, o ministro José Múcio, relator do caso. Múcio apontou irregularidades em transações do governo com bancos públicos para maquiar as contas da União. Para o relator, a manobra conhecida como “pedaladas fiscais” fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.
"Há sete anos nós temos alertado sobre o sobrepreço em obras
da Petrobras. Se o governo tivesse atendido as recomendações
do TCU não haveria hoje a Lava Jato"
Se Nardes concordar com a interpretação de Múcio, a Câmara poderá ser provocada a se pronunciar sobre um ato de ofício da presidente – o que abre margem para um pedido de impeachment. Apesar de não querer adiantar seu posicionamento, em entrevista à ISTOÉ, Nardes deu pistas de que poderá acompanhar o relator. Disse que o voto do ministro “foi representativo e importante” e que o governo fez um “arranjo para viabilizar a administração pública com uma série de irregularidades”. “Nas contas do ano passado, em vez de superávit, nós teríamos um déficit de R$ 30 bilhões”, afirmou Nardes.
"Pessoas que estavam na expecta-tiva de avanços se sentiram, após a
eleição, desencan-tadas pelas medidas tomadas pelo governo"
A presidente Dilma Rousseff desrespeitou a Lei de Responsabilidade Fiscal?
A Lei de Responsabilidade Fiscal tem que valer para todo mundo, os estados, os municípios e a União. Por isso, o voto do ministro José Múcio sobre as pedaladas fiscais foi representativo e importante para que nós não apliquemos a lei só para estados e municípios, mas também para a União. Isso é um fato novo que o tribunal está avançando. Cada vez mais vamos fazer auditorias financeiras. A forma como foi conduzida a articulação do superávit no ano passado deixa claro e evidente que o governo fez um arranjo para viabilizar a administração pública, mas como uma série de irregularidades.
Então as “pedaladas fiscais” terão peso determinante no seu relatório sobre as contas do governo Dilma Rousseff em 2014?
Vou avaliar a questão da governança e também as ilegalidades que, eventualmente, tenham ocorrido. O tribunal tem alertado sobre o déficit em relação às pedaladas e à Previdência. Eu não posso adiantar o que vamos relatar, pois o ministro José Múcio ainda está ouvindo os envolvidos em relação às pedaladas. Eu já havia alertado a presidente Dilma, no ano passado, especialmente em relação à questão da Previdência. Parece-me que já estão tomando medidas daquilo que não foi contabilizado. São R$ 2,3 trilhões em relação à parte atuarial da Previdência, que é a diferença entre contribuições e despesas dos próximos 30- 40 anos, que não estavam sendo contabilizados. Nas contas do ano passado, em vez de superávit nós teríamos um déficit de R$ 30 bilhões. Já alertamos isso.
Há elementos para apontar crime de responsabilidade, em caso de rejeição das contas?
Com base nas oitivas é que eu poderei tomar uma decisão mais concreta em relação às pedaladas. Existem indícios, como foi relatado pelo ministro José Múcio, de uma série de irregularidades. Não posso dizer se a proposta será positiva ou negativa em relação às contas do governo. Mas adianto que, além das pedaladas, vou avaliar a questão da competitividade, se o País está avançando.
O TCU vai avaliar também a qualidade da administração pública?
Sim, além da legalidade dos atos estou analisando a boa governança dos ministérios em termos de produtividade. Com os indicadores de governança que estamos criando, poderemos mostrar se a instituição tem a estrutura mínima que pode proporcionar até mesmo um selo de governança. Por exemplo, onde está a avaliação de risco de fazer quatro refinarias ao mesmo tempo? Se nós não mudarmos a estrutura de como governamos, com jeitinho brasileiro e improviso, a Índia vai nos passar. Precisamos do pacto pela governança, além do pacto político, ou vão acontecer novamente problemas como os que estamos enfrentando com a Petrobras. A improvisação leva à situação de desvio e fraude. Quem não se prepara para governar quatro anos só consegue resolver a crise da semana. Assim não se enfrenta os problemas estruturais. As pessoas estão indo para a rua protestar, porque o Estado não consegue entregar os produtos, apesar de o cidadão pagar 36% de impostos. A população não tem retorno.
Os protestos das ruas não são fruto apenas da indignação com o escândalo de corrupção?
Para combater a corrupção temos que melhorar a entrega dos produtos à sociedade. É importante fazer o pacto político. Mas pacto federativo e reforma tributária não são suficientes se não houver o pacto pela governança. As manifestações das ruas são decorrentes da não entrega de boa Educação, boa Segurança, boa Saúde. O Estado não consegue entregar um bom produto para a sociedade. As pessoas que estavam na expectativa de avanços da Nação se sentiram, após a eleição, desencantadas pelas medidas tomadas pelo governo. O momento do País é de resgate da credibilidade. Falta diálogo entre os Três Poderes, diálogo com os Estados, os municípios e diálogo entre a própria estrutura do Executivo. A falta de diálogo é a grande falha da administração pública no Brasil.
O tribunal, hoje, tem um sentimento de “eu avisei” diante do escândalo da Petrobras, que afeta obras reprovadas anteriormente pela corte?
Há sete anos nós temos alertado sobre o sobrepreço em obras da Petrobras. Nós passamos o resultado de nossas auditoras para a Polícia Federal, que foi muito eficiente, mas se baseou em relatórios do tribunal. Depois, as delações premiadas reforçaram aquilo que nós já tínhamos detectado. Se o governo tivesse atendido as recomendações do TCU não haveria hoje a operação Lava Jato. O TCU avançou perante a sociedade. O Brasil tem várias instituições de excelência, mas no governo faltam normas na administração pública e isto facilita a instalação da corrupção. Quando tem má governança a corrupção transita fácil. Sem controle e monitoramento, as consequências são as que estamos vivendo. Dentro da estrutura do Estado, algumas instituições têm que ser preservadas da partilha política – a Petrobras é uma delas. Não se pode colocar todas as instituições dentro da partilha do bolo por apoio político.
O governo falhou na maneira de gerir a Petrobras?
O fato de não termos clareza e transparência nas concorrências e contratações facilita a corrupção. Se tivéssemos definido essa questão lá atrás em relação à legislação e, não somente, através do decreto presidencial, a cartelização teria sido dificultada. Se não houver preocupação do governo em resolver as regras internas, os escândalos podem continuar dentro da Petrobras. Com o mecanismo da carta convite, fica tudo sendo utilizado de forma direcionada.
Se a Petrobras se submetesse à lei de licitações haveria mais controle?
O grande gargalo do Brasil é a falta de planejamento. Fazer às pressas é o que causam aditivos e sobrepreço. A Petrobras está protegida por um decreto presidencial que autoriza a carta convite. No ano passado, foram investidos R$151 bilhões, sendo que R$ 81 bilhões foram da Petrobras. Deste montante, 70% foram aplicados sem licitação. Já conversei com integrantes do governo sobre o assunto. No caso da Petrobras, quando se trata de política externa, faz sentido usar o decreto com o argumento de proteção de mercado. Mas fazer uma refinaria, como a Abreu e Lima, com decreto presidencial dá uma abertura para o que aconteceu, especialmente por ter carta convite. O ideal é a Presidência mudar esse decreto. Quando utilizar serviços do País, tem que colocar a Petrobras no mesmo parâmetro das outras estatais. Se não avançarmos nas formas de controle da Petrobras, teremos um novo escândalo.
Para o tribunal, as multas do acordo de leniência do governo com empresas investigadas na Lava Jato devem ser calculadas levando em conta o montante de propinas pagas ou o sobrepreço das obras?
Isso vai depender dos termos da delação. Todas as empresas, para fazer o acordo, vão relatar o que ofereceram para os diversos setores envolvidos. O sobrepreço que nós detectamos é de R$ 5 bilhões. Nós tínhamos um debate com as partes interessadas, que negavam o sobrepreço. Diante da situação que estamos agora, pode-se buscar novas informações e tomar uma decisão de forma mais clara. Vai depender das propostas das empresas. Elas têm que declarar um fato novo para fazer acordo.
O governo vai anunciar um pacote de concessões de rodovias, aeroportos e portos que pode chegar a R$ 150 bilhões. As empresas investigadas na Operação Lava Jato poderão concorrer nos leilões públicos?
Enquanto elas não forem transformadas em inidôneas, poderão participar. Mas esse é um processo que vai se arrastar e pode prejudicar a credibilidade das empresas junto aos bancos para se capitalizar e participar do processo. É uma questão que o governo vai ter que avaliar. A Controladoria-Geral da União tem que se debruçar sobre essa questão. O TCU vai monitorar para que haja contribuição dessas empresas, para encontrar um caminho que seja positivo para o Brasil, mas com transparência, para que a sociedade possa acompanhar o que está acontecendo.
Como responsável pelos processos envolvendo a realização dos Jogos de 2016 no TCU, como o senhor avalia a execução das obras das Olimpíadas?
Em agosto, faremos um evento para identificar os gargalos e convocaremos os ministérios envolvidos para debater os problemas. Os investimentos com a Olimpíada chegarão a R$ 38 bilhões e o País tem que ter um resultado disso. Analisar o evento, com um ano de antecedência, pode ajudar para que os gargalos que ainda existam sejam resolvidos. Eu propus auditorias nas áreas de Meio Ambiente, Segurança e aeroportos. Quero verificar se a estrutura aeroportuária melhorou após a Copa do Mundo.