Contribuições declaradas por empreiteiras investigadas saltaram de R$ 87 milhões (em valor atualizado) para R$ 438 milhões em 2014. Nas últimas quatro eleições gerais, elas doaram pelo menos R$ 1,1 bilhão
As empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato alavancaram em cinco vezes o valor de suas doações oficiais a campanhas políticas entre 2002 e 2014. Um salto que supera de longe o crescimento do custo das eleições no mesmo período, que foi de três vezes. Quando Lula e José Serra disputaram a Presidência, essas empresas contribuíram oficialmente com R$ 41 milhões, algo em torno de R$ 87 milhões em valores atualizados pelo Índice de Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE. No ano passado, quando já estavam sob a mira do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, o chamado “clube do bilhão” repassou R$ 438 milhões para campanhas eleitorais, segundo levantamento do Congresso em Foco baseado em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Entre a primeira eleição de Lula (2002) e a reeleição de Dilma (2014), o total declarado por todos os candidatos a presidente, governador, senador e deputado saltou de R$ 798 milhões (R$ 1,6 bilhão, em valores corrigidos) para R$ 5 bilhões. Ou seja, a participação das empreiteiras investigadas na soma total das doações oficiais subiu de 5,4% para 8,7% entre uma eleição e outra, no intervalo de 12 anos.
Desde o início deste século, as empreiteiras investigadas na Lava Jato doaram pelo menos R$ 936 milhões – ou R$ 1,1 bilhão em cifras corrigidas – nas eleições gerais. O dinheiro saiu dos cofres de 12 empreiteiras: OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, UTC Engenharia, Galvão Engenharia, Engevix, Mendes Junior, IESA, Toyo Setal e Promon.
Os dados se referem às doações registradas na Justiça eleitoral por empresas apontadas pelo Ministério Público Federal como integrantes do ‘cartel’ formado, segundo os investigadores, para fraudar licitações, corromper agentes públicos e desviar recursos da Petrobras, entre 2004 e 2012. Com exceção da Camargo Corrêa e da Toyo Setal, cujos executivos fizeram acordo de delação premiada, as outras 14 suspeitas negam participação no esquema. Todas argumentam que as doações eleitorais foram legais.
O montante doado pelo “clube das empreiteiras” a políticos é ainda maior. O levantamento não considerou os repasses feitos em eleições municipais.
Campeãs em doações
As gigantes da construção civil no país foram também as maiores doadoras do grupo. A empresa investigada que fez mais doações no período foi a OAS, com R$ 167 milhões. Em segundo lugar aparece a Queiroz Galvão, com R$ 159 milhões. A Andrade Gutierrez é a terceira colocada, com R$ 156 milhões. Já a Camargo Correia, cujos executivos admitiram em delação premiada ter desembolsado R$ 110 milhões em propina por contratos na Petrobras, declarou ter doado R$ 152 milhões. A lista dos cinco maiores financiadores sob investigação é fechada pela Odebrecht, com R$ 133 milhões. Os repasses foram feitos a candidatos de quase todos os partidos políticos.
Nenhuma eleição registrou maior contribuição das empreiteiras investigadas na Lava Jato do que a de 2010. As doações daquele ano (R$ 393 milhões, ou R$ 505 milhões em valores corrigidos) representaram um aumento de 80% em relação aos valores declarados quatro anos antes. Em 2006, as investigadas contribuíram com R$ 62,2 milhões (R$ 96 milhões em valores corrigidos), segundo informações da Transparência Brasil baseadas no TSE.
Já no ano passado, embora tenha havido aumento no valor nominal das doações declaradas pelas empreiteiras (R$ 438 milhões), o total doado por essas empresas foi R$ 67 milhões inferior quando se aplica o IPCA.
Risco de agravamento
Para o juiz Márlon Reis, este crescimento representa uma tendência de aproximação mais efetiva das empresas com o universo político, independentemente de partido político. “Doações eleitorais já são uma corrupção por si só. A situação irá se agravar caso esse modelo de financiamento perdure”, argumenta o idealizador da Lei da Ficha Limpa e coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Márlon admite que a Justiça terá dificuldades em distinguir quais doações foram legais e quais podem ser enquadradas como propina. Para o juiz, o financiamento eleitoral por empresas privadas, cuja proibição é julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), é nocivo ao país. “Este sistema dificulta a condenação dos culpados, pois é preciso demonstrar a ilicitude do dinheiro e ainda o conhecimento prévio do candidato sobre o crime. O financiamento por empresas é uma verdadeira máquina de lavar dinheiro público”, conclui o magistrado.
Depois de emplacar a Lei da Ficha Limpa, o MCCE , com apoio de outras entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tenta proibir as doações por empresas privadas. Pela proposta do movimento, as contribuições de pessoas jurídicas serão vedadas; só poderá haver repasse de pessoa física, ainda assim, em valor limitado a R$ 700.
Há um ano o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes segura a conclusão do julgamento da ação proposta pela OAB contra o financiamento eleitoral privado. Há maioria para declarar inconstitucional a doação por empresas. Mas o ministro diz não ter pressa para analisar o processo e já declarou que a palavra final sobre o assunto deveria ser dada pelo Congresso Nacional, nas discussões da reforma política.