sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Fernão Lara Mesquita - Que tal chamar Dino x Congresso pelo nome que isso tem

Flávio Gordon: 'Retrospectiva de 2024, o ano em que vivemos em censura'

 

Mesmo após seus métodos ficarem expostos na Vaza Toga, Alexandre de Moraes continuou censurando ao longo de 2024. (Foto: Antonio Augusto/STF)


Como tenho repetido em toda primeira coluna do ano, faço aqui uma retrospectiva dos principais acontecimentos de 2024. O ano que passou foi, sem dúvida, um período difícil para os brasileiros, que sofreram com o endurecimento do regime de exceção ora vigente no país, cujo Estado se encontra inteiramente mobilizado e coeso em prol da censura aos cidadãos e da autoproteção da Nomenklatura. Por outro lado, na medida em que recrudesceu nos abusos praticados, o regime brasileiro também ficou mais exposto na esfera internacional, sobretudo nos EUA. Veio desse país, aliás, a notícia mais alvissareira do ano, com a eleição de Donald Trump para a presidência, uma vitória política que, indiretamente, tende a enfraquecer a maquinaria da censura aqui no Brasil.

Como não poderia deixar de ser, aliás, a censura foi um tema recorrente nas minhas colunas de 2024. Na primeira coluna do ano, por exemplo, intitulada “A Seção Brasileira do Complexo Industrial Global da Censura”, eu comentei sobre uma reportagem autorada pelo jornalista investigativo David Ágape, e publicada no portal do jornalista americano Michael Shellenberger, que começou a denunciar os bastidores americanos da censura no Brasil, um fenômeno que eu comecei, doravante, a chamar de A Internacional da Censura. Escrevi então:

“Intitulada ‘FBI, Soros, And Secret Police In Vast Censorship Conspiracy in Brazil’, a matéria dá detalhes concretos sobre um fenômeno que os leitores desta coluna já suspeitavam há tempos: o Brasil ocupa hoje uma posição colonizada e subalterna num grande arranjo supranacional de poder que não seria exagerado chamar de Internacional da Censura. Num tal esquema global de restrição da liberdade de expressão, que abarca as elites política, financeira e comunicacional de boa parte do planeta, e no qual se imiscuem as esferas pública e privada (como bem demonstrou Shellenberger em seu depoimento ao Congresso americano), o partidarismo desavergonhado, truculento e autoritário dos representantes dos nossos tribunais superiores é apenas a ponta do iceberg, e conta com o respaldo de uma série de poderosos atores globais.”


Democracia e democratas de mentira

Na coluna do dia 29 de fevereiro, intitulada “Quando a democracia de ficção perde para a democracia real”, eu analisava o impacto da grande manifestação pela redemocratização ocorrida no dia 25 na Avenida Paulista, e sugeria que aquele exemplo vivo de democracia contrastava com a democracia postiça propalada pelos representantes do regime STF/PT/Rede Globo. Àquela altura, eu notava, o mundo já havia começado a notar o caráter cenográfico da nossa democracia, sobretudo após as declarações antissemitas do mandatário brasileiro e da detenção do jornalista português Sérgio Tavares pela Polícia Federal de Alexandre de Moraes:

“A trama está cada vez mais ridícula e apelativa. Os atores, cada vez mais canastrões. E o roteiro convence cada vez menos gente (...) Mas, se antes eram só os brasileiros os incomodados com uma produção de tão baixa qualidade, que faz tão pouco caso da inteligência do espectador, agora o mundo inteiro parece começar a se dar conta do que acontece por trás das coxias e dos bastidores do nosso teatro (cada vez mais mambembe) de democracia.”


O mundo começou a notar o caráter cenográfico da nossa democracia, sobretudo após as declarações antissemitas de Lula e da detenção do jornalista português Sérgio Tavares pela Polícia Federal

Em 7 de março, por ocasião da eleição fraudulenta na Venezuela, comentei sobre a tentativa desesperada da Globo de distanciar o mandatário brasileiro de Nicolás Maduro, depois que o primeiro se referiu à manifestação da opositora venezuelana María Corina Machado de “choro de perdedor”. Como confirma a notícia recentíssima sobre a presença de representantes do governo brasileiro na “posse” do ditador venezuelano, aquele afastamento, manifesto em declarações ambíguas do descondenado-em-chefe, não passava de farsa. Como escrevi naquele contexto:

“Que Lula esteja se empenhando tanto em falsificar a imagem de Maduro e apresentá-lo como um democrata não deveria escandalizar um grupo de mídia que tem feito exatamente o mesmo com o mandatário brasileiro. Portanto, o escândalo recém-ostentado pelo jornalismo da Globo parece ser insincero e calculado (...) Merval Pereira e seus companheiros de estúdio querem nos convencer de que o apoio petista ao chavismo é circunstancial e quase acidental. Mas a realidade é que Lula e Maduro são parceiros históricos, comparsas de um mesmo projeto de poder.”

Na coluna do dia 14 de março, eu voltava a falar da repercussão internacional da censura no Brasil, sobretudo no contexto americano, cujo meio político republicano começava a tomar par da nossa situação, o que causava embaraço aos censores tupiniquins:

“Eis que, proveniente do norte, atingiu-nos recentemente uma lufada de realidade que tornou ainda mais difícil a vida dos nossos dublês de democratas. Nos EUA – país que, apesar do esforço em contrário por parte de Joe Biden e do Partido Democrata, ainda é o principal modelo de democracia liberal –, merecem destaque especial dois acontecimentos relativos à situação política no Brasil. O primeiro foi a negativa do governo americano em extraditar Allan dos Santos, perseguido político de Lula e Alexandre de Moraes, que têm movido mundos e fundos junto à administração democrata para arrancar o jornalista do exílio e encarcerá-lo indefinidamente numa das masmorras do regime, nas quais já morreram dois presos políticos. O segundo foi a comitiva formada por parlamentares e jornalistas brasileiros exilados na América, que conseguiram estabelecer importantes contatos com congressistas americanos e denunciar o regime de exceção ora vigente no Brasil. A repercussão foi tanta que até Elon Musk chegou a se mostrar alarmado com a situação dos perseguidos políticos no Brasil.”


Os métodos dos censores começam a vir à luz

Ainda no contexto de crescente exposição da censura brasileira nos EUA, dediquei a coluna do dia 4 de abril ao recém-revelado escândalo dos Twitter Files Brazil, que escancaravam a participação do deep state americano no fomento à violação de direitos humanos no Brasil. Escrevi:

“Esses e muitos outros abusos de autoridade e violações de direitos humanos fundamentais foram revelados ontem, dia 3, pelo jornalista americano Michael Shellenberger, em colaboração com os brasileiros David Ágape e Eli Vieira, no que ficou conhecido como os Twitter Files Brazil. Embora as revelações não cheguem a surpreender quem esteve atento à realidade brasileira dos últimos anos, elas trazem uma prova material concreta de como tem operado o complexo industrial da censura em terras brasileiras, e a que ponto as instituições do Estado foram instrumentalizadas para a perseguição ditatorial contra um lado do espectro político – no caso, a direita (...) Independentemente das consequências que as revelações de agora possam ter – e, diante da completa captura das instituições por parte do regime, tenho pouquíssimas esperanças que tenham –, fico feliz de que, ao menos, a verdade vai sendo revelada. E a revelação da verdade é um fim em si mesmo. A ditadura vai sendo cada vez mais escancarada, e o preço moral de sua manutenção vai ficando cada vez mais alto para os seus íderes, apoiadores e chanceladores por omissão.”

Na terrível tragédia do Rio Grande do Sul, o governo federal esteve mais preocupado em se autopromover e em censurar informações verdadeiras do que em fazer algo de efetivo

É a partir da publicação dos Twitter Files Brazil que Elon Musk começa a ingressar com mais vigor no debate político brasileiro. É do que trato na coluna do dia 12 de abril:

“O ingresso de Elon Musk na guerra entre os defensores da liberdade de expressão contra os entusiastas da censura no Brasil provocou um verdadeiro abalo nos até então autoconfiantes expoentes do regime de exceção ora vigente. Diante da exposição mundial da maquinaria de censura política montada pela esquerda (e, por mais excêntrico que isso possa soar, isso inclui a suprema corte brasileira) contra a direita no país, os que foram expostos reagiram de modo paranoico e provinciano, logo articulando teorias da conspiração sobre uma suposta trama da ‘extrema-direita’ mundial e aconchegando-se no terreno alienante dos autoelogios e da bajulação mútua entre pares.”

Por “terreno alienante dos autoelogios e da bajulação mútua entre pares”, eu referia-me à opinião de Gilmar Mendes segundo a qual Alexandre de Moraes é “um orgulho para a nação”, opinião que ele repetiu há alguns dias, apesar de, mais uma vez, ela contrariar o que mostram as pesquisas e o clima de opinião geral no país, como atesta o mais recente editorial do Estadão sobre a queda livre da credibilidade do STF.

Na coluna de 18 de abril, tratei do relatório sobre a censura no Brasil publicado pelo Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA. Abordei, mais particularmente, o meu caso pessoal de censura em 2022, de cujas razões (ou pretextos) eu finalmente tomava conhecimento por meio de um órgão estrangeiro. Escrevi:

“E o meu nome consta no documento, ali entre as páginas 396 e 405, permitindo-me afinal, quase dois anos depois de aplicação da penalidade, conhecer o teor dos ‘crimes’ de opinião de que fui acusado, e pelos quais, na época, tive o meu perfil no Twitter (hoje X) sumariamente excluído (...) Ao fim e ao cabo, foi-me vedado o direito e o exercício de cidadania de argumentar em favor do voto impresso auditável e de criticar a condução do processo eleitoral por parte dos servidores públicos responsáveis, os quais, ao contrário do que parecem imaginar, não são donos do processo eleitoral, nem tampouco editores da sociedade. E, não fosse a circunstância excepcional da divulgação das ordens sigilosas por parte de um órgão estatal estrangeiro, eu continuaria ignorante sobre a razão da minha censura, bem como indefeso ante as pechas injuriosas a mim atribuídas, com o auxílio de uma imprensa submissa, por agentes do Estado brasileiro.”

Em maio, tivemos a terrível tragédia no Rio Grande do Sul. O grande destaque negativo foi o comportamento do governo federal brasileiro, mais preocupado em se autopromover e em censurar informações verdadeiras sobre as ações particulares de ajuda humanitária do que em fazer algo de efetivo. Observei na ocasião:

“A tragédia das enchentes no Sul do país deixou algo muito claro: o Estado brasileiro não é apenas ineficaz. Não peca apenas por omissão. Demonstra um ódio ativo à eficácia e à boa ação dos particulares. Em termos morais, o Estado brasileiro não se contenta em ser mau. Nutre ódio pelos bons. O Estado ressente-se da caridade particular, e busca uma vingança contra os que praticam o bem.”

A lógica defensiva utilizada pelo consórcio PT-STF para supostamente “preservar a democracia” foi similar à que os nazistas utilizaram para “proteger o Reich e o povo alemães”

O fato mais marcante do mês de julho foi o atentado contra Donald Trump, interpretado por ele e por apoiadores como um milagre. Na coluna do dia 18 de julho, aproveitei o ocorrido para discorrer sobre a recorrência da ideia de Providência na história política americana. Escrevi então:

“No dia seguinte ao atentado, Donald Trump foi à sua rede Truth Social para agradecer aos que rezaram por sua vida e defender a tese do milagre: ‘Agradeço a todos pelos pensamentos e orações de ontem, pois foi somente Deus quem impediu que o impensável acontecesse’. Ou seja, Trump, o cristão, interpretou o ocorrido como tantos outros compatriotas e companheiros de credo religioso – como uma intervenção divina. Mas, longe de ser uma mera expressão individual de fé, sua postagem também refletiu uma dimensão cultural profunda, inserindo-se na longa tradição americana de interpretar a história do país como sendo inerentemente marcada pela Providência.”

Em 25 de julho, fiz uma comparação entre o aproveitamento lulopetista do 8 de janeiro de 2023 e o uso político que os nazistas fizeram do famigerado incêndio do Reichstag, ocorrido em 27 de fevereiro de 1933. Procurei demonstrar como, mutatis mutandis, a lógica defensiva utilizada pelo consórcio PT-STF para supostamente “preservar a democracia” foi similar à que os nazistas utilizaram para “proteger o Reich e o povo alemães”. Em minhas palavras:

“Do ponto de vista do regime lulopetista, o 8 de janeiro tinha de acontecer. Tanto quanto, do ponto de vista dos nacional-socialistas recém-chegados ao poder na Alemanha dos anos 1930, tinha de acontecer o incêndio do Reichstag (...) Há um elemento irredutível de arbitrariedade em toda decisão sobre o que constitui ou não um ‘inimigo’ da democracia. Isso porque a decisão sobre quem excluir da possibilidade de participar do jogo democrático é, no fim das contas, uma decisão sobre as fronteiras da própria comunidade política, a qual não pode ser tomada de forma coerente por procedimentos democráticos e, portanto, não pode ser subsumida sob qualquer norma prévia. Por mais travestida de norma constitucional e preocupação democrática que ela apareça, a lógica ‘defensiva’ é sempre uma questão de arbitrariedade política, cujo objetivo final, longe de proteger algum bem político consagrado, consensual e universal (incluindo a própria democracia), é o de redefinir a comunidade política e dela expurgar os elementos tóxicos – quer sejam os judeus, os kulaks, os burgueses ou... os bolsonaristas.”


Mesmo expostos, os censores dobram a aposta

A coluna do dia 15 de agosto foi a primeira escrita após o escândalo da Vaza-Toga (que estourou no dia 13). Nela, eu descrevi como foi o estilo de golpe de Estado aplicado no Brasil em 2022, e celebremente anunciado pelo petista José Dirceu já em setembro de 2018. Nesse texto, creio ter sido o primeiro no Brasil a adotar o conceito de “golpe de Estado jurídico (ou judicial)” – que eu tomo como uma linha de desenvolvimento possível do gramscismo – para explicar a nossa situação presente. Escrevi:

“Daí que o golpe de Estado jurídico (ou judicial) seja muito mais insidioso e difícil de reverter, uma vez que, menos espalhafatosos que golpistas revolucionários ortodoxos, seus agentes impõem uma nova ordem recorrendo aos símbolos e ao prestígio da ordem antiga, não hesitando, por exemplo, em julgar em favor da censura no ato mesmo de condená-la verbalmente por inconstitucional. O sintoma do golpe de Estado jurídico é a presença quase obsessiva da palavra ‘democracia’ justo na boca dos que subvertem todos os seus institutos tradicionais, a começar pela liberdade de expressão, a isonomia e o devido processo legal (...) Não, o golpe de Estado gramsciano não ocorre com a ousadia da força bruta e o estrondo de canhões, mas com a pusilanimidade dos cochichos e tapinhas no rosto, o tilintar das taças de champanhe, as ações ‘fora dos ritos’ e as risadinhas cúmplices em grupos de WhatsApp.”


O banimento do X do Brasil acentuou ainda mais a exposição do nosso regime aos olhos do mundo

Em setembro, o X foi banido do Brasil por ordem de Alexandre de Moraes. A medida ditatorial colocava o país na infame companhia de regimes totalitários como China, Rússia e Coreia do Norte. Este foi o meu comentário na coluna do dia 5 de setembro:

“Censura! Censura! Censura! Vai ser uma censura legal – pareceu gritar boa parte dos nossos jornalistas e formadores de opinião quando da eclosão do regime de exceção ora vigente no Brasil, cujo episódio mais recente foi o banimento do X por ordem de Alexandre de Moraes, que assim, com uma canetada, censura 20 milhões de brasileiros e coloca o país ao lado de regimes fechados como China, Rússia, Venezuela e Coreia do Norte. Muitos jornalistas brasileiros acreditaram que seria um estado de exceção apenas temporário, mirando alvos bem definidos (os ‘bolsonaristas’), e tudo fizeram para retratar o ditador como uma ‘muralha’ da democracia contra perigosos agressores.”


O banimento do X do Brasil acentuou ainda mais a exposição do nosso regime aos olhos do mundo. Também em setembro, congressistas americanos denunciaram formalmente a censura no Brasil. E esse foi o tema da coluna do dia 19 de setembro:

“Se, internamente, a reação à ditadura instaurada no Brasil por Alexandre de Moraes ainda é tímida e pouco numerosa, ela tem sido muito dura na pátria-mãe da liberdade de expressão, os EUA. Na última terça-feira, por exemplo, a deputada de origem cubana María Elvira Salazar – que, em maio, ficou famosa no Brasil por exibir, ao estilo ‘Wanted!’ do Velho Oeste, uma foto de Alexandre de Moraes em audiência do Comitê de Assuntos Internacionais do Congresso americano para discutir a censura no Brasil – apresentou o projeto de lei intitulado ‘No Censors on our Shores’ (‘Sem censores nas nossas costas’), cujo objetivo é garantir que qualquer ato de censura realizado por funcionários públicos estrangeiros contra cidadãos americanos (como Elon Musk) seja punido com a proibição de entrada no país ou, caso o funcionário esteja em solo norte-americano, com a deportação (...) No dia seguinte, somando-se ao arsenal de críticas à censura no Brasil, um grupo de parlamentares americanos encaminhou uma carta ao Secretário de Estado americano, Antony Blinken, solicitando a revogação dos vistos de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com destaque para Alexandre de Moraes, descrito no documento como ‘ditador totalitário’. Assinada por quatro deputados e um senador (todos do Partido Republicano), a carta afirma que, em função de decisões ilegítimas do STF, dentre elas a suspensão do X, a democracia e a liberdade de expressão estão sob ameaça no Brasil. O documento menciona ainda a partidarização da corte e a prática de lawfare contra conservadores brasileiros, numa ‘perigosa guinada autoritária em uma das maiores democracias do Ocidente’.”


O ano termina com as boas notícias vindas dos EUA

Em novembro, dediquei duas colunas à impressionante ressurreição política de Donald Trump nos EUA. Na primeira delas, do dia 7 de novembro, argumentei que a vitória trumpista significara um mandato popular para desobamizar e ‘desowokizar’ a América. Afirmei:

“Donald Trump é o anti-Obama. É o candidato de uma América que quer voltar a se orgulhar de sua história. Que está farta do divisionismo identitário e da política woke do pensamento. Que quer prosperar, se desenvolver, criar seus filhos tranquilamente, se relacionar espontaneamente com o próximo, rezar... Se, respondendo a um sujeito que gritara ‘Jesus Cristo é o Senhor’ num dos seus comícios, Kamala Harris disse que ele estava no lugar errado, a sociedade americana parece ter enxergado em Donald Trump uma resposta melhor. Ao que parece, era Kamala – herdeira do antiamericanismo obamista – quem estava no país errado.”


A vitória trumpista significou um mandato popular para desobamizar e ‘desowokizar’ a América

Finalmente, dediquei a coluna de 14 de novembro a uma reflexão sobre os possíveis efeitos para o Brasil do projeto político de Trump contra o deep state americano. Escrevi então:

“Durante esse processo, que já está sendo chamado de ‘a vingança de Trump contra o Deep State’, o Brasil bem pode colher algumas consequências políticas interessantes, beneficiando-se indiretamente da drenagem. Afinal, hoje sabemos que ‘o pântano’ americano – em especial a sua corrompida comunidade de inteligência, instrumentalizada pelos democratas para a espionagem interna, a censura e a perseguição política contra adversários – foi o grande sustentáculo e promotor da seção brasileira do Complexo Industrial da Censura. Sim, ao longo de todo o governo de Joe Biden (que, aliás, interferiu diretamente no processo eleitoral de 2022), os nossos censores tiveram as costas quentes.”

Estamos a alguns dias da posse de Trump. Veremos, enfim, o que esse e outros acontecimentos de 2025 nos reservam. E, obviamente, uma avaliação geral do ano terá de esperar a primeira coluna de 2026... Por ora, desejo a todos um ótimo 2025, um ano que exigirá dos brasileiros de bem altas doses de resiliência e sabedoria. Que Deus nos guie!


Flávio Gordon - Fazeta do Povo

Sob o 'cartel Lula-STF', número de pessoas em situação de rua salta 25%

Dado de dezembro de 2023 é 14 vezes maior do que o registrado há 11 anos 



Pessoas em situação de rua se concentram principalmente no Sudeste | Foto: Ev/Unsplash 


O número de pessoas que vivem em situação de rua no Brasil cresceu aproximadamente 25% sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É o que revela um estudo do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

Em dezembro de 2023, havia 261.653 pessoas morando nas ruas. No mesmo período de 2024, esse número saltou para 327.925. O dado mais recente é 14 vezes maior do que o registrado 11 anos atrás, em 2013, quando 22.922 pessoas viviam nas ruas no país. 

O levantamento também revelou que sete de cada 10 pessoas nessa situação não concluíram o ensino fundamental, sendo que 11% são analfabetos. Região Sudeste concentra maior parte de pessoas na rua A Região Sudeste concentra a maior parte da população em situação de rua, com 204.714 pessoas (63% do total). 

O Nordeste vem em seguida, com 47.419 indivíduos, o que representa 14% do total. No Estado de São Paulo, estão 43% de todas as pessoas nessa condição no país — um total de 139.799. O Rio de Janeiro aparece em segundo lugar, com 30.801, seguido por Minas Gerais, com 30.244.

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo informou que, em 2024, cerca de R$ 156 milhões, dos R$ 240 milhões do Fundo Estadual de Assistência Social, foram destinados a serviços de Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade. Os dados para a pesquisa foram coletados a partir do Cadastro Único de Programas Sociais, que inclui beneficiários de iniciativas como o Benefício de Prestação Continuada e o Bolsa Família. 

Os números 03/01/2025, 16:08 Com Lula, número de pessoas em situação de rua salta 25% https://revistaoeste.com/brasil/com-lula-numero-de-pessoas-em-situacao-de-rua-salta-25/ 2/6 ajudam a dimensionar os repasses para os municípios e a identificar populações em situação de vulnerabilidade social. 

Revista Oeste xom Agência Brasil

'Ibovespa volta à Era Dilma', por Carlo Cauti

E mais: os péssimos números da economia brasileira, o crescimento da rede elétrica e o investimento árabe nas faculdades de medicina


Foto: Revista Oeste/IA


Ibovespa encerrou 2024 com uma queda de cerca de 30% se contabilizado em dólares. É o pior desempenho desde 2015, quando o principal índice de valores da Bolsa de São Paulo (B3) chegou a recuar 41%. 

Segundo dados da consultoria Elos Ayta, o resultado consegue ser pior até mesmo que o do primeiro ano da pandemia, 2020, quando a queda do Ibovespa foi de 20,2%. Entre as piores ações do ano está a Magalu, que recuou quase 80% em 2024. Mas todas as empresas do “kit Lula” — Assaí, Lojas Renner e CVC — fecharam o ano em queda livre, perdendo respectivamente 60%, 23% e 54%.

Índices brasileiros no fundo do poço Com o péssimo resultado do Ibovespa, o Brasil chegou ao fim do ano com o pior desempenho entre os principais mercados emergentes do mundo. Além disso, o dólar comercial encerrou o ano a R$ 6,18, acumulando uma alta de quase 30% em 2024. Com isso, o real tornou-se a moeda mais desvalorizada entre os países do G20 e a sexta com maior perda global.


O dólar comercial encerrou o ano a R$ 6,18 | Foto: Shutterstock 

Dólares fogem do Brasil 

 piores resultados do século. Segundo dados do Banco Central, o fluxo cambial total até o fim de dezembro (último dado disponível) foi negativo em quase US$ 16 bilhões. Só em dezembro, mais de US$ 24 bilhões saíram do Brasil. O resultado de 2024 só perde para os anos de 2019 — ano de alta de juros nos EUA — e 2020, primeiro ano de pandemia, quando as saídas líquidas atingiram US$ 45 bilhões e US$ 28 bilhões, respectivamente.

Reservas internacionais caem para US$ 230 bi

A saída de dólares do Brasil está provocando uma forte desvalorização do real. Para tentar conter essa queda do câmbio, o Banco Central está injetando dólares no mercado retirando-os das reservas internacionais. 

Por isso, o nível das reservas registrou uma queda de 8,46% em dezembro, a maior redução mensal da série histórica. 

A maior redução mensal anterior havia sido de 5,32%, em março de 2020, no início da pandemia. 

As reservas passaram de cerca de US$ 363 bilhões no fim de novembro para cerca de US$ 332 bilhões no final de dezembro, o menor nível desde fevereiro de 2023. 

Entretanto, cerca de um terço das reservas brasileiras já está comprometido com operações de swap cambial do Banco Central. Portanto, o Brasil tem cerca de US$ 230 bilhões como reservas líquidas.

 

O Banco Central está injetando dólares no mercado retirando-os das reservas internacionais | Foto: Shutterstock

Quem quer comprar a dívida pública? 

As emissões de títulos realizadas pelo Tesouro Nacional em 2024 somaram R$ 1,35 trilhão. Esse número está abaixo da necessidade de financiamento para o ano prevista no Plano Anual de Financiamento (PAF): R$ 1,42 trilhão. 

O colchão de liquidez no final do ano ficou por volta de de R$ 900 bilhões, inferior aos R$ 982 bilhões do fechamento de 2023. 

No ano passado, os investidores não quiseram adquirir títulos prefixados (LTNs e NTN-Fs), com participação relativa de 23% nas emissões totais, ante 41% (2023) e 36% (2022). Os compradores preferiram papéis pós-fixados — as LFTs —, que chegaram a 65% do total em 2024. Nível bem acima dos 39% de 2023 e 40% de 2022.

 

A Vale arregou

 A Vale sucumbiu às pressões do governo. Aceitou pagar cerca de R$ 17 bilhões para os cofres públicos em troca da repactuação dos contratos de concessão da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM). 

O Executivo estava pressionando a mineradora desde 27 de janeiro de 2024 — o dia seguinte ao da recusa dos acionistas da Vale em ter o exministro Guido Mantega como CEO.

Lula não gostou, e mandou o ministro Renan Filho cobrar quase R$ 26 bilhões questionando uma renovação de ferrovias feita em 2020, durante o governo Bolsonaro. 

A Vale informou que o aporte compreende os investimentos e obrigações previstas para a companhia nos contratos de concessão. Garante também a aplicação de soluções consensuais definitivas 


A-29 Super Tucano, da Embraer | Foto: Reprodução/Redes Sociais



Brasil elétrico

O Brasil alcançou um novo recorde anual de expansão da geração de energia elétrica. 

Segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foram gerados 10.321 megawatts (MW) em 2024. 

No ano passado, foram 283 novas usinas implantadas, das quais 139 solares fotovoltaicas (5.354,17 MW), 115 eólicas (4.045,40 MW), 20 termelétricas (869,70 MW), sete pequenas centrais hidrelétricas (47,50 MW) e duas centrais geradoras hidrelétricas (4,60 MW). 

O consumo no Brasil também não para de subir: o aumento foi de 5,9% no acumulado dos primeiros 11 meses do ano passado em relação a 2023, totalizando 560.302 GWh.


O Brasil alcançou um novo recorde anual de expansão da geração de energia elétrica | Foto: Shutterstock 

O fiasco do Fies

 Entre janeiro e novembro de 2024, apenas 19,15% das 112,1 mil vagas abertas no Fies foram preenchidas. 

Segundo dados que constam no site do FNDE, autarquia do Ministério da Educação (MEC) que administra o programa de financiamento estudantil do governo federal, apenas 21,8 mil contratos foram fechados no período. Em 2023, esse montante tinha sido de 48 mil. 

Mesmo assim, o MEC anunciou um aumento no número de vagas para o Fies para 2025. Disponibilizou R$ 774 milhões para 112.168 novas vagas ao longo dos dois semestres.


Medicina das arábias 

O fundo soberano de Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos), Mubadala Capital, comprou mais uma faculdade brasileira com vagas de medicina. 

Por meio da subsidiária Clariens, que concentra seus negócios no setor, o Mubadala adquiriu o Centro Universitário Imepac em Araguari, município na região de Uberlândia (MG). A entidade tem 219 vagas anuais autorizadas no bacharelado em medicina. 

Em outubro, o Mubadala tinha adquirido outra faculdade de medicina em Minas Gerais, a Inapós, localizada em Pouso Alegre, que oferece 150 vagas para o curso de medicina.


O Dia de Tanure

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) autorizou a compra da rede de supermercados Dia pelo fundo de investimentos Arila, ligado ao investidor baiano Nelson Tanure. 

Entre os possíveis planos de Tanure está uma fusão entre o Dia com o Grupo Pão de Açúcar (GPA), para criar um novo polo do varejo nacional. 

Tanure estaria em conversas preliminares para a compra das ações do Casino na companhia. Casino e GPA negaram as discussões. 


O Cade autorizou a compra da rede de supermercados Dia pelo fundo de investimentos Arila | Foto: Reprodução

Carlo Cauti, Revista Oeste

'Globo e PT: tudo a ver', por Anderson Scardoelli

Com o retorno de Lula ao poder, a emissora da família Marinho já recebeu mais de R$ 250 milhões do governo federal


Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert/PR/Shutterstock


O vídeo viralizou logo depois da confirmação de que Luiz Inácio Lula da Silva havia vencido Jair Bolsonaro no segundo turno da disputa presidencial de 2022

As imagens que circularam pelas redes sociais mostravam jornalistas da TV Globo deixando de lado o alegado apartidarismo para comemorar o êxito do petista. Repórteres, produtores e editores sorriam, batiam palmas e se abraçavam. Houve até quem se arriscasse a dançar em meio à redação. Dois anos depois, ao menos em termos financeiros, a emissora tem novos motivos para gargalhar e vibrar com a volta do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder.




Dados compilados por Oeste a partir de informações disponibilizadas pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) revelam o tamanho da bolada que saiu do bolso dos pagadores de impostos para os cofres do conglomerado de mídia da família Marinho. Desde janeiro de 2023, ocasião em que o PT retomou o comando do Executivo federal, os canais abertos pertencentes à Globo ou aos seus afiliados ganharam R$ 252 milhões. Valor que supera os R$ 242,1 milhões recebidos pelos mesmos veículos de comunicação durante a totalidade dos quatro anos em que Jair Bolsonaro esteve à frente do Palácio do Planalto.

Apesar de a Globo ter emissoras próprias em apenas cinco cidades (Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Belo Horizonte e Recife), a Secom classifica as afiliadas espalhadas por todos os Estados brasileiros como parte do mesmo grupo. 

A deputada federal Rosana Valle (PL-SP) não se surpreende com a quantia milionária repassada à emissora pela equipe do ministrochefe da Secom, o petista Paulo Pimenta. Para ela, que é formada em jornalismo e trabalhou durante 25 anos na TV Tribuna (afiliada da Globo na Baixada Santista), trata-se de estratégia do governo. De acordo com a parlamentar, os repasses vão aumentar, pois vão além da questão meramente comercial. A congressista acredita que o investimento reforça uma aliança de conteúdo. 

“O PT conhece o poder da mídia e, historicamente, sempre investiu, e muito, em veículos de comunicação, principalmente nos que têm boa vontade e alinhamento com o governo petista”, avalia a deputada. “A TV Globo ainda tem audiência e poder junto às camadas mais desassistidas da população, público preferencial do atual governo. Daí o investimento maciço na emissora, que hoje é quase uma porta-voz das posições da gestão federal. Em confronto, inclusive, com quase tudo o que diz respeito ao ex-presidente Jair Bolsonaro e à direita brasileira.” 

Âncoras oficialistas 

A divisão de TV aberta do Grupo Globo não é a única a ter razões para festejar a volta da turma do PT à Secom. Em dois anos, os jornais impressos do conglomerado voltaram a veicular anúncios de órgãos controlados diretamente pelo governo federal. Dessa forma, O Globo, Valor Econômico e outros títulos receberam mais de R$ 900 mil no decorrer dos últimos 24 meses. Sob Bolsonaro, a quantia se limitou a R$ 137 mil — que foram desembolsados em ações publicitárias realizadas em 2019. Depois, a fonte secou.


Paulo Pimenta e Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

 



Gráfico de comparação de verba estatal | Ilustração: Revista Oeste 


A elevação de verba publicitária por parte do governo federal se relaciona com a conduta editorial do Grupo Globo, conforme indica Rosana Valle. Ainda em meio ao processo eleitoral de 2022, o âncora William Bonner disse durante edição do Jornal Nacional que Lula, que havia sido condenado em três instâncias, “não devia nada à Justiça”. Em junho de 2023, a empresa contratou Daniela Lima, a apresentadora que um dia depois da eleição do petista afirmou que o povo voltaria a comer picanha, a se vestir bem e a “transformar” aeroportos em rodoviárias. Hoje, a mesma Daniela Lima dá risada ao dizer que recebe figurinha de ministro de Estado no WhatsApp e usa o microfone da GloboNews para culpar memes de redes sociais pela alta do dólar — hipótese que o mais novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, negou publicamente.


 



Público em fuga O aumento do dinheiro que a Secom injeta na TV Globo contrasta com a queda de audiência da emissora, tanto no jornalismo quanto em outros segmentos da programação. O Jornal Nacional, por exemplo, perdeu 41% do público na Região Metropolitana de São Paulo em duas décadas, indo da média de 39,8 pontos no Ibope em 2004 para 24 pontos em 2023. O que era ruim para o noticiário apresentado por William Bonner e Renata Vasconcellos ficou ainda pior. Neste ano, a média do programa é de 23 pontos na Grande São Paulo, principal praça para o mercado publicitário. Na região, cada ponto do Ibope equivale a 200 mil telespectadores. 

Na teledramaturgia, o fiasco de audiência também se faz presente. O episódio de Mania de Você exibido na véspera de Natal deste ano entrou de forma negativa para a história do canal. Com 14,1 pontos de média na Região Metropolitana de São Paulo, foi o pior Ibope para uma telenovela das 21 horas. 

Nas demais mídias, a fuga de público prossegue. A GloboNews, que se gaba por ser o canal de notícias mais assistido da TV paga, tem média diária de apenas 0,33 ponto no Painel Nacional de Televisão — indicador aferido pela Kantar Ibope Media. Na Grande São Paulo, a CBN ocupa somente a 19ª posição no quesito audiência entre as emissoras radiofônicas, conforme o site Tudo Rádio. Além disso, a versão impressa do jornal O Globo continua a encolher. A circulação foi de 130 mil exemplares diários em 2017 para 53 mil em 2023, segundo registros do portal Poder360. É uma queda de praticamente 60% no período de seis anos.


Exemplar do jornal O Globo p- Foto: Reprodução


Perdendo audiência, o Grupo Globo lida com a diminuição de suas estruturas operacionais. Em abril do ano passado, mais de 30 jornalistas foram demitidos de uma só vez da TV. Sete meses depois, nova demissão em massa assombrou o conglomerado, com ao menos 20 profissionais dispensados da CBN e da Editora Globo (que responde pelos jornais e pelas revistas do conglomerado). Desde janeiro de 2023, atores e atrizes também deixaram de fazer parte do time de contratados da empresa. Deborah Secco, Antônio Fagundes, Flávia Alessandra e Paolla Oliveira são alguns dos exemplos. 

O violão do ministro 

A repórter Giovana Teles foi uma das demitidas pela Globo em abril de 2023. Na sequência, em julho, ganhou cargo no governo Lula. Ela passou a trabalhar como assessora de imprensa da Secretaria-Geral da Presidência da República. A jornalista, entretanto, não foi a única a 03/01/2025, 15:04 Globo e PT: tudo a ver - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-250/globo-e-pt-tudo-a-ver/ 8/12 fazer o caminho de sair do grupo da família Marinho para se aventurar no poder público. Dispensada da emissora em 2021, depois de 46 anos, a apresentadora Cissa Guimarães foi contratada pela TV Brasil (canal público que integra a Empresa Brasil de Comunicação, a EBC) em janeiro de 2024, com direito a salário de R$ 70 mil — além de R$ 16 mil mensais para o maquiador dela. 

Também fora da Globo desde 2021, o jornalista Marcos Uchôa foi outro a figurar na lista de contratados da EBC. Inicialmente, em junho do ano passado, ele serviu como “escada” de Lula na apresentação do videocast Conversa com o Presidente. A estreia do programa, que foi descontinuado meses depois, foi marcada por uma fake news. Ao portal UOL, o comunicador afirmou que a atração tinha alcançado 1,5 milhão de pessoas de forma simultânea. No dia, entretanto, a audiência somava menos de 90 mil visualizações no YouTube. Depois, em agosto do mesmo ano, ele ganhou programa na TV Brasil, em cobertura que, basicamente, mostrava as viagens internacionais de Lula. Com salário na casa dos R$ 14 mil, Uchôa deixou a EBC em fevereiro deste ano.




Num país que enfrenta cotação do dólar acima dos R$ 6, alta da inflação e rombo nas contas públicas, resta aguardar uma certa comentarista explicar que o povo precisa “entender como é bom” o governo Lula injetar milhões de reais em veículos do Grupo Globo e usar o dinheiro dos pagadores de impostos para bancar as contratações de ex-globais. No mais novo “padrão Globo de qualidade”, no qual jornalista abre o sorriso ao pedir para o ministro da Fazenda tocar violão, não é difícil imaginar uma submissão dessa.




Anderson Scardoelli - Revista Oeste

Ana Paula Henkel - Um simples 2025

Precisamos aprender a priorizar o que realmente importa — relacionamentos, criatividade e os momentos tranquilos que dão riqueza à vida


Foto: Revista Oeste/IA


E assim entramos em mais um ano que se inicia com os costumeiros votos de “saúde, paz e prosperidade”. Votos que são acompanhados de postagens nas redes sociais no momento exato em que o calendário vira para 2025. Fotos do momento em que 2024 ficou para trás inundam os perfis de milhões de pessoas sorridentes desejando que o novo ciclo seja coberto de “saúde, paz e prosperidade”. 

E é o que também desejo para todos nós.

Mas, nos ponteiros frescos de 2025, vou desejar que o relógio, mesmo jamais parando, não deixe que o tempo escorra por entre nossos dedos. 

Na luz das telas, onde notificações incessantes e páginas quase infinitas exigem nossa máxima atenção, os dias se tornaram um borrão de ocupação sem propósito. Até na passagem de um ano para outro. No belo e útil advento da internet, o importante virou postar, mostrar, saber e opinar sobre as últimas notícias, sobre o que está “agitando as redes sociais”, sobre mostrar — e não preservar. 




É claro que estar bem informado é essencial. Foram muitos anos de manipulação, narrativas, controle. Informação é conhecimento. Mas apenas informação é sabedoria?

Houve um tempo em que os momentos em que mergulhávamos na verdadeira sabedoria eram valorizados — conversas se prolongavam, refeições eram compartilhadas sem distrações, e os pores do sol eram apreciados. Juízo, temperança e bom senso eram passados sem o açodamento dos olhos procurando o celular na cozinha, na sala, no banheiro. 

Hoje, o rolar interminável das redes sociais consome horas nos prendendo a um mundo digital que frequentemente é ocupado, vibrante, intenso — mas profundamente vazio. A ironia é cruel: estamos mais conectados do que nunca, mas nos sentimos mais solitários, esperando pela profundidade de conexões reais que parecem cada vez mais distantes.


Foto: Shutterstock 

E a cada clique uma oportunidade é perdida — um livro não foi lido, um passeio foi adiado, um sonho não foi iniciado ou foi deixado de lado por falta de tempo ou planejamento. O peso dessa constatação é profundo, mas o ciclo persiste. As redes sociais, com sua promessa de escape e distração imediata, tornaram-se ladrões do nosso recurso mais precioso: o momento, o hoje, o instante que não volta mais. Nunca mais. Elas roubaram os espaços tranquilos onde a criatividade e a reflexão florescem, deixando-nos com uma sensação constante de que precisamos de “mais, mais e mais”. A maquiagem do momento, uma casa maior, uma viagem, um novo amor, uma nova vida… “apagar tudo e começar de novo”. A tragédia não está apenas nas horas que perdemos, mas na vida que esquecemos de viver enquanto a vibrante tapeçaria da existência se desvanece, ofuscada pelo brilho frio de uma tela que mostra vidas que não são perfeitas e que não trazem sabedoria. 

Pense por um momento na real tristeza do vício das redes sociais: estamos constantemente on-line, apresentando-nos para uma audiência invisível, mas raramente estamos presentes em nossa própria vida. O mundo digital promete validação, mas frequentemente entrega insegurança. Perseguimos curtidas e comentários, esquecendo o valor inestimável da conexão humana genuína. 

E a perda não é apenas pessoal, é coletiva. Famílias se distanciam enquanto sentam juntas, cada uma absorvida em sua própria bolha digital. Comunidades se enfraquecem à medida que conversas reais dão lugar a interações virtuais. O mundo se move em um ritmo frenético, e sentimos a necessidade de acompanhar tudo, embora a linha de chegada esteja sempre fora de vista. Nessa corrida, trocamos profundidade por velocidade, significado por conveniência, e realização por gratificação efêmera. O resultado é uma sociedade exausta, fragmentada e sempre aguardando algo que não consegue nomear.


Foto: Shutterstock

O que torna essa erosão do tempo ainda mais dolorosa é a ilusão de escolha. Acreditamos estar no controle, que podemos parar a qualquer momento, mas os algoritmos são projetados para nos manter presos — escravos da dopamina. Eles exploram nossa necessidade de novidade, nosso medo de “ficar de fora” e nosso desejo inato de aprovação. E, assim, as horas passam em transe, nossa mente entorpecida por um fluxo interminável de conteúdo que raramente acrescenta significado à nossa vida. Enquanto isso, o mundo lá fora — e, principalmente, dentro de nossa própria casa — continua a girar, oferecendo beleza, conexão e propósito. Se apenas pudéssemos levantar os olhos por tempo suficiente para enxergá-lo… 

Há uma tristeza profunda em perceber que somos os arquitetos de nossa própria distração. As ferramentas que deveriam nos capacitar em muitos aspectos nos escravizaram. Sentimos o peso do tempo escapando, mas não sei se lutamos o suficiente para nos libertarmos, presos em um ciclo de compromissos excessivos e realizações insuficientes.



Esse fenômeno não é novo, mas sua escala e intensidade são sem precedentes. Antes, as distrações eram temporárias; hoje, são onipresentes. Notificações invadem nossas manhãs antes mesmo de sairmos da cama, e as telas nos acompanham até a noite. O ritmo da vida acelera, não porque estamos fazendo coisas mais significativas, mas porque estamos tentando acompanhar um fluxo interminável de conteúdo, grande parte dele descartável. Nossa atenção está tão dispersa que, mesmo quando estamos fisicamente presentes, nossa mente está em outro lugar, consumida por preocupações, atualizações e pela demanda incessante de engajamento. O que acrescentou para a sua vida saber como o fulano ou o beltrano passou a entrada do ano novo?

Recuperar nosso tempo parece uma tarefa monumental em um mundo projetado para roubá-lo. Exige mais do que disciplina, demanda uma mudança de valores. Precisamos aprender a priorizar o que realmente importa — relacionamentos, criatividade e os momentos tranquilos que dão riqueza à vida. Precisamos ter coragem de nos desconectar, não apenas de nossos dispositivos, mas das pressões sociais que equiparam ocupação com valor. Só então podemos começar a reconstruir uma vida que se sinta completa, uma vida onde o tempo não seja um inimigo a ser combatido, mas um presente a ser valorizado. Quando foi a última vez que você disse “fiquei quatro horas conversando com o meu pai [mãe, avô, irmão…]”?

Neste ano, o que mais desejo para cada um de nós é que passemos menos tempo nas redes sociais — quase nada — e mais tempo com a simplicidade, com os pés na terra, com as conversas na cozinha. Desejo-lhe mais abraços nos mais velhos e que suas costas possam sempre encostar em alguma árvore enquanto um livro, aberto entre os capítulos, descansa na grama entre um gole e outro de café. 


Foto: Shutterstock

Desejo, de coração, que sua assembleia de vozes seja feita de homens e mulheres sábios que viveram, que sentiram, que amaram, que sofreram. Que eles possam seguir nos ensinando, longe dos pedestais do Instagram, longe das teorias mirabolantes de sucesso na vida por meio de cursos milagrosos — e perto da nossa alma com lições de humildade. 

Que o seu e o meu 2025 sejam recheados de prosas que falem de amor, de dor, de fé, de reconquista — da vida com todos os seus parágrafos escritos e lidos sem pressa. Desejo que possamos encontrar a sabedoria onde ela está: mergulhada na força da vida simples. Na necessária força da simplicidade. Há épocas em que pensamos mais em nossos pais, mães e mestres que já partiram. Muitos sabem da minha profunda ligação com meu pai por meio de algumas preciosas histórias que já contei. Ele foi muito mais que um pai — foi um mentor, um amigo, um sopro de eterna esperança em meu caminho. As memórias enchem o meu coração e os meus olhos de lágrimas. Cresci vendo o meu pai no lombo de um cavalo, tocando berrante, cozinhando num fogão à lenha, conversando com cachorros, com cavalos e cachoeiras… 




Cresci ouvindo Rolando Boldrin, moda de viola e os “causos da roça” que me seguem até hoje. Então saí de casa, conheci o mundo, mudei de país. Mas nenhuma memória com o meu pai me abandonou. Muito pelo contrário. Elas seguem comigo. É para lá que sigo, até hoje, como uma bússola em tempestades, em tempos de correia, de açodamento, de incertezas. Ali, há um refúgio precioso que ainda molda minha alma — até hoje. Minha identidade e sanidade ainda residem em conversas na cozinha. O melhor divã que alguém pode ter.

Minhas páginas com o meu pai foram construídas com histórias sem pressa. Meu pai me deu tudo o que eu precisava para vencer — TEMPO. Tempo de aprender, tempo de conversar, tempo de agir, tempo de sofrer, tempo de se recolher, tempo de se levantar, tempo de amar e tempo de colher. 

Como ensina nosso sábio Rolando Boldrin, “quem refuga o mundo resmungando passará berrando essa vida marvada”. 

Que o seu novo ano seja rico em verdadeiras riquezas.  


Ana Paula Henkel - Revista Oeste

Augusto Nunes - Moscou é uma festa

Para a colunista da Folha, a capital da Rússia é melhor que Paris em tempo de paz 



Moscou segue iluminada e movimentada, apesar da guerra na Ucrânia, relata a Folha Ilustrada | Foto: Shutterstock


N que ocupava quase uma página e meia da Folha Ilustrada. “MOSCOU ILUMINADA ESPERA POR 2025”, informava a manchete com o endosso do subtítulo: “Apesar da guerra contra a Ucrânia iniciada em 2022, a vida segue praticamente inalterada”. Meu espanto foi abrandado pela dupla que relatava o milagre: Mônica Bergamo e Serguei Monin. (Não conheço Serguei, que se apresenta nas redes sociais como correspondente do site Brasil de Fato na Rússia, nas rodas de choro e nos blocos. Ela conheço bem — mais do que desejaria.) 

Redatores de notas curtas não sabem escrever textos corridos. Previsivelmente, o que se vê é um desfile desconexo de parágrafos mal-ajambrados e separados por estrelinhas. É preciso chegar ao quinto para saber que “a coluna foi a Moscou em novembro para entrevistar Dimitri Peskov, porta-voz de Vladimir Putin há duas décadas, e percorreu a metrópole”. Colunas não viajam. São homens e mulheres que embarcam em aviões e se hospedam em hotéis. Serguei mora na Rússia ou em São Paulo? Sozinha ou acompanhada, Mônica foi à Rússia a convite ou patrocinada pelo próprio jornal? Nesta hipótese, a Folha de S.Paulo merece um 10 com louvor no quesito desperdício com excursões inúteis

Notícia publicada na Folha de S.Paulo (29/12/2024) | Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

Entrevistar Vladimir Putin é uma coisa. A caricatura de czar mente mais do que respira, mas um bom jornalista sabe desmascarar farsantes valendo-se apenas de perguntas. Entrevistar porta-voz é outra coisa. Quem exerce esse tipo de ofício não tem opinião pessoal e jamais diz o que pensa ou acha de coisa alguma. É uma voz sem direito a pensamento próprio. O texto não informa se a entrevista foi feita. O conteúdo berra que Mônica virou porta-voz do porta-voz. “A maioria dos brasileiros que sabem que uma pessoa vive em Moscou, ou que visitou a cidade, pergunta antes de mais nada como anda a vida por lá, imaginando que, por causa da guerra, ela é sombria”, afirma o palavrório de abertura antes de estacionar numa estrelinha. 

O segundo parágrafo agrupa perguntas: “As ruas estão desertas? As lojas e os restaurantes estão fechados? Há falta de luz, água? As prateleiras dos supermercados estão vazias? Dá para comprar macarrão, carne? Como os russos de Moscou estão vivendo? Como eles se viram sem cartão de crédito?”. Respostas em português indigente, separadas por uma estrelinha, ocupam os dois bloquinhos seguintes. O primeiro jura que “ruas, restaurantes e lojas estão abertos e cheios”. O segundo celebra o sucesso do cartão de crédito MIR, “criado pelo Banco Central da Rússia em 2015, no contexto das sanções ocidentais contra o país por causa da anexação da Crimeia, e amplamente usado depois da guerra da Ucrânia, quando as bandeiras estrangeiras saíram completamente do país”. 

A colunista se entusiasma com a notícia de que “estrangeiros podem trocar dólares por rublos em dezenas de bancos”. (Lamentavelmente para dez em cada dez forasteiros que cedem à tentação de visitar a Rússia, não é possível trocar rublos por dólares). Ela não revela em que moeda foram financiados os prazeres de que desfrutou em 24 de novembro. Naquele inesquecível domingo de inverno, “com uma sensação de segurança semelhante à que se experimenta nas grandes capitais europeias, graças aos índices de criminalidade baixos se comparados aos das cidades brasileiras, circulei por uma cidade intensamente iluminada”, lembra a viajante. Não porque as festas de fim de ano estavam perto: nessa época, Moscou fica escura já no meio da tarde.

 

Pessoas participam das celebrações de ano novo perto da Torre Spasskaya, do Kremlin, e da Catedral de São Basílio, no centro de Moscou, Rússia (1º/1/2025) | Foto: Reuters/Evgenia Novozhenina

O passeio incluiu o Selfie, “um restaurante de cozinha autoral que recebeu uma estrela do guia Michelin em 2022”. Tal preciosidade gastronômica está alojada “num centro comercial onde há lojas de eletroeletrônicos, casas de vinho e supermercados com prateleiras abastecidas em que se pode encontrar de Coca-Cola a vinhos franceses, passando por batatas Pringles. Um piso abaixo fica uma churrascaria que também estava lotada nesse dia, com mesas ruidosas, algumas delas celebrando aniversários. Mil dias depois do início da guerra, não há racionamento na capital”. Em quatro palavras: vista por uma enviada da Folha, Moscou é uma festa. “É que a cidade é tratada pelo governo como uma fortaleza inexpugnável, que não pode ser abalada de forma alguma pela guerra”, explica a colunista. 

Faltou combinar com os ucranianos, revela o falatório seguinte. “Essa blindagem já foi desafiada. Neste mês, um atentado com um patinetebomba matou um general russo em uma avenida a 7 km do Kremlin. Em maio, um drone atingiu o Palácio do Senado, no Kremlin. Depois disso, o GPS passou a sofrer interrupções no centro da cidade, o que traz um dos poucos inconvenientes da guerra para os moscovitas. Ao chamar um carro por aplicativos, o passageiro provavelmente vai ter problemas para encontrá-lo no endereço indicado. Isso ocorre porque com a instabilidade do sistema que permite a localização com precisão, o motorista acaba estacionando sempre um pouco antes ou um pouco depois do endereço correto. Seguir aplicativos de mapas ficou mais complicado.” 

Um parágrafo confessa que, em relação a 2019, o fluxo de turistas originários da União Europeia e dos Estados Unidos sofreu uma queda superior a 96,1%. A principal culpada foi a pandemia de covid, avisa a colunista. A guerra e suas consequências — suspensão de voos diretos entre Moscou e dezenas de capitais, por exemplo — apenas agravou o que já era preocupante. “Mas em 2023 o turismo russo começou a se recuperar com o aumento no fluxo de visitantes da China e de países do Oriente Médio”, ressalva Mônica. “Foram emitidos 340 mil vistos estrangeiros para a Rússia, China e Turcomenistão lideram os pedidos.” 

O jornalista americano John Hersey entrevistou meia dúzia de japoneses que haviam sobrevivido à explosão da primeira bomba atômica para escrever o clássico Hiroshima, que transporta qualquer leitor sensível para o mais trágico momento da História. Para reconstruir a Moscou das fantasias de Putin, a dupla da Folha precisou de um único e escasso russo: Andrei Tikhamerov, dono de uma loja de produtos de cerâmica. Trecho do depoimento: “Nunca contamos muito com os turistas, porque eles vinham mas compravam pouco. Agora surgiram turistas árabes em grande quantidade, e eles querem comprar pequenas xícaras de café”. Uma estrelinha interrompe o relato para enfeitá-lo com um aparte da entrevistadora: “As vendas seguem, a vida segue”.

Outra estrelinha e Tikhamerov prossegue: “As pessoas já se acostumaram com o conflito. Eu mesmo não notei grandes diferenças. Os carros ficaram mais caros. Meu carro já não está muito bom, e compreendo que não posso adquirir um novo. É preciso consertar o antigo, dirigir com o que se tem. Minha vida quase mudou”. Estaria à beira da perfeição se não fosse a teimosia dos parentes ucranianos. “Mas o que afinal nos difere? A única diferença é que nós vivemos aqui, vocês vivem aí.” O problema é a propaganda ucraniana, que insiste em enxergar nações distintas onde só existe a Mãe Rússia.



Trecho da coluna de Mônica Bergamo para a Folha de S.Paulo (29/12/2024) - Foto: Reprodução/Folha de S.Paulo

O colosso de vogais e consoantes produzido por Mônica e Serguei tem quase 3 mil palavras. “Guerra” aparece várias vezes. “Invasão”, nenhuma. É a cara do jornalismo estatizado à brasileira. Publica-se o que convém, omite-se o que desagrada ao consórcio no poder. Vale essa narrativa, codinome mais recente da velha versão. Desde Gutenberg, quase sempre há mais de uma, mas a única real é a que se ampara nos fatos. O resto é falsificação gerada por idiotia ou safadeza. Não existe a verdade de cada um. A verdade factual é uma só: é o Ucrânia Guerra Folha de S.Paulo Rússia Vladimir Putin 1 comentário contrário da mentira. Perde tempo quem briga com fatos, que sempre acabam prevalecendo. 

A verdade às vezes desmaia, pode até ficar sepultada por longo tempo. Mas não morre nunca. Sempre ressurge e triunfa. Devotos de seitas lideradas por algum Homem Providencial do momento não sabem disso. 

Nunca souberam. 

Jamais saberão.


Augusto Nunes - Revista Oeste

J.R. Guzzo - A vez da Alemanha

São os europeus que estão pagando, até agora, a maior parte da conta que o pensamento 'progressista' socou na humanidade em geral


 

Manifestação com mais de 10 mil agricultores contra os planos do governo de cortar subsídios e aumentar impostos, no Portão de Brandemburgo, em Berlim, na Alemanha (15/1/2024) | Foto: Shutterstock 


Notícias sobre a morte da Europa vêm sendo publicadas há pelo menos uns 1,5 mil anos — ou, digamos, desde a queda do Império Romano. Sem dúvida, sempre houve certo exagero nisso tudo, levando-se em consideração que a Europa continua viva até hoje, nos mesmos graus de latitude e longitude, e os seus 750 milhões de habitantes nunca tiveram um padrão de vida tão alto quanto o que têm agora. Mas é certo, também, que os europeus estão vivendo uma experiência inédita na história da civilização humana. Depois de resolverem praticamente todos os seus problemas, parecem ter decidido se suicidar socialmente, da economia ao seu conjunto de convicções históricas — ou algo tão parecido com isso, mas tão parecido, que não dá para notar a diferença. 

A Europa dos últimos 25 anos, por decisão de suas elites intelectuais, dos seus milionários e das castas de burocratas que governam o continente através de suas “Uniões Europeias” e outros comissariados transnacionais, tomou uma decisão sem precedentes em sua existência. Resolveu, alegando as novas exigências políticas, sociais, éticas e científicas que teriam surgido no “mundo contemporâneo”, que só poderia sobreviver se parasse de se desenvolver — na economia, na sua capacidade inventiva, na tecnologia, na criatividade individual e na produção. O resultado é que começou a andar para trás. Como preveem as teorias gerais da evolução, o que não se transforma não fica no mesmo lugar: desaparece. 

Que tal começar pelos números? No início do século, as economias dos Estados Unidos e da Europa tinham mais ou menos o mesmo tamanho. Hoje, como lembrou o jornalista alemão Ole Lehmann numa exposição recente, o PIB americano passou dos US$ 25 trilhões — ou seja, 50% a mais que o da Europa. Nesse período, os Estados Unidos criaram, sem intervenção nenhuma de governo e de “investimento público”, nove empresas com valor de US$ 1 trilhão ou mais. A Europa não criou nenhuma. O salário médio para um executivo americano de tecnologia começa em US$ 350 mil por ano — 50% a mais que na Europa, o que torna a carreira para os jovens talentos europeus um beco cuja única saída está na imigração para o mercado de trabalho americano.


Os Estados Unidos criam, e criam cada vez mais rápido, avanços decisivos em inteligência artificial, tecnologia de informação de ponta e comunicações espaciais de última geração. Os governos europeus escrevem, e escrevem cada vez mais, leis para regulamentar a IA, a TI e os satélites. Ficam cheios de regras — e sem nenhum controle sobre os frutos do progresso tecnológico. O mindset, como se diz hoje, vai naturalmente para o saco. Em Berlim, recentemente, uma fábrica estado da arte da Tesla foi acusada pelas elites locais de impor “colonialismo tecnológico” à Alemanha — fizeram tanto barulho que o projeto quase gorou. Empreendedores, em toda a Europa, são descritos e denunciados como “parasitas capitalistas”. 

Há uma torcida intensa pelo fracasso.


Tesla Gigafactory Berlin-Brandenburg, indústria automotiva na Alemanha (26/4/2024) | Foto: Shutterstock 

Dificuldades nos negócios são tidas como punição social. O objetivo das empresas, na visão do trabalhador, é unicamente tirar-lhe sangue, suor e lágrimas. O excesso de leis trabalhistas, a escassez das horas de trabalho e o mandamento religioso de que o maior inimigo do cidadão é a empresa tornam a demissão de empregados uma aventura exorbitante — e a contratação mais ainda. Quem se anima a contratar se está ameaçado de não poder demitir? Para os autocratas que reinam na administração pública, empresas privadas são, basicamente, um mal necessário, a ser combatido com impostos punitivos. É um sistema concebido para destruir riqueza, como resume Lehmann. Os talentos se vão, o investimento é evitado, a inovação morre, a economia não se mexe e o governo, para reagir, baixa mais leis — e começa tudo de novo. 

Essa situação de ponto morto contínuo é consequência de décadas a fio de semeadura e colheita de ideias destrutivas. A mãe de todas elas, que ganhou força de pandemia na virada do século, é a teologia geral da “desconstrução”. Nascida de pais incertos nas universidades mais caras do Primeiro Mundo, ela se transmitiu para as elites culturais, os galhos mais altos da burocracia estatal e as suítes dos presidentes e de outros mandarins de empresas multinacionais — ou, de um modo geral, a tudo que se associa à imagem de “formadores de opinião”. Nunca produziu um átomo de conhecimento real, ou alguma inovação útil para a civilização humana. Em vez disso, concentrou-se em destruir, negar e criminalizar todos os valores racionais do pensamento ocidental. 

A própria palavra “ocidental”, só ela, passou a ser um pecado mortal para quem defende, ou diz defender, essa maneira de ver o mundo. Trata-se do conjunto de ideias, princípios e fundamentos que formam a estrutura da sociedade tal como nós a conhecemos — uma organização humana com raízes na lógica clássica da filosofia grega, na civilização europeia, na religião e na ética judaico-cristãs e na ideia inegociável da liberdade individual. É o respeito à autodeterminação do ser humano, aos direitos naturais que recebe ao nascer e ao primado da lei aprovada pela maioria. É o exercício permanente da autocrítica e em função disso a abertura para as mudanças. É a liberdade de investigar, de pensar e de acreditar. É o direito de se defender dos governos.


Manifestação popular contra o AfD, em Frankfurt, na Alemanha (20/1/2024) | Foto: Shutterstock 

“consciência woke”, nega tudo isso. Sua força motriz é a aplicação do ódio, e não da razão, como instrumento ideológico — ódio ao indivíduo, à existência de classes determinadas pelos méritos pessoais, à família como célula mais potente da sociedade, à liberdade de religião (salvo para o islamismo, que não admite nenhuma outra fé), ao direito de produzir, de inventar e de enriquecer. Da mesma forma, é o ódio à noção de pátria, ou de “lar”. Como diz o filósofo britânico A. Gibson, a “desconstrução” é um exercício de repúdio ao legado cultural de cada um. “É uma ofensiva consolidada e de largo alcance contra a herança histórica, teológica, literária, legal e social que forma o Ocidente moderno”, diz ele. 

A Europa tem sido a principal prejudicada por essa filosofia de destruição. Ela tem sido ativa nas bolhas mais neuróticas dos Estados Unidos, a começar pela mídia, por bilionários diletantes em política e pelas colônias de artistas e conexos. Mas acaba de ser devastada, na vida real, pela vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana, com consequências que devem ter impacto pelo mundo afora. Na Ásia, e para os seus 4,5 bilhões de habitantes, a “desconstrução” não existe — estão mais preocupados, por lá, com a construção, e o planeta inteiro tem visto os resultados disso. No Brasil, vivendo como sempre na pré-história, ainda estamos na fase de roubar o cofre; o que interessa mesmo, aqui, é uma boa Lei Rouanet, os irmãos Batista, ou esses Liras e Pachecos que podem ser encontrados a cada esquina. Sobra a Europa, coitada. 

São os europeus que estão pagando, até agora, a maior parte da conta que o pensamento “progressista” socou na humanidade em geral. Pagam, por exemplo, pela prodigiosa ideia de que a agricultura, ou a produção em massa de alimentos, é um dos principais problemas do mundo de hoje. É a mesma coisa com o paradoxo mental segundo o qual o ser humano tem de consumir menos energia e, por consequência, tem de produzir menos. Não apenas tem de produzir menos energia, sobretudo de origem “fóssil” — tem de reduzir a produção de tudo e, de preferência, eliminar indústrias inteiras, como as do automóvel, dos plásticos ou dos fertilizantes agrícolas. O homem não é mais a medida de todas as coisas. O sujeito da frase, agora, está nos vegetais, nos bichos e nas pedras


Manifestação com tratores agrícolas com o Portão de Brandemburgo ao fundo, em Berlim, na Alemanha (18/12/2023) | Foto: Shutterstock

Criminaliza-se, cada vez mais, a exploração dos recursos naturais da Terra. Bilhões de dólares, e logo serão trilhões, são consumidos no “combate às mudanças do clima” — como se os governos, e o Zé Chiclete que está na fila do ônibus, tivessem a capacidade de evitar uma nova Era do Gelo no “planeta”, ou alguma desgraça qualquer dos tempos em que o homem não produzia uma única arruela de encosto. Tornou-se ilegal dizer que o ser humano se apresenta em dois gêneros, o masculino ou o feminino. É “fascismo” observar que fronteira aberta não é fronteira, ou que as nações têm o direito de recusar a entrada de imigrantes ilegais em seu território. Ser católico praticante, ou ir ao culto evangélico, é ofender a cultura islâmica. 

Seria impossível sustentar a sério isso tudo, e coisas que fazem ainda menos nexo, sem causar desconforto cada vez maior nas sociedades onde os governos se deixaram pautar por um nível tão precário de debates. Nos Estados Unidos já houve uma resposta, como dito acima. A Europa, que mais sofre com as prioridades irracionais, pode estar dando sinais de cansaço. A Itália, entre os países-chave da Comunidade Europeia, já tem um governo que trafega no contrário da corrente destrutiva, e as eleições na França, há poucos meses, deram um choque no mundo woke. A Alemanha é a próxima da lista — e aí já é coisa de cachorro grande, porque se a Alemanha muda a Europa inteira balança.

Já agora em fevereiro, no primeiro grande embate político de 2025, a Alemanha vai ter eleições gerais, pois o atual governo pediu as contas — e a direita, com o apoio de Trump e de Elon Musk, tem chances efetivas de ganhar. Talvez nenhum país da Europa tenha sentido tanto quanto a Alemanha a doença woke. Nenhum povo do mundo, salvo o caso idêntico do Japão, teve tanta competência para se reconstruir como o povo alemão — em 15 anos saiu da ruína absoluta para a posição de potência mundial, coisa que o Brasil não consegue desde 1500. Mas as suas recentes experiências de “ressignificação” política, social e econômica foram um fracasso completo de crítica e sobretudo de público. Vão mal, ao mesmo tempo, a economia, a sociedade e a confiança. 

Falar de problemas da Alemanha num país como o Brasil, onde o sujeito não consegue atravessar uma ponte de rio sem correr risco de vida, sempre soa esquisito, sobretudo para quem escreve. Mas a Alemanha é a Alemanha — a régua lá é muito mais em cima, e fracasso, por mais relativo que seja, é algo de que alemão não ouve falar há 80 anos, desde que a guerra acabou, em 1945. Para os critérios alemães, o país está vivendo uma intolerável desindustrialização. As marcas alemãs — Mercedes-Benz, Porsche, BMW — não estão mais, pela primeira vez na história, no topo indiscutível da qualidade mundial na fabricação de automóveis. A última empresa líder em tecnologia é a SAP, fundada em 1972. Pela primeira vez em seus 90 anos de vida, a Volkswagen planeja fechar fábricas na Alemanha.


Fábrica da Volkswagen em Wolfsburg, na Alemanha (28/9/2023) | Foto: Shutterstock


Os alemães estão pagando preços exorbitantes pela energia, fruto de uma política energética suicida por parte do governo — agravada pelo corte do gás que recebia da Rússia. Siderúrgicas que foram símbolo da potência industrial alemã, como a Thyssen, operam no vermelho. Há falta de trabalhadores qualificados e excesso de imigrantes ineptos. O país não conseguiu aproveitar o mercado interno da China — vão para lá pouco mais de 5% das suas exportações. O custo da burocracia europeia para a Alemanha é próximo aos US$ 150 bilhões por ano — o equivalente a quase metade de todas as exportações do Brasil. A infraestrutura, que já foi a mais perfeita do mundo, dá sinais de desgaste. 

Com esse quadro, e o progressivo esgotamento da paciência dos alemães com posturas ideológicas que não fazem sentido, não há muitas razões para votar pela continuidade do governo “progressista” que levou a Alemanha à situação na qual se encontra. O povo vai dizer em menos de dois meses o que acha disso tudo — e a esquerda mundial, obviamente, já está em crise de nervos com a “ameaça à democracia” na Europa, principalmente quando se considera que lá não existe TSE, nem urnas de perfeição sobrenatural, nem escrutínio secreto dos votos. Vontade da maioria, nessas condições, é um perigo.

J.R. Guzzo, Revista Oeste

'Inocência assassinada', por Cristyan Costa

Preso do 8 de janeiro que tem autismo segue com tornozeleira, mesmo com pedido de absolvição da PGR


Jean de Brito da Silva, de 28 anos, foi preso pela polícia no gramado do Palácio do Planalto enquanto tentava ajudar idosas a se protegerem de bombas de gás - Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste


Incontáveis sacos de lixo amontoados no chão de terra batida, moradias precárias rodeadas de material enferrujado e cheiro de coisa estragada. 


É em meio a esse cenário, em Juara (MT), a pouco mais de 650 quilômetros de Cuiabá, que Jean de Brito da Silva, de 28 anos, tenta restabelecer a vida suspensa em 8 de janeiro de 2023, quando foi preso pela polícia no gramado do Palácio do Planalto enquanto tentava ajudar idosas a se protegerem de bombas de gás. Ele ficou seis meses enjaulado, sem contato com a família, ao lado de outros 12 homens em uma cela apertada na Papuda, em Brasília. Durante esse período, tomou banhos gelados, comeu mal e fez as necessidades fisiológicas na frente de todos. A ProcuradoriaGeral da República (PGR) o denunciou por tentativa de golpe de Estado e dano ao patrimônio, entre outros crimes. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), só deu a “meia liberdade” a Silva em virtude de um laudo robusto publicado pela Revista Oeste, no qual o médico Moacir Toledo diagnosticou o jovem com autismo e deficiência intelectual.


O catador de material reciclado Jean de Brito da Silva, em meio ao seu local de trabalho. Com autismo e deficiência intelectual moderada, ele foi preso durante o 8 de janeiro (10/11/2024) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste


Mesmo diante dessa evidência, desde julho do ano passado Silva é atormentado por uma tornozeleira eletrônica que não lhe permite sequer sair do município. Hoje, sua vida se restringe à casa e ao trabalho de catador de material reciclável. Por causa da meia liberdade, ficou impossibilitado de visitar amigos que moram em outras regiões e o avô doente, que está acamado em uma cidade vizinha. Além disso, o equipamento o proíbe de sair à noite e aos fins de semana. Dessa forma, Silva deixa de ganhar um dinheiro extra proveniente de alguns bicos em festas de aniversário, que ocorrem geralmente aos sábados e domingos e nas quais atua como cuidador de crianças ou salva-vidas — ofício que aprendeu em um curso pago com esforço por seus pais. A tornozeleira faz ainda com que Silva seja alvo de olhares curiosos e chacota de algumas pessoas de Juara, sobretudo aquelas que votaram em Lula na eleição presidencial de 2022. 

“Não bastasse a humilhação que representa essa corrente na canela do meu filho, temos de passar por constrangimentos desse tipo”, desabafou a mãe de Silva, Edna Brito, de 43 anos. “Meu marido orientou a não falar nada a essa gente, até para não criar mais confusão. O melhor a fazer é deixar o tempo resolver. Sei que Deus está no controle de tudo.” Mesmo no calor, Silva opta por usar calça jeans, a fim de esconder a tornozeleira eletrônica.


Silva mostra a tornozeleira eletrônica que usa desde julho do ano passado (10/11/2024) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste


Rumo à capital e de volta para casa

Embora os insultos tenham conotação partidária, Silva não entende muito de política e prefere obedecer ao conselho do pai, José, de não rebater aos ataques, para evitar atritos. “Defendo a família e a religião e sou contra o aborto”, disse o jovem, ao contar por que viajou para Brasília um dia antes dos protestos de 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes em um ônibus que partiu de Juara rumo à capital federal. Sem o conhecimento da família, embarcou a convite de manifestantes, que disseram a ele se tratar de uma viagem em prol de um ato em defesa desses valores. 

Ao chegar ao destino, Silva ficou pouco tempo no Quartel-General do Exército e, quando se deu conta, já havia sido engolido pela onda de verde e amarelo que inundou a Esplanada dos Ministérios. Capturado pelas forças de segurança do Distrito Federal na sequência, mal poderia imaginar que ficaria metade de um ano encarcerado por delitos que nunca cometeu e que não compreende o que representam. 

No período em que permaneceu detido, o autista se comunicou a maior parte do tempo com seus advogados, Silvia Giraldelli e Robson Dupim, que atuam no processo sem cobrar nada. No dia em que Silva deixou a penitenciária, a defesa conseguiu dinheiro, por meio de uma vaquinha organizada com a ajuda de outros advogados do 8 de janeiro, e comprou uma passagem aérea para o retorno à terra natal, onde o pai e o irmão aguardavam no Aeroporto de Sinop, que fica a cerca de 300 quilômetros de Juara. 


Desde o início, Giraldelli e Dupim tentam provar a inocência do autista. Após inúmeros apelos, em fevereiro deste ano a PGR se manifestou a favor da absolvição. No parecer, a procuradoria observou que a defesa de Silva comprovou que ele tem autismo e retardo mental. “Um laudo pericial concluiu que o acusado era, ao tempo dos fatos, totalmente incapaz de entender o caráter ilícito de seus atos e de determinar-se de acordo com tal compreensão”, constatou a PGR, no documento. “A manifestação é pela absolvição imprópria, haja vista o reconhecimento da inimputabilidade de Jean de Brito da Silva, aplicando-se a medida de segurança prevista no art. 96, II, considerando o disposto no art. 42, ambos do Código Penal.” Moraes, contudo, permanece inerte nesse processo.



Miséria 

Somado aos problemas psicológicos, Silva sofre com dificuldades financeiras. Ele e a família composta de outras seis pessoas, que incluem os pais, irmãos, cunhada e tio, recolhem reciclados em Juara para vender. Tudo é feito no próprio terreno onde moram, do despejo ao produto final, em uma máquina de prensar. A jornada de trabalho, que ultrapassa as oito horas de um regime CLT, não é nada recompensadora. Como nem sempre há material que pode ser reaproveitado, Silva e seus parentes passam meses ganhando bem pouco. Quando há períodos generosos, arrecadam entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. Administrada pelo pai, a quantia é repartida entre todos


Silva e sua família (10/11/2024) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste


A falta de recursos se reflete nas condições das residências. A casa onde Silva mora com a mãe e o pai, por exemplo, é feita de madeira velha, que sustenta telhas quebradas por onde penetra a água da chuva, estragando os móveis. Há dias em que a terra do chão sem piso fica encharcada. No quarto de Silva, a mobília também é bastante rudimentar. No banheiro, que fica do lado de fora da casa, existe um vaso sanitário e um chuveiro, mas não há saneamento básico. A família usa água de poço e despeja os dejetos numa fossa. Para ter ideia da situação de miserabilidade, a energia elétrica chegou à família pouco mais de um ano atrás. Eles pagaram R$ 2,5 mil por um transformador capaz de levar luz às casas, sem qualquer ajuda do poder público. Antes disso, usavam lâmpadas a óleo para iluminar o local.

 

O catador de material reciclado Jean de Brito da Silva, em frente à sua casa, em Juara (MT), a pouco mais de 650 quilômetros da capital Cuiabá (10/11/2024) | Foto: Cristyan Costa/Revista Oeste




Falta dinheiro até para comprar comida. Por isso, a família conta com a ajuda de uma igreja evangélica que, quando possível, doa algumas cestas básicas. Os Silva também criam algumas galinhas para terem ovos e, às vezes, a própria carne dos animais. Elas ciscam livremente e deixam rastros de fezes no local onde também brincam os sobrinhos pequenos do autista. Em meio a isso, a mãe lamenta não ter condições de comprar todos os medicamentos necessários para os problemas cardíacos que tem, visto que nem todos podem ser adquiridos por meio do Programa Farmácia Popular. 

“Quando sinto dores, interrompo o serviço e descanso um pouco”, conta Edna. “Porém, isso atrapalha na nossa dinâmica porque, na falta de braços, o trabalho fica dobrado. Esse trabalho é braçal.” A reivindicação principal do autista e de sua família é remover, quanto antes, a tornozeleira que os perturba diariamente. “Só quero tocar a minha vida ao lado dos meus parentes, e em paz”, disse Silva.

 Esse também é o sonho de outras centenas de condenados e de gente que ainda aguarda julgamento por causa do 8 de janeiro. O STF já condenou 310 manifestantes a penas que chegam a 17 anos. Aproximadamente 500 firmaram o acordo de não persecução penal (ANPP) da PGR, no desespero para deixar o inferno que os atormenta todos os dias. Esse acordo prevê a confissão de crimes, o pagamento de multa que pode chegar a R$ 5 mil e a realização de um “curso da democracia”. 



Além de Silva, o grupo de “golpistas do STF” inclui a aposentada Vildete Ferreira, de 73 anos, sentenciada a 12 anos em regime fechado, a diretora de escola Iraci Nagoshi, 71 anos, condenada a 14, e a dona de casa Adalgiza Dourado, 64, que cumprirá 16 anos e meio de prisão. É para esse tipo de gente que os ministros do STF, jornalistas estatizados, artistas e intelectuais gritam as palavras “sem anistia”. Enquanto condenar esses “criminosos” por ameaça à democracia, o Brasil jamais será um país verdadeiramente democrático.


Revista Oeste, por Cristyan Costa