domingo, 28 de dezembro de 2025
Deputados federais fizeram 388 viagens em ‘missão oficial’ este ano - O cartel lula-stf-globolixo segue o bacanal... Comunista Orlando Silva (SP) e o petista Pedro Uczai (SC) são os mais esbanjadores da grana dos pagadores de impostos
Plenário da Câmara dos Deputados. (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
Justificativa para bem-bom custeado pelo pagador de impostos, deputados desfrutaram de 388 onerosas “missões oficiais” ao longo deste ano, a maioria em belíssimos lugares no exterior, como Estados Unidos e Europa. No topo, dois governistas: o comunista Orlando Silva (SP) e o petista Pedro Uczai (SC), com nove viagens cada um. Orlando acumula destinos como Lisboa (Portugal), Londres (Inglaterra), Bruxelas (Bélgica), Hanói (Vietnã) e maravilhas nacionais, no litoral do Nordeste.
Entre junho e julho, quando passou bons dias em missão na Europa, o comunista nos custou R$8,8 mil em passagens e R$12,1 mil em diárias.
Das nove viagens, o petista dedicou oito em rolês pelo Brasil. A exceção foi no fim de janeiro, quando passou três dias em Havana (Cuba).
Em Cuba, Uczai participou do seminário “Construindo a Nova Ordem Mundial Internacional”. Passagens de R$2,8 mil e R$9,3 mil em diárias.
A farra das “missões” não faz distinção partidária ou de espectro político. Foram 199 os deputados que desfrutaram da benesse este ano.
Diário do Poder
sábado, 27 de dezembro de 2025
A pisada na bola das Havaianas, por Dagomir Marquezi
Outras campanhas publicitárias do passado recente caíram no mesmo catastrófico erro
O debate político no Brasil chegou ao chinelo. Há alguns dias não se fala de outra coisa. A campanha publicitária das sandálias Havaianas virou a grande pauta das redes sociais. Uma campanha de boicote se espalhou pelo país. Memes e imagens de sandálias da marca sendo jogadas no lixo lotaram o X/Twitter.
Segundo o site InfoMoney, a indignação deu certo, pelo menos temporariamente: “Na segunda-feira (22), as ações ALPA4 fecharam com queda de 2,39%, a R$ 11,44, enquanto ALPA3 caiu 1,66%, a R$ 10,08. Isso representou uma redução de cerca de R$ 152 milhões em valor de mercado, segundo a Elos Ayta Consultoria”. Mas na terça, 23, já estavam se recuperando da perda.
A causa para o furor, a essa altura, todos sabem. A atriz Fernanda Torres entra em cena sentada numa cadeira, dizendo: “Desculpe, mas eu não quero que você entre em 2026 com o pé direito”. E então vinha o discurso que não é nada contra a sorte, e que o seu desejo era que o espectador entrasse com os dois pés etc.
Os ícones do Brasil brilham pelo mundo, mas gostoso mesmo é estar aqui de havaianas. Todo mundo usa. Todo mundo ama. #ParaTodosVerem o vídeo mostra Fernanda Torres conversando com pessoas na praia, ela usa um par de havaianas Brasil Logo na cor azul. View all 3,075 comments Add a comment...
A peça logo foi considerada um desastre. E não era obra de amador. Ela foi criada pela agência Galeria, a terceira maior do Brasil, com sede em São Paulo. A Galeria atende megaclientes como o McDonald’s, a Natura, a Vivo e, especialmente, o Banco Itaú. A agência já colocou como astros de suas propagandas o ator Owen Wilson, o campeão da Fórmula 1 Lewis Hamilton e o tenista Rafael Nadal.
A Alpargatas, que fabrica as sandálias, é controlada pelas holdings Itausa e Cambuhy desde 2017. O Banco Itaú vai patrocinar um especial de fim de ano com mãe e filha, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. 5
E Fernanda Torres foi chamada para estrelar a campanha da Alpargatas. Ela, que já havia feito o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, herdeiro do Banco Itaú.
Esse círculo de interesses conectados gera para seus membros uma quantidade de dinheiro que nós, meros compradores de sandálias, não podemos imaginar.
Quanto à propaganda em si: publicidade de sandálias costumava mostrar gente na praia, ou provando que as tiras não se soltam, ou a variedade de padrões. O grande gênio criativo que criou essa peça optou por colocar a atriz fazendo um monótono comício com uma óbvia mensagem subliminar: “Direita em 2026, não”.
Se a mensagem não era tão clara, a escolha da atriz não deixou dúvidas. Uma semana antes do lançamento da campanha, Fernanda Torres estava num palco do Rio de Janeiro para defender uma das causas mais insensíveis, cruéis e desumanas da história do Brasil: a “Sem Anistia” para os presos do 8 de janeiro.
Bolhas nos pés
É uma campanha suicida da Havaianas, então? A lógica seria unir o país inteiro para comprar a sandália, e não dividir por meio de um texto tosco. Unir para vender é o sentido da publicidade. Então, por que a agência Galeria aprontou essa? E, ainda mais incompreensível: por que os donos da empresa Alpargatas aprovaram essa ideia?
A diretora de criação Lizzie Capello deu a seguinte explicação na sua conta do Instagram: “As Havaianas e tantas outras marcas estão dando tiro no pé por causa das bolhas. Vivemos num ecossistema onde algoritmos nos entregam quase que exclusivamente mais do que a gente já curte, mais do que já pensamos, mais do que já concordamos. Isso cria uma ilusão superperigosa: a de que todo mundo pensa igual à gente. E não pensa. Nunca pensou. E nunca vai pensar.
Agências são contratadas para atender demandas claras de negócios. Mas, em algum ponto do caminho, elas decidem colocar crenças pessoais e posicionamentos políticos acima da estratégia da empresa”. Mas afinal, quem manda na campanha?
Segundo Lizzie, “não é o empresário”. Nem o diretor de marketing. E definitivamente não é o departamento criativo. Quem manda de verdade é o cliente. E cliente de direita em geral tem muito mais poder de escolha.
Não porque são melhores ou piores que ninguém, mas porque há muito tempo decidiram não se vitimizar. Elegeram o trabalho como um pilar da vida, expulsaram a preguiça da equação. (…) Subestimar esse público é um erro estratégico grave. Ignorar sua força de conjunto é miopia de mercado. E justamente os que mais falam de inclusão são os primeiros a excluir quem pensa diferente”.
Breve história da publicidade woke
O fenômeno da bolha não é novo. Outras campanhas publicitárias do passado recente caíram no mesmo catastrófico erro. Em 2023, a cerveja Bud Light — geralmente associada a uma cultura de “macho” nos bares e eventos esportivos — resolveu usar a “influenciadora” trans Dylan Mulvaney como “garota” propaganda. Resultado: perda de valor de US$ 5 bilhões para a proprietária da marca, a Anheuser Busch-Inbev.
O lendário carro Jaguar fez a mesma coisa este ano. Com slogans como “crie exuberantemente”, a empresa lançou uma campanha com modelos LGBTQ+ vestidos com roupas bizarras e usando penteados assustadores. Balanço da empresa: nos cinco primeiros meses deste ano, as vendas caíram 77,8% em relação ao ano passado, segundo reportagem de Carlo Cauti.
Em 2021, época em que as fintechs estavam começando a se firmar no Brasil, a co-fundadora do Nubank, Cristina Junqueira, deu uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Uma jornalista militante de esquerda preparou uma armadilha perguntando sobre cotas para negros na instituição. Cristina foi honesta: disse que a empresa tinha seu sistema de cotas, mas que não poderia “nivelar por baixo” o serviço prestado ao cliente.
O inferno caiu sobre sua cabeça. A máquina de destruição de reputações transformou sua frase numa mensagem racista. Cristina foi crucificada em público. E a reação do banco foi a pior possível. De um dia para o outro, todos os modelos usados no aplicativo eram negros — numa rendição publicitária artificial que não tinha nada a ver com a realidade. Piorou: para acalmar a militância, o Nubank contratou para altos cargos os petistas Anitta (salário: pouco menos de R$ 36 milhões em cinco anos) e Emicida.
Ou a direita cria esse contraponto, ou continuaremos vendo a esquerda usando sandálias para passar recados, doutrinando as novas gerações e enriquecendo loucamente.
Também em 2021, a cerveja Heineken lançou uma campanha para que seus consumidores cortassem o consumo de carne durante um dia da semana — o Dia Sem Carne. Associações de pecuaristas reagiram em massa, criando o movimento “Churrasco Sem Heineken”. Logo, a empresa teve que abandonar a campanha. Nesse caso, mesmo quem apoia a causa (e eu sou vegetariano) tem que admitir que publicidade fala com todos os segmentos. Não é lugar para causas.
Outro caso exemplar aconteceu em 2023. A empresa Lacta resolveu fazer campanha do seu tradicional wafer coberto de chocolate Bis, criado em 1942. Entre tantos possíveis modelos para estrelar a campanha, a agência chamou o gamer/influencer/YouTuber Felipe Neto para aparecer com cara de tédio num jatinho executivo. Felipe já tinha se revelado não só um fanático admirador do lulismo, como um dos mais agressivos e grosseiros.
Como no atual caso das sandálias Havaianas, o país se dividiu. Esquerdistas fizeram campanha grátis para o Bis. Quem não gostasse de Bis era “bolsonarista”. Quem se declarava bolsonarista, comia a marca concorrente, o KitKat. Que, por uma dessas ironias da época em que vivemos, havia feito uma campanha radicalmente woke:
A lição de Antonio Gramsci
Toda essa história, que vai do Bis às sandálias Havaianas, revela uma situação que exige uma reflexão sobre o futuro imediato do Brasil. O primeiro fato, patente e óbvio, é que a esquerda tomou todos os espaços culturais do país. Todos, incluindo a produção de entretenimento, a educação e, como vimos, a publicidade. Eles aprenderam a lição do comunista italiano Antonio Gramsci: para se conquistar um país, é preciso conquistar os corações e mentes de seu povo.
É a guerra cultural. E, por enquanto, a esquerda está vencendo de goleada. Eles foram objetivos e disciplinados em criar um vasto aparelhamento que funciona de forma impiedosa e autossustentável. E que não representa a realidade de um país onde pelo menos a metade da população discorda da esquerda e não aguenta mais viver sob o lulismo.
O segundo fato é que quem não concorda com a esquerda não domina quase nada. Temos Oeste, Gazeta do Povo, Brasil Paralelo e algumas poucas ilhas de “resistência”.
E só. A direita está nessa situação porque não costuma pensar em cultura. Não é orgânica. Briga muito nas redes sociais, promove boicotes às marcas ligadas à esquerda, faz manifestações de rua. Mas não ocupa os espaços de produção cultural.
Se a direita quiser um dia virar o jogo de verdade, vai ter que repensar essa atitude. Deve entrar em campo de olho não apenas na próxima eleição ou no impeachment de juízes fora da lei. Precisa conquistar corações e mentes jogando limpo, espalhando suas ideias, produzindo arte e educação conectadas com a realidade do brasileiro comum. Ou a direita cria esse contraponto, ou continuaremos vendo a esquerda usando sandálias para passar recados, doutrinando as novas gerações e enriquecendo loucamente.
Dasgomir Marquezi - Revista Oeste
'Os escudeiros do consórcio Lula-STF', por Sarah Peres
No primeiro ano de comando de Hugo Motta e Davi Alcolumbre, o Congresso atuou como linha auxiliar do Planalto e blindou ministros do Supremo
O s Poderes da República foram concebidos para atuar de forma autônoma e independente, conforme a formulação clássica de Montesquieu sobre o equilíbrio institucional. Em 2025, porém, essa separação mostrou-se mais teórica do que prática no Congresso Nacional. Sob as presidências de Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara, e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), no Senado, o Legislativo organizou uma agenda previsível e controlada, orientada a assegurar ao governo Lula vitórias sucessivas em matérias fiscais, orçamentárias e administrativas.
No primeiro ano da gestão de Hugo Motta e Davi Alcolumbre, Câmara e Senado assumiram papéis complementares em favor do Palácio do Planalto. Na Câmara, projetos de recomposição fiscal — medidas que aumentam a arrecadação por meio de novos impostos, cortes de benefícios ou elevação de tributos já existentes — foram votados com rapidez. No Senado, a atuação foi a de contenção: a Casa funcionou como anteparo para barrar ou segurar propostas que poderiam constranger o governo, além de manter engavetados pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Quando o calendário apertou, na última semana de funcionamento do Legislativo, a dinâmica ficou ainda mais explícita. Bastaram 24 horas para que o discurso público contra o aumento de impostos fosse abandonado em favor de um acordão que elevou as emendas parlamentares ao patamar recorde de R$ 61 bilhões. O saldo político foi inequívoco: um Parlamento eficiente para garantir recursos ao governo e ampliar seu próprio poder orçamentário, mas lento — quando não omisso — diante de demandas populares como a anistia aos presos do 8 de janeiro, o homeschooling, o fim do foro privilegiado e a limitação das decisões monocráticas do STF
O acordão das emendas
Nada simboliza melhor esse alinhamento do que o desfecho orçamentário do próximo ano. Depois de meses de cabo de guerra com o Executivo, em que congressistas diziam resistir a novos aumentos de impostos sob o argumento de que “o brasileiro não aguenta mais pagar a conta do Estado”, o Congresso mudou de posição em tempo recorde. O gatilho foi o interesse corporativo: assegurar R$ 61 bilhões em emendas parlamentares no Orçamento de 2026.
A contrapartida veio com a aprovação, em sequência relâmpago na Câmara e no Senado, de um projeto que reduziu benefícios fiscais federais e elevou a tributação sobre casas de apostas online, fintechs e juros sobre capital próprio. O texto recompôs R$ 22,5 bilhões no Orçamento e permitiu ao governo fechar as contas do próximo ano, ao menos formalmente, dentro da meta fiscal.
A negociação teve participação direta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o resultado foi um Orçamento de R$ 6,5 trilhões, com R$ 61 bilhões em emendas — sendo R$ 37,8 bilhões impositivas —, R$ 5 bilhões reservados ao Fundo Eleitoral e margem fiscal aberta com a retirada dos precatórios das contas. Enquanto isso, o salário mínimo de 2026 ficou abaixo da projeção inicial.
O que ficou pelo caminho
O mesmo Congresso que mostrou agilidade para fechar acordos fiscais e ampliar seu próprio poder orçamentário passou 2025 empurrando com a barriga pautas que mobilizam a sociedade civil. Enquanto projetos de interesse direto do Planalto avançavam em ritmo acelerado, demandas populares foram sendo esvaziadas, diluídas ou simplesmente engavetadas.
O caso mais emblemático foi o da anistia aos manifestantes presos pelo 8 de janeiro. Sob pressão de familiares, protestos de rua e intensa mobilização nas redes sociais, o Congresso chegou a sinalizar a disposição de votar um perdão amplo, geral e irrestrito. O recuo veio em seguida. Em vez de enfrentar o tema de forma direta, o Parlamento optou por um projeto de dosimetria das penas — uma solução intermediária que preservou as decisões já tomadas pelo STF e evitou o desgaste institucional de um confronto aberto com a Corte.
Na prática, a mudança de rota esvaziou a proposta de anistia. Ao substituir o perdão coletivo por ajustes pontuais nas penas, o Congresso transferiu ao próprio Judiciário a palavra final sobre cada caso, frustrou a expectativa criada junto às famílias dos presos e manteve intacta a arquitetura punitiva construída após o 8 de janeiro.
Outro tema deixado em segundo plano foi o homeschooling. Defendido por milhares de famílias e por movimentos organizados que pressionam o Congresso há anos, o ensino domiciliar voltou a ser debatido em audiências e comissões, mas não avançou. Apesar de constar em promessas eleitorais e mobilizar uma base social engajada, o projeto não entrou na lista de prioridades do Legislativo.
Situação semelhante viveu a proposta de fim do foro privilegiado. Bandeira recorrente em campanhas eleitorais e associada ao discurso de combate a privilégios, o projeto sequer entrou na pauta de votações em 2025. A promessa foi, mais uma vez, adiada indefinidamente.
A Casa Alta operou como escudo institucional do governo, barrando projetos incômodos e mantendo engavetados pedidos de impeachment de ministros do STF.
Outro tema deliberadamente deixado de lado foi o fim das decisões monocráticas no STF. Apesar de reiteradas declarações públicas sobre a necessidade de reequilibrar a relação entre os Poderes e conter a concentração excessiva de autoridade em ministros da Corte, o Congresso não avançou na regulamentação do tema.
Propostas que limitam decisões individuais com impacto nacional — frequentemente usadas para suspender leis, barrar atos do Executivo ou interferir diretamente em prerrogativas do Legislativo — permaneceram paralisadas.
A estagnação da pauta reforçou a percepção de um Parlamento que evita enfrentar o Judiciário, optando pela acomodação institucional em vez de exercer seu papel constitucional de freio e contrapeso.
Câmara sob controle
Na Câmara, a condução de Motta foi decisiva para esse resultado. Com habilidade de articulação e apoio do Planalto, o presidente da Casa evitou confrontos diretos e manteve a agenda sob controle de blocos governistas. A previsibilidade das votações tornou-se regra. Projetos do Executivo tramitaram com rapidez, enquanto iniciativas que poderiam gerar um possível mal-estar com o Planalto ou o Supremo foram adiadas ou diluídas. Ao anunciar a votação da então anistia, Motta passou a ser bombardeado pelo Planalto.
Chegou a dar uma declaração direcionada ao Executivo, em que destacou: “Esse Congresso aprovou quase tudo que o governo enviou para apreciação dos congressistas”. E, embora tenha contrariado o governo petista com a votação da pauta, garantiu que o perdão amplo fosse transformado na dosimetria das penas.
Esse papel de operador confiável do governo ganhou contornos ainda mais nítidos no fim do ano, com a indicação do novo ministro do Turismo. Após a demissão de Celso Sabino, Hugo Motta articulou diretamente com o presidente Lula a nomeação de Gustavo Feliciano, em um movimento interpretado nos bastidores como parte de uma estratégia calculada de aproximação com o Palácio do Planalto.
Nos bastidores, a percepção é de que essa articulação do presidente da Câmara está inserida desde já no tabuleiro eleitoral de 2026. Ao oferecer governabilidade no presente, Motta acumula capital político para o futuro, fortalece alianças regionais e constrói as condições para viabilizar a candidatura do pai, Nabor Wanderley, ao Senado. Senado como escudo No Senado,
Davi Alcolumbre exerceu função complementar. Ao longo do ano, a Casa Alta operou como escudo institucional do governo, barrando projetos incômodos e mantendo engavetados pedidos de impeachment de ministros do STF, como Alexandre de Moraes.
A justificativa foi a preservação da harmonia entre os Poderes. Ao encerrar os trabalhos legislativos, Alcolumbre fez questão de reforçar o discurso da convergência: “Mais do que nunca, o Parlamento brasileiro precisa caminhar unido”. A declaração ocorreu em uma celebração da aprovação do Orçamento e da cooperação entre Câmara e Senado.
O alinhamento de Alcolumbre com o Planalto foi quase total até os últimos meses do ano, quando surgiu um ruído relevante: a indicação de Jorge Messias ao Supremo. A ausência de envio formal do nome ao Senado inviabilizou a sabatina e empurrou a decisão para 2026.
Alcolumbre, que desde o início demonstrava preferência por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), viu frustrada a chance de derrotar Messias ainda em 2025. O episódio não representou ruptura com o governo, mas deixou explícita a lógica que regeu a relação ao longo do ano. Ao travar a indicação, Alcolumbre sinalizou que o alinhamento não é automático nem incondicional. Em política, tudo tem um preço — e Lula está sempre disposto a pagar.
Sarah Peres - Rrvista Oeste
A força do silêncio contra a ditadura do ruído, por Ana Paula Henkel
O Natal não exige adesão imediata, não convoca multidões, não disputa narrativas. Ele apenas permanece, ano após ano, lembrando que há verdades que não se revelam no ruído do mundo, mas no recolhimento da consciência
Há algo profundamente desconfortável no Natal para o mundo moderno. Não pela fé em si, exceto para aqueles que desejam distorcer o Cristianismo, mas pelo silêncio que o cerca. Em uma era que exige posicionamento constante, declarações públicas, performances morais e ruído ininterrupto, o nascimento que funda a civilização ocidental acontece sem anúncio, sem multidão, sem aplauso. O maior evento da história humana se dá longe dos palácios, fora do centro político, à margem do poder visível e, sobretudo, em silêncio.
E esse contraste não é acidental. Ele é a chave. No livro A Força do Silêncio, o cardeal Robert Sarah oferece uma das críticas mais profundas e elegantes à modernidade tardia. Não se trata de nostalgia nem de fuga espiritual, mas de um diagnóstico severo: uma civilização que perde o silêncio perde também a capacidade de escutar a verdade, de formar a consciência e de reconhecer limites.
E, sem limites, o poder deixa de ser humano. Não por acaso, o próprio subtítulo da obra é uma declaração sem rodeios: contra a ditadura do ruído. A época do Natal, nesse sentido, não é apenas uma data religiosa. É uma afirmação civilizacional. O mundo contemporâneo associa força à visibilidade. Quem não se manifesta desaparece.
Quem silencia é suspeito. Quem não reage imediatamente é acusado de omissão. Criamos uma cultura em que o barulho constante se confunde com virtude e o recolhimento com fraqueza. Robert Sarah inverte essa lógica. Para ele, o silêncio não é ausência, mas presença. Não é fuga, mas resistência. É no silêncio que o homem se encontra consigo mesmo, e é nesse encontro que nasce a responsabilidade moral. Um indivíduo incapaz de silêncio é facilmente capturado pelo grito coletivo, pela palavra de ordem, pelo espírito do tempo.
Nada disso é novo. O que é novo é a escala. Nunca houve tanto ruído. Nunca foi tão difícil parar. Nunca foi tão raro escutar.
E, no entanto, é exatamente nesse mundo que o Natal reaparece todos os anos como uma interrupção incômoda. Um lembrete silencioso de que o fundamento da nossa civilização não foi um discurso inflamado nem um manifesto político, mas um nascimento escondido, guardado no coração de uma mãe e testemunhado por poucos.
O Natal é a maior inversão de poder da história. Se o Cristianismo fosse uma construção humana, Deus teria nascido em Roma, cercado de legiões, proclamado por éditos e celebrado por monumentos. Mas a narrativa bíblica faz exatamente o oposto: Deus entra no mundo como criança, dependente, vulnerável, sem voz política e sem defesa institucional. Esse gesto carrega uma mensagem que atravessa séculos. O poder verdadeiro não se impõe pelo ruído, mas se sustenta na verdade simples e forte através da vida.
É por isso que regimes autoritários temem o silêncio. O silêncio cria interioridade. A interioridade cria consciência. A consciência estabelece limites. E limites são intoleráveis para sistemas que desejam ocupar tudo: o espaço público, a linguagem, a memória e até o pensamento íntimo. O Natal afirma o contrário. Há algo que nenhum poder pode colonizar. Há um espaço interior que precede o Estado, o partido, a ideologia. E esse espaço nasce no silêncio.
O poder do recolhimento
Os personagens centrais do Natal não discursam. Maria guardava tudo no coração. José age, protege, conduz e não pronuncia uma única palavra nos Evangelhos. Não há slogans, não há reivindicações, não há exigências. Há fidelidade silenciosa, responsabilidade assumida e confiança em algo maior do que a própria compreensão.
O Natal reaparece como escândalo e convite. Ele não pede licença à modernidade.
Essa pedagogia do recolhimento moldou o Ocidente. A ideia de consciência individual, de dignidade humana e de limite ao poder político não surge do nada. Ela nasce de uma tradição que reconhece o valor do silêncio como condição da verdade. Robert Sarah insiste que, quando o homem perde o silêncio, ele perde o eixo e passa a reagir, não a refletir. Passa a repetir, não a julgar. Passa a obedecer ao ruído, não à consciência.
Não é coincidência que os períodos mais sombrios da história tenham sido também períodos de silêncio imposto, não o silêncio fecundo da interioridade, mas o silêncio forçado da censura, da intimidação e do medo. A diferença é essencial. Um silêncio é opressão. O outro é liberdade e conhecimento.
Vivemos uma era em que o barulho se tornou método. A saturação de informação, a indignação permanente, a urgência artificial e a pressão para opinar sobre tudo criam uma exaustão moral profunda. Um homem exausto não resiste. Uma sociedade exausta aceita qualquer coisa em nome de alívio momentâneo.
O cardeal Sarah alerta que o ruído constante anestesia a alma. Ele impede o arrependimento, a contemplação e até a tão necessária coragem. Quem não silencia não escuta. Quem não escuta não distingue o bem do mal. Quem não distingue liberdade e controle torna-se massa ou se anestesia diante da perversão contínua.
O Natal interrompe essa lógica. Ele não compete com o barulho. Ele o desarma. Não grita mais alto. Fala mais fundo. Não se impõe, mas se oferece. É por isso que tantas instituições modernas tentam esvaziar o Natal de significado, reduzi-lo a um evento cultural neutro, decorativo e inofensivo. Um Natal sem transcendência não incomoda ninguém. Um Natal sem silêncio não transforma nada.
Há um fio direto entre o presépio e a ideia de direitos humanos. Ambos partem do reconhecimento de que o frágil merece proteção. Que a dignidade não depende de utilidade, força ou status, e que a vida tem valor antes de qualquer autorização do poder.
O nascimento de Cristo inaugura simbolicamente essa lógica. Não é à toa que o calendário do Ocidente se organiza a partir desse evento. Não é metáfora, é um marco histórico que reorganiza o tempo e a moral.
O evento do nascimento de Cristo não oferece respostas fáceis — oferece presença.
Robert Sarah nos passa isso com clareza. Para ele, uma civilização que despreza o silêncio despreza também o frágil, porque ambos exigem atenção, paciência e limite. O barulho, ao contrário, favorece o imediato, o forte, o que domina. O silêncio ensina a esperar. O Natal ensina por quê.
Talvez o maior erro do nosso tempo seja achar que toda resistência precisa ser ruidosa. Que toda defesa da civilização exige confronto permanente, exposição contínua e desgaste sem trégua. O Natal oferece outra via: a resistência discreta, silenciosa e firme. O reagrupamento para algo imensamente maior. Não foi o barulho que salvou o mundo. Foi um “sim” dito em silêncio. Foi a fidelidade de uma família e a recusa em jogar segundo as regras do poder dominante.
Robert Sarah escreve como quem sabe que o futuro do Ocidente não será decidido apenas em eleições, tribunais ou parlamentos, mas na capacidade de preservar espaços de silêncio onde a consciência ainda possa respirar. Ali, o silêncio deixa de ser ausência e se converte em critério para agir.
Em um mundo que grita, o silêncio se tornou revolucionário. Em tempos que confundem volume com verdade, o Natal reaparece como escândalo e convite. Ele não pede licença à modernidade, e talvez seja isso que mais incomoda. Apesar de todo o esforço para abafá-lo, o silêncio do Natal continua atestando que a verdade não se impõe pela força do ruído e que nenhuma ditadura é capaz de sufocar o que é eterno. Ele atravessa séculos, impérios, regimes e modas. Ele lembra que a civilização não nasce do grito, mas da escuta.
O Natal não exige adesão imediata, não convoca multidões, não disputa narrativas. Ele apenas permanece, ano após ano, lembrando que há verdades que não se revelam no ruído do mundo, mas no recolhimento da consciência.
Para quem se permite silenciar, o evento do nascimento de Cristo não oferece respostas fáceis — oferece presença. E, às vezes, isso é tudo o que uma civilização precisa para não se perder de si mesma.
Ana Paula Henkel - Revista Oeste
'Pés juntos', por Alexandre Garcia
Na propaganda do chinelo, é evidente, por si próprio, sem necessidade de adjetivos, o significado gigantesco do contrato de Vorcaro com a família Moraes
N a semana do fiasco científico que foi o segundo fracasso consecutivo de lançamento em Alcântara, caminhamos também no nível do chinelo no debate político. Explodiu como o foguete espacial a fala publicitária de Fernanda Torres, de que não devemos entrar em 2026 com o pé direito. “O que eu desejo é que você comece o ano novo com os dois pés.” Antes de ser uma proclamação ideológica, a frase é de uma tremenda burrice. Ora, quem entra com os dois pés ou está numa maca, ou numa cadeira de rodas ou num caixão. As pessoas que não estão nesses casos avançam, alternando as pernas, para caminhar ou usar escadas. Ninguém consegue fazer isso com os dois pés à frente a menos que esteja sobre patins. E chinelos não têm rodas.
O texto dado a Fernanda ressalva: “Não é nada contra a sorte”. Pois tampouco é uma questão de superstição. É cultural. Na nossa língua de origem, esquerda é sinistra. No Credo, Cristo está à direita de DeusPai. Está em Eclesiastes, 10:2: “O coração do sábio se inclina para a direita, mas o coração do tolo, para a esquerda”. “Senta-te à minha direita” está na literatura. Usa-se a mão direita para cumprimentar. E o pé direito para entrar. Ou, no ano eleitoral, estando em campanha, aconselha-se evitar o uso da direita. Como reação, o boicote contra as Havaianas não deu certo, pelo menos no shopping que eu frequentei: a loja estava lotada.
Não deu certo? Deu sim. As notícias sobre o caso Moraes-Master ficaram em segundo plano, enquanto corre solto com os dois pés o debate altamente grego no nível chinelar. Assim como é evidente a burrice dos que fizeram o texto da propaganda do chinelo, é evidente, por si próprio, sem necessidade de adjetivos, o significado gigantesco do contrato de Vorcaro com a família Moraes. Mas poucos vão além do chinelo. Quanto mais Moraes emite notas para explicar o que já se explicou sozinho, mais Moraes mete os dois pés na jaca, como aconselha Fernanda Torres.
O senador Alessandro Vieira (MDB Sergipe), delegado de polícia, quer comissão parlamentar para investigar. Mas já começaram as férias legislativas, e só 2026 pode descobrir, por exemplo, quem Toffoli acha que deve ser protegido pelo sigilo no caso Master — e por quê. Não sei com que pé devemos entrar no ano novo para ter garantia de transparência no que parece ser advocacia administrativa pressionando o Banco Central ou o Governador de Brasília, que defendeu a compra do falido Master pelo banco estatal do Distrito Federal. O governador Ibaneis, destituído provisoriamente por Moraes, retornou ao posto e depois defendeu o negócio com o Master, conseguindo aprovação da operação no legislativo local. E ninguém mais incomodou o governador pelo 8 de janeiro.
A civilização brasileira voltará à selvageria se a ética entrar em 2026 com os dois pés — pés juntos, como num caixão.
Uma CPI esclarece essas coisas, assim como a atuação de ministros do Supremo através de suas esposas, advogadas de sucesso. Advocacias anexas podem ser soluções, mas logo serão sérios problemas, se o país for além dos chinelos. É a sina das mulheres dos césares; se advogassem na comarca de Boa Vista ou Rio Branco, estariam acima de suspeitas.
Mas em Brasília, e tendo clientes como J&F e Master, as tentações são grandes e as suspeitas do mesmo tamanho — a menos que houvesse uma decisão ética dos parentes e afins de, por razões éticas, manterem distância sanitária entre as bancas de advocacia e o tribunal. Evitaria contaminação e seria moralmente saudável. Com os dois pés na jaca, o Ministro Moraes emitiu uma segunda nota no mesmo dia, o que, por si, é revelador. O meio é a mensagem — descobriu McLuhan. A segunda explicação veio depois que o distinto público entendeu a resposta do Banco Central apenas confirmando que em reuniões com Moraes tratou-se, sim, de efeitos da Magnitsky — sem negar que tivessem tratado do Master.
O Ministro, então, fez uma nova nota, afirmando que o escritório de Viviane e filhos jamais tratou de interesses do Master no Banco Central. Daí se deduz que ele já fala pelo escritório, e que lhe é literalmente familiar e, não menos revelador, que Vorcaro pagou R$ 3,6 milhões por mês, mas o escritório não o defendeu da liquidação pelo Banco Central. Pagou por que serviço?
Parafraseando o Barão de Itararé: Ou restaure-se a moralidade, ou nos afundamos como civilização. Fachin quer código de conduta porque os supremos, que estão acima do Conselho Nacional de Justiça e da Lei Orgânica da Magistratura. Gilmar tem boas razões para alegar que não precisa. Também acho, mas tenho razões diferentes: código de conduta é forjado na medula desde criança, em casa. Tem que ser da natureza das pessoas. A civilização brasileira voltará à selvageria se a ética entrar em 2026 com os dois pés — pés juntos, como num caixão.
Alexandre Garcia - Revista Oeste
'Dois pés na jaca', por Guilherme Fiuza
No primeiro segundo de 2026, pule com os dois pés na propaganda enganosa. Espalhe para o mundo inteiro que Lula trouxe a democracia de volta para o Brasil
E ntre em 2026 com os dois pés. Um no Itaú, outro na Alpargatas. Assim você vai parar de pensar pequeno. Chega dessa história de fazer um pé de meia. Agora você vai fazer dois pés de meia. E pode usar sandália com meia? Se você for pé-quente pro reinado petista, pode.
No primeiro segundo de 2026, pule com os dois pés na propaganda enganosa. Espalhe para o mundo inteiro que Lula trouxe a democracia de volta para o Brasil. Finja que havia no país perseguição à imprensa, aos opositores e às minorias. Enfim, inverta tudo com um sorriso nos lábios. A moral cínica há de te proteger da realidade. E você ainda vai ganhar um Oscar (de efeitos especiais).
Mas nada de enfiar o pé na jaca. Enfie os dois pés na jaca! Com essa dinheirama que as amizades certas têm te trazido, todo dia é carnaval. Quem sabe até te convidam pra um comercial de cerveja: “Entre na quarta-feira de cinzas com samba no pé, Brahma na mão e nada na cabeça! Sem anestesia”.
Quando 2026 chegar, fale pra ele: ainda estou aqui, lutando contra a ditadura do século passado e me dando bem! Entre com os dois pés na porta do ano novo, pra ele não se fazer de bobo e não se atrever a tirar o seu ganha-pão. E bota pão nisso! O milagre da multiplicação é diário pra quem tem o PT no coração e os maiores bancos no bolso.
Por trás da balbúrdia das facções, a sua defesa do indefensável passará impune.
Entre em 2026 com os dois pés nos peitos da democracia (jurando defendê-la). Apoie a asfixia de todos os que ousarem estragar seu conto de fadas petista. Defenda a censura dizendo que isso é combate ao ódio. Espalhe seu ódio às pessoas comuns — aquelas que você nunca encontra nos seus camarotes VIP — e diga que elas compõem a massa fascista. Mas continue discursando a favor do povo, sem se esquecer de citar os lindos versos do cancioneiro popular contra a opressão social — compostos pelos que hoje estão enroscados com o regime. Viva a poesia chapa-branca!
E não se esqueça: se começarem a notar o seu papelão, ou seja, se a sua demagogia começar a ficar com o rabo de fora, você já sabe o que fazer. Coloque a “direita” na sua mensagem. Leve a conversa para esse playground ideológico — onde sempre há um bom lugar reservado para quem não quer chamar as coisas pelos seus nomes. Serve até um trocadilho idiota com “pé direito”. Você vai suscitar a algazarra das torcidas organizadas. E por trás da balbúrdia das facções, a sua defesa do indefensável passará impune.
Ufa! Feliz Ano Novo.
Guilherme Fiuza - Revista Oeste
'E livrai-nos deste STF, amém', por Eugênio Esser
Precisamos, urgentemente, de uma Suprema Corte Paralela, que se debruce sobre os grandes temas que hoje estão, oficialmente, entregues aos mandos e desmandos do STF
Campeia nas estâncias do Rio Grande do Sul um ditado: “Cachorro que come ovelha, só matando.”
D e tão marcante, o adágio cruzou pontes, rios, estradas e já chega até mesmo a quem nunca viu uma ovelha na vida, mas faz uma ideia do que a ancestral sabedoria campeira quer transmitir. O fazendeiro confia nos cães para pastorear o gado, não para devorá-lo. Ainda mais quando se trata de um bichinho com uma docilidade à toda prova — assim como as pessoas do povo que, em 8 e 9 de janeiro de 2023, atenderam candidamente ao pedido de militares para que entrassem num ônibus que, segundo diziam aquelas pessoas de farda, as levaria à estação rodoviária de Brasília para retornarem às suas cidades de origem.
Acredita-se que, em muitos casos, nem seja a fome que leve um cão a perseguir e cravar suas presas no pescoço da ovelha. Pode ser por um rompante, associado ao seu instinto de caça.
O que ninguém põe em dúvida é que, depois de sentir o gosto de sangue e de experimentar a adrenalina da conquista, a fera não serve mais para a lida de ajudar os peões no pastoreio do rebanho. Praticamente impossível confiar na regeneração do animal. Assim que começar a escurecer, o “ovelheiro” degenerado voltará a agir — sob silêncio e escoltado pelas sombras da noite. Contar com a “autocontenção” da fera equivale a dar de ombros para a provável dizimação do rebanho.
“Cachorro que come ovelha, só matando”, diz o ditado
Mas nem sempre é assim. O dono pode isolar o cachorro, especialmente à noite. Pode, também, doá-lo para quem precisa de um bom cão de guarda e não cria ovelhas em sua propriedade. O abate é recurso extremo. Especialmente para um cão que prestou tantos e tão bons serviços até sair do controle.
Enfim, soluções existem, desde que a ideia não seja a de cruzar os braços, claro. Se você chegou até aqui, deve estar perguntando que diabos o autor quer com esta conversa sobre coisas do campo se, no título, anuncia uma sugestão para que o Brasil volte a ter uma Corte Constitucional que cumpra seu papel… constitucional.
Bem, reconheço que o paralelo é um tanto excêntrico — talvez não tanto para o ministro Gilmar Mendes, o decano da Suprema Corte brasileira e homem familiarizado com a atividade rural. Sua família possui terras que, segundo publicou a revista Crusoé, perfazem mais de 7 mil hectares. Cria gado bovino. Ovelhas, não.
Nas suas fazendas, não. Seu colega, Edson Fachin, presidente do Supremo Tribunal Federal, é outro que pode entender a analogia campestre que ora proponho. Não, Fachin não é pecuarista como Mendes. Mas está tentando pastorear os colegas de Suprema Corte, de modo a conduzi-los para o cercadinho de uma atuação técnica, e sobretudo decente, como é da boa tradição do STF. Propôs a elaboração de um Código de Ética, e a reação de algumas excelências à sugestão pareceu indicar um rosnar com dentes à mostra. Mal comparando, é como se comportam cães que atacam ovelhas.
Fachin está apostando na estratégia do isolamento dos ministros de conduta reprovável. Mas, como sabem os estancieiros do Rio Grande e de todo Brasil, precisará pelo menos construir o cercado, digo, o Código de Ética. Como presidente, não tem este poder. É um ministro igual a dez outros.
E, malgrado detenha a cadeira presidencial, não tem a influência de um Gilmar, de um Alexandre de Moraes e de um Dias Toffoli, as figuras que mais recebem críticas, tardias mas contundentes, da grande imprensa que até bem pouco tempo atrás comportava-se como o peão que fecha um olho, quem sabe os dois, para não alarmar o patrão. OK, você quer saber logo de uma vez qual é a ideia mencionada no título para devolver ao Brasil uma Corte Constitucional digna deste nome.
Já estamos chegando. Antes, uma contextualização necessária. Depois de Lula perder a eleição presidencial para Fernando Collor de Mello em 1989, o PT lançou a ideia de criar um governo paralelo. Cada ministro de Collor teria, nas hostes do petismo, um ministro que lhe faria sombra. Um especialista da mesma área do ministro, mas imbuído da fúria oposicionista que notabilizou o velho PT. Foi uma versão do shadow cabinet (“gabinete paralelo”) criado em governos parlamentaristas da Europa.
A iniciativa nestes trópicos não vingou por muito tempo. E foi sepultada depois que o PT virou vidraça, assumindo governos estaduais, vencendo em capitais e cidades importantes e se tornando hegemônico na presidência da República desde 2003. O PSDB, oposição light aos governos de Lula e Dilma, não se interessou em fazer esta espécie de marcação cerrada ao petismo.
Lembrei do conceito de shadow cabinet agora, e não por causa do governo Lula — que bem mereceria, se tivéssemos uma oposição coesa.
A lembrança é por causa do STF.
Precisamos, urgentemente, de uma Suprema Corte Paralela, que se debruce sobre os grandes temas que hoje estão, oficialmente, entregues aos mandos e desmandos do STF.
É claro que não basta montar um tribunal paralelo dominado por visões conservadoras com a missão de examinar as decisões de um tribunal oficial aparelhado por 30 anos de governos de tendência socialista. Teríamos um Fla-Flu de teses jurídicas, quando muito. Dois vieses se contrapondo.
Foram quatro abordagens de Moraes a Galípolo — três por telefone, uma em pessoa.
Penso em um sistema baseado em inteligência artificial que se debruçasse sobre os principais temas do país com base na letra fria da lei, na melhor doutrina e na jurisprudência aplicável, com referências nacionais e internacionais. O mesmo sistema seria alimentado com todos os mandamentos éticos da magistratura brasileira e as obrigações formais impostas pela Lei Orgânica da Magistratura.
Não tenho ilusões sobre a dificuldade para implementar uma corte paralela de perfil técnico e, sobretudo, desfulanizado. Quem, dentre os amigos, parceiros ou advogados próximos de Gilmar, Moraes e Toffoli, por exemplo, aceitaria abrir mão de um acesso privilegiado às suas supremas decisões, e voltar ao plano dos mortais para, como todo brasileiro, curvar-se a um sistema judicial em que você não é nem menos nem mais do que ninguém?
Uma proposta complexa? Sim. Inexequível? Talvez. Mas é inegável que algo precisaremos fazer para, voltando ao termo empregado acima, desfulanizar a Justiça brasileira.
Hoje, todas as instâncias do Judiciário olham, impotentes, para uma lista exasperadora de abusos e afrontas à lei e à ética, de ministros que têm amigos, têm inimigos, têm patrocinadores, têm protegidos. Quem figura na capa do processo, como réu ou como autor, já sabe como tende a ser a decisão ou a sentença — principalmente quando o caso chegar à Suprema Corte. E se sabe qual será o desfecho do processo, não é pela qualidade da peça jurídica que construiu, mas pela influência de seu advogado.
O escandaloso caso do Banco Master, que contratou o escritório da esposa de Moraes, Viviane Barci de Moraes, por indecentes R$ 129 milhões, é a pá de cal na reputação do STF pela cifra em si, pelo objeto vago do contrato e pelo silêncio do casal sobre o assunto há mais de duas semanas.
A jornalista Malu Gaspar, a mesma que havia revelado a fortuna oferecida ao escritório da família Moraes, trouxe a informação, confirmada a ela por seis diferentes entrevistados, de que o próprio Moraes contatou o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, expressando preocupação com a situação do Banco Master.
Não foi uma vez só, informou Malu. Foram quatro abordagens de Moraes a Galípolo — três por telefone, uma em pessoa.
Isto tem nome. É lobby.
Na fazenda, se sabe. Cachorro que come ovelha não pode seguir no pastoreio.
Eugênio Esser - Revista Oeste
sexta-feira, 26 de dezembro de 2025
'O Lupanário: Moraes, o Banco Master e a lógica do poder sem limites' , por Flávio Gordon
A toga virou escudo — contra críticas, contra investigações, contra o escrutínio público e, em última instância, contra a própria Constituição
H á escândalos de corrupção que se esgotam no fato. O Fiat Elba de Fernando Collor é talvez o exemplo mais didático da história republicana recente: um carro popular, adquirido com dinheiro de origem ilícita, usado para benefício pessoal do então presidente da República. O fato era tosco, comparativamente singelo, e nada obscuro. Descoberto o automóvel, revelou-se o esquema; revelado o esquema, identificaram-se os intermediários; identificados os intermediários, o sistema político reagiu. O escândalo cumpriu seu ciclo natural: nasceu, foi compreendido e se encerrou como símbolo de corrupção pessoal e abuso individual de poder. Chega a ser quase nostálgico.
Com o caso envolvendo o pretenso juiz Alexandre de Moraes e o Banco Master, porém, a lógica se inverte. Aqui, o fato não encerra nada: ele apenas abre o abismo — porque não estamos diante de um desvio pessoal, mas da face visível de uma deformação institucional muito mais profunda, a qual, aplaudida nos últimos anos quando conveniente, começa agora a se tornar incômoda até mesmo aos seus antigos entusiastas.
De acordo com a imprensa, Alexandre de Moraes teria mantido contatos reiterados com o presidente do Banco Central para tratar da situação do Banco Master, instituição privada envolta em graves problemas financeiros e sob escrutínio técnico da autoridade monetária. As conversas teriam ocorrido durante a análise da tentativa de venda do banco ao BRB, operação sensível, que exigia independência regulatória absoluta e distância total de qualquer pressão externa. Em qualquer democracia minimamente funcional, esse dado isolado já seria suficiente para acionar alarmes institucionais.
O quadro se torna ainda mais grave quando se considera o contexto em que essas tratativas ocorreram. O Banco Master mantinha contrato milionário com o escritório de advocacia de Viviane Barci, esposa de Moraes. Não há aqui zona cinzenta ou controvérsia interpretativa. Estamos diante de um conflito de interesses elementar, daqueles que qualquer manual básico de ética pública ensina a evitar não apenas na substância, mas também na aparência. Tudo indica que o contratado de fato pelo Master foi o marido, não a esposa.
E, se os fatos se confirmarem, Alexandre de Moraes terá incorrido em advocacia administrativa, crime previsto no Art. 321 do Código Penal Brasileiro, e definido como a conduta de “patrocinar (defender, facilitar) interesse privado (de terceiros ou próprio) perante a Administração Pública, valendo-se da qualidade de funcionário público”.
Mas, como dissemos, o fato potencialmente criminoso não pode ser lido como um ponto fora da curva. Ele se insere numa longa trajetória de autoproteção corporativa do Supremo Tribunal Federal, cuja história recente revela um padrão inquietantemente consistente: sempre que investigações tangenciam ministros ou seus familiares, o sistema reage não para esclarecer os fatos, mas para neutralizá-los. Foi essa, inclusive, a origem do famigerado “Inquérito das Fake News”, o ato institucional que formaliza a juristocracia no Brasil no ano de 2019.
Um fio histórico publicado nas redes sociais pelo jornalista Ivanildo Terceiro ajuda a iluminar esse padrão com precisão desconfortável. Ivanildo lembra que, em 2018, a Receita Federal identificou 133 agentes públicos com indícios de movimentações patrimoniais suspeitas. Entre eles, figuravam familiares diretos de ministros do STF, mais especificamente, as esposas de Gilmar Mendes e Dias Toffoli. O que se seguiu não foi o aprofundamento técnico das apurações, mas sua interrupção sistemática. Auditores fiscais passaram a sofrer pressões administrativas; procedimentos foram esvaziados; investigações foram travadas.
Em pouco tempo, a engrenagem institucional operou sua inversão típica (recentemente ilustrada pelo caso de Eduardo Tagliaferro, ex-integrante do gabinete clandestino de censura de Alexandre de Moraes): investigadores tornaram-se investigados, enquanto os investigados foram blindados.
Porque o fato, aqui, é apenas o sintoma visível de uma República em que a toga passou a valer mais do que a lei.
Alexandre de Moraes ocupa posição central nesse processo de consolidação de um Judiciário autorreferente. À frente do Inquérito das Fake News — um artefato jurídico que concentrou em suas mãos funções de polícia, acusação e julgamento —, o sujeito ajudou a institucionalizar um modelo de poder incompatível com qualquer tradição liberal do Estado de Direito.
Um modelo em que o juiz não se limita a julgar fatos passados conforme a lei, mas passa a administrar riscos futuros conforme suas conveniências políticas e/ou pecuniárias, alheio a qualquer freio institucional e limite legal. É nesse ambiente que o caso Banco Master se torna inteligível.
Um ministro que já atua como instância suprema da República — acima do Executivo, acima do Legislativo, acima da imprensa e imune à crítica pública — naturalmente se sente autorizado a interceder junto ao Banco Central, a circular entre interesses privados e a tratar conflitos de interesse como detalhes menores.
O problema, portanto, não é apenas de moral individual (obviamente pervertida no caso em tela). Ele é estrutural.
O Judiciário brasileiro, sobretudo sua cúpula, deixou de exercer um papel contramajoritário no sentido clássico e passou a funcionar como um poder soberano informal, sem freios, sem contrapesos e sem mecanismos reais de responsabilização. A Constituição de 1988, pródiga em garantias, foi avara em limites. Criou-se um Supremo sem mandato, sem controle externo efetivo, sem risco político concreto e sem uma cultura institucional de autocontenção. Some-se a isso a presença, na presidência de ambas as casas legislativas, de indivíduos moralmente fracos e de rabo-preso, e o resultado é essa juristocracia incontrolável com a qual o país agora não sabe lidar.
Nesse contexto, a toga já não simboliza imparcialidade e equilíbrio, mas corporativismo e húbris. A toga virou escudo — contra críticas, contra investigações, contra o escrutínio público e, em última instância, contra a própria Constituição. Tudo se justifica em nome de abstrações grandiloquentes — “democracia”, “Estado de Direito”, “defesa das instituições”. Quando um ministro do STF se envolve, direta ou indiretamente, em tratativas que beneficiam uma instituição privada ligada a interesses familiares, e nada acontece, a mensagem transmitida à sociedade é devastadora: há uma elite institucional acima da lei. Não por acaso, a confiança pública no Judiciário se deteriora a cada dia. Um comentarista do UOL — quem diria! — chegou a equiparar a corte a um lupanário… ou, em bom português, a um puteiro.
O escândalo do Banco Master não é apenas sobre um banco, nem apenas sobre Alexandre de Moraes. Ele é sobre a transformação do Supremo em um poder que já não se reconhece como limitado. Um poder que julga, investiga, acusa, censura, regula e intermedeia — tudo ao mesmo tempo. Um poder que exige obediência irrestrita, mas rejeita qualquer forma de fiscalização. É óbvio que um tal poder, que não se vexa em jogar pais e avós de família inocentes na cadeia (chegando a matar um deles por inércia), não hesitará em se locupletar em corrupção e enriquecimento ilícito.
Enquanto esse modelo não for enfrentado de maneira clara — no debate público, no Congresso e na consciência nacional — novos escândalos continuarão a surgir. E, como este, não se esgotarão no fato. Porque o fato, aqui, é apenas o sintoma visível de uma República em que a toga passou a valer mais do que a lei. E muitos dos que agora choram diante disso foram responsáveis por imantar de inimputabilidade sacrossanta os nossos magistrados supremos.
Agora se espantam que aquele a quem chamaram de “a muralha” (da democracia, do Estado de Direito, da própria República) não passava de um sepulcro caiado. Adoraram um bezerro de ouro e agora não sabem o que fazer para desadorá-lo. Fizeram um pacto faustiano com a tirania “do bem” e agora gemem porque o tirano vem cobrar sua dívida em almas…
Flávio Gordon - Revista Oeste
'Lama na toga', por Cristyan Costa
Escândalo do Master escancara a relação promíscua do banco com
ministros e põe o STF na defensiva
D esde a revelação da viagem de Dias Toffoli em um jatinho particular com Augusto de Arruda Botelho, da defesa de um dos diretores do Master preso em virtude de fraudes financeiras, o ambiente nos bastidores do Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a se deteriorar. A Corte vinha tentando conter os danos desse incêndio quando, uma semana depois, a temperatura voltou a subir (e mais alta) com a revelação de que o Master tinha um contrato de R$ 130 milhões, pagos em três anos, com a advogada Viviane Barci, mulher do ministro Alexandre de Moraes.
A contratação previa serviços de assessoria jurídica e institucional perante o Banco Central (BC), a Receita, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a órgãos ligados aos Três Poderes. A soma dos episódios, que se acrescentou ao escândalo da Vaza Toga, aprofundou o desgaste em torno de Moraes. Ao menos cinco ministros passaram a tratá-lo como “foco recorrente de crise”, responsável por manter o Tribunal sob exposição permanente.
Nesse contexto, chamou atenção o fato de não haver registros da atuação de Viviane junto aos órgãos citados no contrato. O BC comunicou que não existem anotações de acesso, reuniões ou interlocuções da advogada com a autarquia no período mencionado, informações confirmadas por órgãos federais.
A celeuma no entorno de Moraes aumentou consideravelmente nesta semana, quando o jornal O Globo noticiou que o juiz do STF passou a tratar diretamente do Master com o presidente da autoridade monetária, Gabriel Galípolo. Em um mesmo dia, o magistrado telefonou seis vezes ao chefe do BC num momento em que o Master já estava sob investigação e fiscalização intensa do BC. Os contatos ocorreram antes de qualquer manifestação pública de Moraes e chamaram atenção pela frequência e pelo contexto. Cabia ao BC conduzir a supervisão do Master e decidir, ao fim, sobre o seu destino no sistema financeiro.
Numa das conversas, segundo relato feito pelo próprio ministro a um
interlocutor, Moraes afirmou que tinha simpatia por Daniel Vorcaro,
dono do Master. Moraes teria argumentado que a instituição vinha
sendo alvo de resistência por parte do sistema financeiro tradicional,
por estar avançando sobre o espaço ocupado pelos grandes bancos.
Ainda de acordo com esse relato, o ministro pediu que o BC
autorizasse a compra do Master pelo Banco de Brasília (BRB), que
estava pendente do aval da autoridade monetária.
Galípolo, por sua vez, teria respondido que técnicos do BC haviam identificado fraudes no repasse de R$ 12 bilhões em créditos do Master para o BRB. Diante da informação, segundo os relatos, Moraes teria reconhecido que, caso as irregularidades fossem confirmadas, a operação não poderia mesmo ser aprovada.
Apesar do absurdo, Moraes permaneceu em silêncio. Somente no dia seguinte, depois da repercussão negativa em veículos de comunicação e junto à opinião pública, o ministro decidiu se manifestar. Em uma primeira nota, limitou-se a negar ter exercido pressão em favor do Master e afirmou que não tratou de interesses privados com Galípolo. O texto, porém, não mencionava o banco nem indicava datas, números de contatos ou reuniões.
Horas depois, Moraes divulgou uma segunda versão da nota, agora citando o Master e admitindo duas reuniões com Galípolo. Segundo o ministro, os encontros ocorreram em 14 de agosto e 30 de setembro, para tratar exclusivamente da aplicação da Lei Magnitsky e de seus efeitos sobre o sistema financeiro. A cronologia, no entanto, levantou questionamentos: a sanção foi aplicada pelo governo dos Estados Unidos em 30 de julho, o que torna incongruente a menção a uma reunião ocorrida dois meses depois para tratar de seus impactos iniciais.
Além disso, as reuniões admitidas por Moraes não constavam da agenda oficial de Galípolo, nem da diretoria do BC. A ausência de registro chamou atenção porque a autoridade monetária mantém histórico público detalhado de compromissos, inclusive encontros fechados e audiências externas. Procurada para explicar a falta de registro, a autarquia não apresentou justificativa.
O próprio BC confirmou, posteriormente, a realização de reuniões com Moraes para tratar da Magnitsky, mas não detalhou datas nem o conteúdo específico das conversas. As versões sucessivas, as correções posteriores e a ausência de registros oficiais passaram a integrar o debate público sobre a atuação do ministro, num momento em que o caso Master já havia extrapolado o noticiário jurídico e financeiro.
Relações incestuosas
Durante anos, o Master operou longe dos holofotes, construindo sua trajetória sob o signo da discrição. Nesse período, recorreu a escritórios de advocacia com trânsito consolidado em Brasília. Entre eles estava o Warde Advogados, que teve, em 2021, a advogada Roberta Rangel, mulher de Toffoli, como integrante de seu quadro societário — vínculo que hoje não existe mais. A informação, até então lateral, ganhou peso quando o processo que apura um esquema bilionário envolvendo o banco passou a tramitar no STF sob a relatoria do próprio Toffoli.
Pouco depois da viagem do ministro no jatinho particular com advogados de executivos do Master, ele decidiu puxar o caso para o STF. Em 3 de dezembro, já como relator de uma ação apresentada pela defesa do dono do banco, Daniel Vorcaro, Toffoli alegou a existência de pessoas com foro privilegiado, retirou a investigação da primeira instância, decretou sigilo integral e concentrou o processo em seu gabinete.
A canetada teve efeito cascata, pois anulou todos os atos praticados até então e condicionou qualquer avanço do caso à autorização da Corte. Na prática, a investigação foi interrompida fora do Tribunal e passou a tramitar sob controle direto de um de seus ministros. A decisão ocorreu no mesmo período em que a Polícia Federal (PF) apreendeu o celular de Vorcaro — o que deixou Brasília em pânico — e manteve o empresário e seus executivos presos por 11 dias.
Os laços do Master não se restringem aos casais Moraes e Toffoli. O banco também patrocinou eventos jurídicos frequentados por ministros do STF e de tribunais superiores, incluindo encontros com a presença de Ricardo Lewandowski, hoje integrante do governo Lula. À época desses eventos, Lewandowski ainda integrava a Corte. A relação avançou para outro patamar após a aposentadoria de Lewandowski. Já fora do Supremo, o ex-ministro firmou contrato de R$ 100 mil mensais com o banco para a prestação de serviços jurídicos por meio de seu escritório.
O vínculo, de natureza privada, foi encerrado quando Lewandowski assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública e só veio a público depois que o Master passou a ser investigado pelas autoridades, na esteira do escândalo. O contrato ampliou o alcance das conexões do Master no Judiciário.
citado como exemplo de como a separação entre atuação jurisdicional e interesses privados se torna mais difusa quando bancos sob investigação mantêm relações com magistrados recém-aposentados.
Tribunal acuado
Diante de toda essa exposição, a postura do Supremo passou a assumir contornos defensivos. À medida que o caso Master deixou de ser tratado como um episódio isolado, a Corte se viu pressionada a conter seus efeitos políticos e institucionais. Coube ao decano, Gilmar Mendes, fazer a única manifestação pública em nome da Corte, assumindo a tarefa de normalizar condutas e amparar os colegas atingidos pelas revelações.
Ao comentar os episódios mais recentes, ele declarou ter “confiança” na atuação de Moraes e saiu em defesa de Toffoli, relativizando a gravidade dos fatos. Sobre a viagem de Toffoli em jatinho particular com integrantes da defesa de investigados do banco, observou que “encontros entre juízes e advogados são comuns” e que não via irregularidade na aproximação. O mesmo raciocínio foi aplicado ao caso Moraes. Gilmar tratou como suficientes as explicações apresentadas pelo colega, mesmo diante das revelações sobre contratos milionários, ligações reiteradas ao BC, reuniões fora da agenda oficial e versões sucessivas em notas públicas.
A diferença de tom entre as duas manifestações de Moraes também
chamou a atenção nos bastidores. A primeira nota, divulgada de forma
lacônica, limitou-se a negar irregularidades e afastar qualquer
interferência indevida. Já a segunda adotou um tom mais explicativo,
com a indicação de datas, encontros e justificativas.
Para interlocutores do Tribunal, a mudança foi interpretada como um sinal de que Moraes passou a reagir ao desgaste público provocado pela sequência de reportagens e pela pressão externa, sobretudo da imprensa. Para um ex-ministro do STF, a mudança foi eloquente: “Quando a toga começa a se explicar demais, é porque o Tribunal já sentiu o peso de tudo o que ocorreu”
A manifestação isolada contrastou com o silêncio dos demais integrantes da Corte, sobretudo do presidente do STF, Edson Fachin. A ausência de posicionamentos mais claros reforçou a percepção de um Tribunal acuado. Nesse ambiente, o decano, Gilmar Mendes, rompeu o silêncio ao defender publicamente Moraes e Toffoli. Dias antes, Mendes já havia se antecipado à possível vitória da direita no Senado, em 2026, e reduziu o alcance de pedidos de impeachment contra ministros do STF. Em um primeiro momento, tentou concentrar exclusivamente nas mãos do procurador-geral da República a iniciativa para responsabilizar magistrados da Corte.
Diante da reação política, recuou desse ponto específico. Ainda assim, manteve de pé o núcleo da decisão: fixou a exigência de quórum de dois terços do Senado para a abertura de qualquer processo de impeachment, restringiu as condutas passíveis de punição e tornou o afastamento de ministros uma hipótese excepcional — mesmo em cenários de forte desgaste público, como o atual.
Ao mesmo tempo, o acúmulo de crises abriu espaço para uma resposta institucional de outra natureza, embora velada. Nos bastidores, Fachin passou a defender a adoção de um Código de Conduta mais claro para os ministros, com regras explícitas sobre relações privadas, conflitos de interesse e limites éticos fora da atividade jurisdicional. A proposta, inspirada na Alemanha, ganhou força justamente por representar uma reação distinta à lógica do fechamento corporativo. A medida submete os integrantes da Corte a regras objetivas sobre transparência em encontros com partes interessadas, participação em eventos patrocinados, vínculos profissionais de familiares, recebimento de convites, viagens custeadas por terceiros e atuação após a aposentadoria.
Se aprovado, o Código não apaga os episódios recentes, mas sinaliza
um reconhecimento de que a confiança pública exige parâmetros
objetivos. Depois de contratos, viagens, pressões e decisões
concentradas, o Supremo se vê diante de uma encruzilhada: insistir na
autodefesa silenciosa ou aceitar que o Tribunal precisa se explicar — e
se regular. É nesse ponto que a iniciativa de Fachin deixa de ser
apenas uma resposta à crise e passa a se apresentar como a
possibilidade concreta de romper com o padrão que colocou o
Tribunal debaixo de fogo cerrado.
Cristyan Costa - Revista Oeste