O jornalismo deixou de ser uma ocupação razoavelmente honesta para se tornar uma atividade política extremista
O brasileiros, para dizer a verdade. Nada mais improvável, hoje, do que encontrar um jornalista de verdade, de acordo com a definição de “jornalista” que está nos dicionários, nas redações do New York Times, The Guardian, ou de qualquer outro alto sacrário da imprensa de Primeiro Mundo. Mas no Brasil, que é onde vive o brasileiro de carne e osso como você, o ofício de jornalista (ofício, porque nunca chegou a ser uma profissão) está indo para o saco mais depressa do que em qualquer lugar do mundo conhecido. É incômodo dizer isso, sobretudo para quem nunca fez outra coisa na vida. Em compensação, é pura verdade.
Não se trata, aqui, de uma teoria, ou de uma coleção de hipóteses. São os fatos, e eles não vão embora — da mesma forma como não vão embora as realidades da álgebra ou da tábua de marés. Todo mundo, a começar pela imprensa, pode dizer quanto quiser que o STF está salvando a democracia no Brasil. Não vai mudar em nada o fato, que ficará registrado para sempre, de que esse STF é o tribunal que condenou a 14 anos de prisão, pelo crime de “golpe de Estado”, uma cabeleireira que pichou de batom uma estátua de granito em Brasília. Com a mídia é a mesma coisa. O que está gravado para sempre, e ninguém pode mais mudar, é que os jornalistas deste país, com as exceções que se sabe, apoiaram cegamente a condenação — como a imprensa nazista apoiava os fornos crematórios de Hitler. Está gravada, na verdade, cada palavra que disseram ou escreveram. A partir daí, o que a mídia brasileira de hoje pode alegar em sua defesa?
Não pode alegar nada, porque aquilo que fez não pode mais ser desfeito. E aquilo que fez, objetivamente, é um conjunto de obra que comporta não uma análise, e sim uma autópsia. O que se poderia alegar, por exemplo, em favor de jornalistas que viram informantes da polícia? A fotógrafa Gabriela Biló, da Folha de S.Paulo, foi além disso. Trabalhou direto como agente da Polícia Federal, investigando por conta própria a identidade da moça do batom — e quando descobriu foi, com as próprias pernas, entregar seu nome à polícia do ministro Moraes. Até algum tempo atrás, era impossível ser jornalista e ao mesmo tempo trabalhar para o Dops. Não importavam, nem um pouco, as convicções pessoais do jornalista: delatar gente à polícia política, muito simplesmente, fazia parte das “coisas que não se faz”, como cuspir no chão ou furtar o saco de esmolas da sacristia. No Brasil do pós-jornalismo, a imprensa que se considera “séria” não fez a menor objeção à fotógrafa-delatora; no seu entendimento, condutas abjetas são exclusividade das redes sociais.
Gabriela Biló - Perdeu, Mané Presa a mulher suspeita de vandalizar a estátua " A Justiça " em invasão golpista no dia 08 de janeiro. Débora Santos foi presa pela Polícia Federal de Campinas Para @folha
Gabriela Biló - Perdeu, Mané Presa a mulher suspeita de vandalizar a estátua " A Justiça " em invasão golpista no dia 08 de janeiro. Débora Santos foi presa pela Polícia Federal de Campinas Para @folha
Num país em que acontecem coisas como essa o jornalismo morreu, ou está a caminho do cemitério — vítima de uma espécie de suicídio coletivo decorrente de transtorno político-mental. Seria horrível se fosse uma aberração isolada, mas o pior é que não é. Na verdade, trocar a função de jornalista pelas funções de serviçal do governo tornou-se regra para “a mídia responsável”. É assim, por exemplo, com os comunicadores que se transformaram em juízes-auxiliares do STF quando a nossa “Suprema Corte”, como diz Lula, entra em seu modo de carcereiro para os indesejáveis políticos. Por causa dessa deformação desenvolveram uma neurose contra a anistia para os presos do STF ainda mais desesperada, talvez, que a do próprio Alexandre de Moraes.
Essa ânsia de servir ao consórcio Lula-STF é uma doença que só evolui numa direção: para pior. Nada poderia comprovar o agravamento desse tipo de patologia de forma mais óbvia quanto uma das últimas aulas de conduta que o STF se acostumou a dar por meio dos noticiários da Rede Globo. Em pleno programa, uma das apresentadoras diz no ar que tinha acabado de receber uma pergunta que “um ministro”, pelo que foi possível entender, queria fazer aos ouvintes do programa. Isso mesmo, acredite se quiser. Quem faz pergunta, como era regra quando ainda existia jornalismo no Brasil, é o jornalista, e não a autoridade. Aqui trocaram a corrente de 110 para 220: a autoridade pergunta ao público, e o jornalista, em vez de mandar Sua Excelência passear, porque não é seu empregado, obedece no ato. Não só faz a pergunta que o ministro mandou que fosse feita. Faz isso com cara de quem acha certo — e está vivendo ali mais um grande momento “na luta” pela democracia e contra o bolsonarismo.
CIRCO! Um ministro da Suprema Corte manda perguntas pelo Whatsapp para jornalista da GLOBO fazer ao VIVO sem se identificar, o PT e a ESQUERDA acabaram com nossa Suprema corte, quem está lá não tem o menor preparo, não faz idéia de como deveria se comportar! Este país acabou!
Despropósitos, em geral, conduzem a outros despropósitos, e não foi diferente nesse caso. A questão feita pelo ministro, e apresentada ao público pela jornalista como se fosse uma observação altamente perspicaz, poderia ser um clássico do Ministério das Perguntas Cretinas de Millôr Fernandes. Seria justo, indagaram os cérebros do Supremo, uma malta invadir a sua casa, quebrar tudo, jogar “paus e pedras”, atacar a mobília, ameaçar os seus funcionários e dizer que quer colocar o vizinho como ditador — e ser anistiada pelo que fez? Há zero ao quadrado de vida inteligente na pergunta do ministro. Em primeiro lugar, na vida real, não se invadiu a casa de ninguém; simplesmente não foi isso que aconteceu. Em segundo lugar, os invasores estão sendo condenados a 17 anos de prisão — e não há provas de que tenham quebrado alguma coisa. Em terceiro lugar, os ministros que se escandalizam com a “impunidade” da anistia para os réus do 8 de janeiro são os mesmos que aplaudem a anistia para os homicidas, sequestradores e assaltantes de banco que queriam derrubar a ditadura militar e colocar uma ditadura comunista em seu lugar.
Não faz nenhum nexo, em cima disso tudo, a indignação dos jornalistas diante do que consideram a impunidade para os “bolsonaristas” e o seu silêncio diante do mais desesperado surto de impunidade que já ocorreu nos 500 anos de história do Brasil: a anulação sistemática, por decisão do STF, de todos os processos de corrupção do regime Lula-Dilma, mesmo quando há confissão dos crimes, e com devolução do dinheiro roubado. Os jornalistas ficam fora de si clamando pela condenação da moça do batom. Mas tratam com simpatia e o respeito devido a estadistas o ex-governador Sérgio Cabral — condenado a 400 anos de cadeia por corrupção e hoje solto e tido como vítima de uma injustiça da direita. Passaram anos perguntando “quem matou Marielle?” — e, quando enfim encontraram os responsáveis, ligados ao PT e à campanha de Dilma, nunca mais escreveram uma linha ou falaram um minuto sobre o assunto. Nem agora, quando o magnata que estava preso foi solto para tratar da saúde, por ordem de Alexandre de Moraes.
Quer um bom programa ao ar livre para aproveitar nesse feriadão? O Parque Estadual Cunhambebe, na Costa Verde do estado, e o Parque Estadual da Costa do Sol, na Região dos Lagos, são duas ótimas pedidas para se conectar com a natureza, curtir a paisagem e investir na saúde. Ambos foram criados durante o meu governo, e são um legado importante de preservação ambiental pro nosso estado. Aproveite! 🌳💚 View all 11 comments
Um jornalista de verdade, bom ou ruim, de direita ou de esquerda, gordo ou magro, não acredita que está na mesma atividade, ou exerce o mesmo ofício, do jornalista-raiz que faz essas coisas nos “grandes órgãos de comunicação”, como eles chamam a si próprios. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A Revista Oeste, por exemplo, é outra coisa — achamos, aqui, que um jornalista deve trabalhar como um jornalista, e um informante da polícia, como informante da polícia. Não é tão difícil entender a diferença, certo? Da mesma forma, um jornalista profissional não tem de trabalhar nos gabinetes dos ministros Alexandre de Moraes, ou Gilmar Mendes, ou Flávio Dino. Tem de ser leal ao jornal, rádio ou tevê com o qual mantém um contrato de trabalho, e não receber tarefas de terceiros — por mais que eles declarem deter o monopólio da defesa da democracia.
Como acreditar em alguém que se comporta desse jeito, ou meramente levar a sério qualquer um deles? Não é possível confiar em jornalistas que abandonaram a tarefa de informar o público sobre eleições, por exemplo, e passaram eles próprios, na prática, a concorrer nessas mesmas eleições, como militantes das candidaturas de esquerda. Para piorar as coisas, não admitem perder — quando perdem, como ficou escancarado no caso de Donald Trump, entregam-se à missão de acabar com quem o eleitor escolheu. Tudo o que está fazendo, sobretudo quando cumpre o programa de governo que prometeu na campanha, passa a ser uma calamidade — e, no caso de Trump, uma ameaça para a sobrevivência do gênero humano. Não existe mais, para a maior parte dos jornalistas, um fundamento indispensável das democracias: a eleição livre e limpa, onde ganha quem tem mais voto, seja lá quem for.
Hoje, para a mídia convencional, o único tipo de vencedor aceitável é o candidato que tem a sua aprovação. Se não tiver, é de “extrema direita”, e como tal é uma ameaça terminal para a democracia — ameaça tanto maior quanto mais os eleitores gostarem dele. Não pode ser candidato. Se for, não pode ganhar. Se ganhar, não pode assumir. Se assumir, não pode governar. Se começar a governar, tem de ser deposto por impeachment. Essa é a história do jornalismo de hoje, de Bolsonaro a Trump, de Milei a Giorgia Meloni, de Nayib Bukele a Viktor Orbán. Não importa quanto são populares; são excomungados como “populistas”, portanto, “direitistas” e, portanto, “inelegíveis”. No caso de um Trump, a imprensa anuncia o fim do mundo a curto prazo. No caso de um Milei, os jornalistas o consideram clinicamente louco; pelo diagnóstico feito nas redações, deveria estar internado num hospital psiquiátrico.
Os jornalistas, por um processo agravado de narcisismo, acham que são mais e melhores do que realmente são. Mas não são: têm, com muitíssima boa vontade, a mesma importância para a sociedade que têm os marceneiros ou os dentistas, e certamente são menos úteis que os motoristas de ônibus ou os coletores de lixo. Por causa dessa avaliação exagerada da sua própria relevância, mudaram de natureza. Em vez de considerarem que a sua obrigação é informar, como os dentistas acham que a sua obrigação é obturar uma cárie, consideram que é derrotar o bolsonarismo, ou o trumpismo, ou a “extrema direita”. Não sabem mais escrever, nem o que é uma notícia; mas são capazes de discursar durante uma hora sobre as suas causas. Sabem muito sobre a Escola de Frankfurt ou a “construção” de uma sociedade “inclusiva”. Mas fazer matéria, que é bom, vai se tornando coisa cada vez mais rara. No fundo, o seu problema não é que pensam mal — é que simplesmente não sabem mais o que é pensar.
O resultado prático de tudo isso é que o jornalismo deixou de ser uma ocupação razoavelmente honesta para se tornar uma atividade política extremista. Fica disfuncional. Os jornalistas, por exemplo, são hoje os maiores militantes a favor da censura no Brasil — que chamam, como o STF, de “controle social da internet”, ou “regulação das redes sociais”. Acham que a liberdade é um risco, e que o seu consumo tem de ser severamente racionado. Tornaram-se antissemitas, pelo dever coletivo, e autoimposto, de denunciar o “genocídio de Israel contra os palestinos”. São ferozmente contra a anistia — acham inadmissível qualquer pena inferior a 14 anos de cadeia para a cabeleireira do batom. Não falam nada sobre a legalização da corrupção pelo STF, com a absolvição automática dos ladrões amigos, e nem sobre dezenas de escândalos cuja exposição pode “favorecer a direita”.
Os jornalistas, em geral ao contrário do que pensa o público, acreditam em qualquer coisa que lhes digam sobre a “crise do clima”. Acreditam no “racismo sistêmico”. São a favor das cotas para transgêneros, do desarmamento da polícia e do futebol feminino. São contra o direito da população de ter armas, a maioridade penal aos 16 anos e o pleno direito de defesa para os acusados do 8 de janeiro. Estão entre os maiores defensores da Lei Rouanet, logo após os próprios Gils e Caetanos. Dizem, com o mesmo empenho de Alexandre de Moraes, que houve, sim, uma tentativa de “golpe armado” em que as armas eram estilingues, bolinhas de gude e o batom, como substância inflamável. Não falam sobre Cleriston da Cunha, o cadáver que continua exposto no plenário do STF. Acreditam, como um muçulmano em Alá, no plano para levar o ministro Moraes à forca, no “Punhal Verde-Amarelo” e nos “kids pretos”.
A imprensa brasileira não apenas roda neste mundo falso, e tenta impor ao público uma realidade manufaturada dentro das redações. Acabou, também, falsificando a língua portuguesa, convencida de que o controle sobre o significado das palavras conduz ao controle dos fatos. Tornou-se obrigatório, dessa forma, preceder com a expressão “sem provas” qualquer acusação feita pela direita. “Sem provas, Bolsonaro diz isso”; “Sem provas, Trump diz aquilo”. Você nunca vê, jamais, em tempo algum, escreverem: “Sem provas, Lula diz isso ou aquilo”. O assassino que mata para roubar um celular é sempre “o rapaz”, ou “o homem”, ou então “o suspeito” — e nunca “o criminoso”. As provas contra Bolsonaro são sempre “robustas”, mesmo quando acabam na lata de lixo, como ocorreu no “caso das joias”. O caso todo, por sinal, sumiu totalmente do mapa depois da decisão oficial de que não houve nada de errado com as joias.
Os jornalistas brasileiros da vida como ela é gostariam, no fundo, de trabalhar num grande Pravda, o jornal único da Rússia comunista dos velhos tempos — no caso com um Flávio Dino, Moraes ou Barroso, por exemplo, como redator-chefe. Seu sonho dourado, pelo que se deduz do que fazem, seria entregar tudo o que escrevem ou falam para a aprovação prévia da Polícia Federal, ou do gabinete de algum desses ministros aí. Já fizeram um ensaio geral do tipo de imprensa que gostariam de ter no Brasil quando formaram o inesquecível “consórcio da mídia” para darem sempre as mesmas notícias sobre os mortos da covid-19 — a própria negação da natureza da imprensa, desde Gutenberg. Que tal, para quem gosta tanto da diversidade como os jornalistas?
Não teria, obrigatoriamente, de ser assim. Essa é uma casa que caiu pelo teto — todos os veículos com alguma pretensão a ter relevância nacional são controlados por herdeiros que em geral têm interesses diferentes dos seus antepassados. Por falta de maior entusiasmo pela atividade editorial, ou de energia, ou de talento, deixaram o funcionamento de suas redações a cargo de quem está lá no dia a dia, e quem está lá, na maioria, são pessoas com a visão de mundo exposta acima. Não têm razões para produzir nada de diferente do que estão produzindo.
J.R. Guzzo - Revista Oeste