Clint Eastwood ficou famoso pela participação em “Por um Punhado de Dólares” - Foto: MGM/Divulgação
Ao redor do mundo, especialmente nos Estados Unidos, os cinemas já estão deixando engatilhadas restaurações em alta qualidade do filme Por um Punhado de Dólares. O motivo: o longa-metragem estrelado por Clint Eastwood está comemorando 60 anos de existência neste ano (chegou às primeiras salas em setembro de 1964). E esse é o tipo de filme que merece mesmo ser lembrado.
O faroeste, disponível no streaming Looke e para aluguel no Prime Video e no Apple TV+, é o responsável pelo sucesso do gênero conhecido como western spaghetti, que se refere às produções italianas com roteiros ambientados no Velho Oeste americano. Essa mistura então inusitada de culturas ajudou a estabelecer um novo tom para o gênero faroeste, que na época era bem representado pelo americano John Ford, famoso por dirigir o ator John Wayne em Rastros de Ódio.
Nos bangue-bangues à italiana, tudo mudou. E Por um Punhado de Dólares é o perfeito exemplo disso. Antes, os protagonistas eram mocinhos, mas o personagem de Eastwood, Joe, está longe de ser um herói. Ele até livra a pequena cidade de San Miguel das duas gangues, os Baxter e os Rojos, porém de uma maneira bastante desonesta e com foco no dinheiro. Outra grande mudança veio no aspecto visual. As roupas vistosas e as armas bem lustradas deram lugar à farrapos e armas velhas, trazendo maior realismo para as telas e ajudando os produtores a reduzir gastos na hora de filmar.
Uma característica marcante do longa-metragem são suas dublagens. Mesmo se você assistir à versão original em inglês, dá para perceber que nem sempre a fala dos personagens bate com a boca dos atores. Isso acontece porque o set de filmagem era uma verdadeira Torre de Babel. O diretor Sergio Leone contratou atores americanos, alemães, espanhóis e italianos e os fez interagir em um típico “inglês macarrônico”. Fora a necessidade da dublagem, a decisão cria uma distância acidental entre os personagens, que reforça a frieza do Velho Oeste.
“O roteiro estava em inglês, um inglês muito estranho porque foi escrito por um grupo italiano de pessoas que não falavam a língua muito bem”, chegou a comentar Eastwood, em um documentário da BBC sobre o filme. “No entanto, gostei e senti que talvez uma abordagem europeia daria um novo sabor ao western, porque pensei que naquele momento os EUA estavam num período muito estagnado”, completou o ator. E ainda bem que ele topou participar da empreitada. Graças ao seu olhar mortal e maneira de segurar o charuto na boca, o ator conseguiu ter seu primeiro papel de sucesso.
Japonês exige seu quinhão
Com um orçamento de apenas 200 mil dólares, o filme foi um sucesso esmagador de bilheteria. Ao redor do mundo, rendeu 19,9 milhões de dólares e atraiu milhares de pessoas para as salas de cinema. Os espectadores eram atraídos com propagandas que exaltavam o novo estilo do filme, seu ator principal com cara de mau, a violência e a trilha-sonora do gênio italiano Ennio Morricone (como não se arrepiar com aquele dedilhado de violão em duelo com o assovio na canção-tema?).
O marketing nos Estados Unidos foi primordial para o sucesso, pois estabeleceu que Por um Punhado de Dólares fazia parte de uma trilogia do tal do “homem sem nome” (Eastwood), composta pelo filme de 1964 e pelas produções seguintes de Leone, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito. Apesar do êxito, nem tudo foi tranquilo para o cineasta italiano. Com o sucesso internacional, o diretor Akira Kurosawa assistiu ao longa-metragem e percebeu que o roteiro era uma versão de sua própria criação, Yojimbo. Este filme acompanhava um ronin que se colocava entre duas gangues para livrar um vilarejo no Japão. A premissa era a mesma e não deu outra: a companhia de Kurosawa processou Leone, abocanhando 15% de toda a bilheteria de Por um Punhado de Dólares. Na época, o japonês escreveu o seguinte: “Signor Leone, acabei de ter a oportunidade de ver o seu filme. É um filme muito bom, mas é o meu filme.”
Sendo de Leone ou de Kurosawa, Por um Punhado de Dólares marcou época e abriu caminho para que o lendário Clint Eastwood pudesse estabelecer sua carreira que hoje é celebrada por quem gosta dos “velhos tempos”. Mesmo 60 anos depois, a obra merece ser assistida e utilizada como referência para qualquer película de ação que queira se destacar. Seja você um fã ou alguém com vontade de conhecer a produção, agora é a hora de torcer para que a restauração em alta qualidade também chegue aos cinemas brasileiros no segundo semestre.
Erich Thomas Mafra, Gazeta do Povo