Assim como Frank Underwood, Alexandre de Moraes percebeu o vácuo de poder. O resto é história.| Foto: Montagem/ Netflix/ Lula Marques/ Agência Brasil
Caro leitor,
Estou revendo “House of Cards”. Não me pergunte por quê. Simplesmente deu vontade. E já na primeira temporada fica muito claro algo tinha passado despercebido para o espectador que fui naquele longínquo 2014: Frank e Claire Underwood são seres das trevas e, episódio a episódio, pervertem a ideia cristã de que de nada adianta ganhar o mundo e se perder ou se destruir (Lucas 9:25). Aliás, essa é uma crítica possível tanto a “House of Cards” quanto a alguns personagens da nossa realidade política tupiniquim: falta sutileza. O pacto é evidente demais.
Mas não é sobre isso que quero falar. Acontece que, no comecinho da segunda temporada, Frank Underwood assume o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos. É então que Kevin Spacey quebra a tal da quarta parede e, confessando sua ambição de um dia se tornar presidente da maior potência do mundo, reconhece que chegou até ali sem votos. “A um milímetro da Presidência e não recebi nenhum voto para isso. A democracia é tão superestimada”, diz ele.
Ao ouvir isso, me ergui teatralmente da poltrona, derrubei a pipoca no chão e levei uma bronca da minha mulher. Mas você sabe em quem pensei, né? Em Dias Toffoli, claro! O eterno estagiário, o amigo do amigo do meu pai que, semana passada, andou dizendo por aí que os juízes do STF são legitimados por 100 milhões de votos. Que essa declaração estapafúrdia tenha sido dita durante o julgamento daquilo que na prática significa a descriminalização da maconha é uma coincidência, tipo... Pô, sei lá, entende? Esqueci o que eu ia falar.
Torre de Babel
Em seguida pensei em Alexandre de Moraes. Só para dar o gostinho para aqueles que me acusam de ser obcecado pelo censor-geral da República. Minto. Pensei em Alexandre de Moraes também porque, ah, ele me lembra tanto Frank Underwood. Ou Frank Underwood me lembra Alexandre de Moraes, não sei. E não apenas na ambição pelo poder, mas sobretudo na forma como o personagem real e o fictício deram um nó nos belos conceitos democráticos até chegarem aonde chegaram. Se superestimada eu não sei, mas que a democracia tem lá suas falhas, ah, se tem!
Porque sem nenhum voto, nem o da própria esposa, Alexandre de Moraes se tornou aquilo que é, não posso dizer, mas todo mundo sabe. Sem nenhum voto, Alexandre de Moraes fez o que fez e ainda faz, como cassar uma sentença contrária a seus interesses e ainda por cima mandar investigar o juiz que o “desafiou”. Sem nenhum voto, nem unzinho para poder contar vantagem, Alexandre de Moraes hoje manda e desmanda no Brasil – e se reclamar te prendo, rapá!
Aí, já que eu estava com meus pensamentos lá na Praça dos Três Poderes, aproveitei para pensar no ministro Luís Roberto Barroso. Que, sem nenhum voto, vem impondo a Agenda 2030 da ONU, com suas pautas progressistas que passam por cima da cultura e da tradição dos povos para construir uma versão nova da Torre de Babel. Que um dia há também de desabar sobre a cabeça desses engenheiros sociais todos.
Onze nadas
De volta a “House of Cards”, fico me perguntando se a série teve alguma influência na forma como nós, brasileiros, encaramos tudo o que aconteceu nos últimos anos, do impeachment de Dilma Rousseff e ascensão da Lava Jato até a eleição de Bolsonaro, a queda da Lava Jato e a cooptação ideológica da imprensa. Sem esquecer do Supremo Tribunal Federal, que percebeu que bastava um dispositivo no Regimento interno da casa para transformaram onze nadas em um déspota + dez alguma-coisa.
Digo, será que aquela trama bem roteirizada e interpretada, com suas intermináveis conspirações e conluios, com toda sorte de traição e caráteres extremamente volúveis, com toda aquela política feita sem qualquer outro princípio que não o acúmulo ou a manutenção do poder não acabou por contaminar a imagem que fazíamos dos políticos brasileiros, antes adoravelmente caricaturáveis – até os mais escroques?
Encerro esta carta confessando, não sem um bocado de vergonha, que minha outra distração televisiva ultimamente tem sido o reality show “Casamento às Cegas”. É tosco, mas me diverte e, na hora do aperto, posso sair por aí dizendo que só assisto a isso por um, digamos, interesse antropológico. Não estaria mentindo. Mas pode ficar tranquilo que não escreverei nenhuma crônica intitulada “Como o piti de Ariela explica o governo Lula” nem nada do tipo. Se bem que às vezes dá vontade. Ah, se dá!
Aquele abraço do
Paulo
Paulo Polzonoff, Gazeta do Povo