Juiz federal Eduardo Appio - Foto: Reprodução/Gazeta do Povo
Na última semana, ocorreu o desfecho de um dos momentos mais lamentáveis da história da operação Lava Jato: a gestão do juiz federal Eduardo Appio, também identificado como “LUL22” - login que usava no sistema da Justiça, visível aos servidores, numa alusão à campanha de Lula nas eleições de 2022.
Num acordo estranho e inédito com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o juiz Appio renunciou à 13ª Vara Federal de Curitiba e aceitou ser removido para uma outra área da Justiça Federal. Mais ainda: admitiu ter cometido condutas impróprias na condução dos processos da Lava Jato.
O juiz “LUL22” se removeu para a 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da Lava Jato, no começo de 2023. Deu início à sua gestão com uma série de entrevistas inapropriadas para vários jornais, em que se dedicava a atacar e criticar a Lava Jato e seus agentes, como Moro e eu, repetindo a ladainha de que a operação cometeu abusos e excessos.
Ironicamente, criticava a Lava Jato por “midiatismo”, enquanto dava várias entrevistas. No número de entrevistas, superou até mesmo os procuradores da força-tarefa e o próprio juiz Moro no primeiro ano inteiro da operação. Ficou claro que Appio usava holofotes para criticar a operação, como, aliás, já havia feito antes de assumir a Vara.
Não demorou muito para cair a máscara do juiz “LUL22”. Logo se descobriu que ele utilizava como login na Justiça Federal do Paraná o termo “LUL22”. Appio desconversou no início, só para depois desmentir a si mesmo e confessar em uma entrevista que usou mesmo “LUL22” como login.
Com o login de dar orgulho à companheirada petista, Appio violou em tese a Lei Orgânica da Magistratura, que impede juízes de exercerem atividade político-partidária e promoverem propaganda política, já que servidores da Vara liam a mensagem eleitoral implícita toda vez que batiam os olhos no seu login, que aparecia ao lado de “eventos” (fases ou documentos) que ele assinava nos processos eletrônicos.
Appio desconversou no início, só para depois desmentir a si mesmo e confessar em uma entrevista que usou mesmo “LUL22” como login
Descobriu-se, ainda, que o juiz havia doado para a própria campanha de Lula, segundo registros do próprio TSE, e para outra candidata do PT ao cargo de deputada estadual pelo Paraná. Ele negou as doações e, como deputado, pedi a instauração de investigação da Polícia Federal para apurar o fato.
Na sequência, surgiram novas descobertas muito preocupantes no histórico do juiz LUL22. Entre as descobertas: soube-se que seu pai, político, constava nas planilhas da Odebrecht, sob o codinome “Abelha”. Será que alguém que teve o pai implicado nas investigações teria imparcialidade para julgar o caso?
Além disso, identificou-se algo pior: o próprio juiz vendeu um apartamento a um condenado da Lava Jato, o político petista André Vargas, em uma operação de lavagem de dinheiro que foi objeto de denúncia do Ministério Público. O próprio juiz “LUL22” teria sofrido punições disciplinares pela declaração da venda do apartamento por valor diferente do valor real.
Na Câmara dos Deputados, eu e dezenas de outros deputados da oposição apresentamos reclamação disciplinar contra o juiz “LUL22”. Outros políticos fizeram a mesma coisa e o Ministério Público Federal em Curitiba entrou com mais de 30 pedidos de suspeição contra Appio.
Durante algum tempo, Appio conseguiu dar sequência à sua atuação contra a Lava Jato, fazendo críticas públicas. Mais ainda: emitiu uma série de decisões muito questionáveis que foram revertidas pelo Tribunal. Tudo ajudava o governo Lula a reescrever a história e executar sua vingança contra os juízes e procuradores da operação.
Será que alguém que teve o pai implicado nas investigações teria imparcialidade para julgar o caso?
Mas então veio a bomba: o juiz foi acusado de alegadamente fazer uma ligação ameaçadora ao filho do desembargador Marcelo Malucelli, responsável por revisar as decisões do próprio juiz “LUL22” no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). A ligação foi gravada pela vítima.
Diante das evidências fortíssimas de irregularidades, inclusive da gravação em vídeo em cujo exame a Polícia Federal atestou a alta probabilidade de a voz ameaçadora ser de fato a de Appio, o juiz acabou afastado de suas funções e teve sua suspeição declarada pelo TRF4. Depois disso, Toffoli surpreendentemente - ou talvez não tanto, dado o histórico de sua ligação com o petismo e de decisões contra a Lava Jato - anulou a suspeição de Appio, mas manteve seu afastamento.
Agora, soubemos que o juiz “LUL22” fez um “acordo” com o CNJ para encerrar o processo disciplinar contra ele, em que admitiu condutas impróprias, mas sem especificar quais condutas. Tanto o “acordo” quanto a “confissão” meia-boca do juiz são bastante estranhas e sem precedentes no âmbito do Direito Administrativo Sancionador.
No processo disciplinar, não há partes e nem interesses divergentes a serem conciliados para que sejam propostos “acordos”: existe apenas a investigação de condutas ilícitas e a punição, de caráter repressor e disciplinar, a quem cometeu a irregularidade. É a primeira vez que ouço falar de acordo disciplinar.
Nunca se ouviu falar, ainda, de alguém que confessasse condutas impróprias sem dizer, de maneira específica, quais condutas seriam essas - pressuposto lógico até para se verificar se a conduta foi de fato imprópria ou não e o grau da impropriedade. Mais ainda, a sociedade tem o direito de saber quando um juiz federal admite condutas impróprias e quais condutas seriam essas, por três razões.
Primeiro, por uma questão de transparência, que foi alegada pelo ministro Salomão, que preside o CNJ, ao divulgar relatório preliminar de inspeção sobre a Lava Jato, em que aventava “possíveis irregularidades”, algo igualmente inédito. Inédito porque a sindicância é sigilosa e porque não havia prova de nada, meras suspeitas infundadas.
Coincidentemente, a inédita divulgação do relatório parcial aconteceu logo antes de Lula, que declarou querer se vingar da Lava Jato, estar apto a escolher o novo ministro do STF, cargo para o qual Salomão é um dos principais candidatos.
Segundo, porque o juiz será transferido para uma outra Vara, onde pode se comportar de maneira imprópria novamente, colocando em risco os direitos das pessoas que buscarem o Judiciário. Terceiro, porque a conduta imprópria, a depender do que for exatamente, pode prejudicar direitos de investigados e réus, ou então da sociedade e das vítimas, que têm o direito de saber o objeto da confissão.
O mesmo CNJ, que passou a mão na cabeça de Appio, está investigando os juízes que atuaram na Lava Jato, na inspeção acima mencionada. Uma das críticas que o relatório parcial divulgado dirigiu contra a Lava Jato foi a de que, vejam só, a operação devolveu para a Petrobras os bilhões roubados, como se houvesse algo de errado em devolver à vítima o que foi roubado dela.
Para o ministro, a operação deveria ter aguardado o trânsito em julgado dos processos. Contudo, omitiu o fato de que o STF e os outros juízes, em outras operações, adotaram o mesmo procedimento. De todo modo, se o ministro Salomão divulgou o relatório por transparência, como afirmou, deveria fazer o mesmo agora, por coerência, para que a sociedade saiba exatamente quais foram as irregularidades e condutas impróprias do juiz Appio.
O tratamento deveria ser coerente. Deveria. A não ser que o CNJ pretenda efetivamente dar um tratamento diferente para o juiz cuja atuação se alinhou com o desejo de vingança de Lula. Um bom teste para isso será observar o tratamento que o mesmo órgão dará aos juízes da Lava Jato, que nem de perto fizeram nada tão grave quanto o juiz “LUL22”.
Deltan Dallagnol, Gazeta do Povo