terça-feira, 5 de setembro de 2023

'O modelo econômico de Xi Jinping não funciona', diz Vicente Lozano

 

O ditador da china, Xi Jinping: autoritarismo não está funcionando na economia| Foto: EFE/JOÉDSON ALVES


A China está enfrentando problemas significativos novamente. Os dados sobre a evolução econômica divulgados nas últimas semanas confirmam que a atividade da segunda maior economia do mundo está desacelerando, o que não é bom nem para a China, nem para o mundo. O modelo cada vez mais autocrático de Xi Jinping não está funcionando.

O Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 6,3% em termos anuais no segundo trimestre de 2023, abaixo do que os analistas haviam previsto. Além disso, se compararmos trimestre a trimestre, o aumento foi de apenas 0,8%, muito abaixo dos 2,2% registrados na primeira metade do ano. O país entrou em deflação – uma perigosa queda real nos preços – em julho, com o índice de preços ao consumidor (IPC) registrando uma queda de 0,3% em relação ao ano anterior, enquanto o índice de preços industriais, que mede os preços dos produtos que saem das fábricas, caiu 4,4% em termos anuais. Além disso, houve a maior queda nas exportações – o comércio internacional é vital para a economia chinesa – desde 2021. O crescimento experimentado em 2022, após deixar para trás a política de "Covid Zero" que reconfinou algumas grandes cidades, foi apenas uma miragem.

Como a China chegou a essa situação? Em primeiro lugar, é preciso considerar as mudanças no comércio internacional com o retorno à normalidade pós-Covid. Os países ocidentais reduziram a demanda por produtos chineses e diversificaram suas compras. Muitas empresas dos Estados Unidos e da Europa estão agora olhando para a Índia para adquirir produtos fabricados lá, por exemplo.


De acordo com um relatório alemão, o modelo econômico chinês baseado em exportações pode estar esgotado.


Um recente relatório do Bundesbank, o banco central alemão, destaca algumas das causas do estagnação chinesa. Uma delas é que "atingiu o limite de seu modelo de crescimento voltado principalmente para a exportação", porque a vantagem competitiva que tinha devido aos baixos custos de produção em comparação com outros países diminuiu. Por um lado, os salários aumentaram e, por outro, países como o Vietnã, que ainda têm custos mais baixos do que a China, entraram no comércio internacional.


Desaceleração imobiliária

Mas o maior motivo para a desaceleração chinesa é "a fragilidade da demanda interna", como apontam os economistas Ding Chen e Ling Chen, da gestora de fundos Pictet, no jornal Financial Times. Duas mudanças regulatórias ocorridas em 2020 foram fundamentais para essa situação. A primeira foi a limitação do endividamento dos promotores imobiliários. A segunda foi o controle das práticas antimonopolistas no comércio eletrônico, que resultou em uma multa recorde para o gigante Alibaba e uma queda nas cotações das empresas desse setor.


A desaceleração do setor imobiliário está funcionando como um entrave para a economia nacional.


"O pouso brusco do setor imobiliário é o que causou o maior dano" à economia, afirmam os autores do artigo. O setor imobiliário representa cerca de 7% do PIB, mas todas as atividades relacionadas a ele contribuíram com mais de 30% do crescimento chinês na última década. A compra de imóveis é um "amplificador de crédito", direcionou grande parte da poupança das famílias, estimulando assim o setor bancário e impulsionando outros setores, desde a construção até a fabricação de eletrodomésticos. Além disso, a reclassificação de terras para construção de moradias gerou uma enorme fonte de receita para os governos locais.

Tudo isso desmoronou nos últimos dois anos, quando as vendas de imóveis e o investimento imobiliário caíram a taxas de dois dígitos, e muitos promotores entraram em inadimplência. As gigantes imobiliárias Evergrande, que recorreu à legislação de falências nos Estados Unidos, e Country Garden, que anunciou perdas de cerca de 7 bilhões de euros no primeiro semestre de 2023, são exemplos da precária situação do setor: a queda nos negócios e nos preços os deixou superendividados e sem capacidade de reação. "Muitos promotores entraram em inadimplência, com perda de empregos, o que prejudicou o consumo". Diante da desvalorização de suas casas, o principal investimento das famílias, estas optam por economizar e parar de gastar, como evidenciado pelo aumento dos depósitos bancários no último ano.

O governo de Xi Jinping tentou aliviar essa situação com uma política expansionista, mas só conseguiu superaquecer a economia em setores-chave para o país, como o imobiliário. Além disso, os investimentos no setor tecnológico e em pesquisa e desenvolvimento não trouxeram os resultados esperados. Assim como não teve sucesso a tentativa de impulsionar o consumo privado para mitigar os efeitos da queda na demanda externa, diz o Bundesbank.

A China está se aproximando de uma tempestade quase perfeita que precisa enfrentar imediatamente e de forma enérgica: a contração da demanda interna e a queda na demanda externa, os dois pilares em que o milagre chinês se baseou nas últimas décadas, representam uma situação perigosa para Xi, porque uma desaceleração econômica pode levar a um aumento do descontentamento social.


Alto desemprego juvenil

Nas décadas de explosão econômica da China, houve um êxodo do campo para as cidades em busca de trabalho. Centenas de milhões de cidadãos migraram, e um aumento no desemprego com a queda da atividade pode gerar sérios distúrbios sociais, apesar do controle rígido exercido pelo governo de Xi.

Por exemplo, em meados de agosto, o governo decidiu suspender a publicação das estatísticas de desemprego juvenil depois que se soube que havia subido para um recorde de 21,3% da população ativa entre 16 e 24 anos. O desemprego se deve principalmente à perda de atividade nos setores imobiliário e tecnológico. E milhões de jovens desempregados nas cidades chinesas podem ser um gatilho para incendiar o país com conflitos sociais.


A escassez de emprego e os altos preços da moradia ameaçam o futuro dos jovens.


Portanto, o desemprego juvenil é crucial para o governo. A revista The Economist acaba de publicar uma reportagem que resume o sentimento de muitos jovens chineses. "Muitos ainda têm fé no partido e apoiam os apelos de Xi para construir uma China forte. Mas muitos outros sofrem de profunda angústia. Os graduados universitários percebem que o conhecimento que adquiriram ao longo dos anos não é o que os empresários querem. A escassez de emprego e os altos preços das casas têm frustrado suas esperanças de comprar uma casa e começar uma família. O ambiente está ficando cada vez mais sombrio. Os jovens desiludidos falam em desistência".

E esse descontentamento envolve riscos políticos. "Jovens frustrados abalaram a China no passado, principalmente em 1989, quando estudantes se reuniram na Praça da Paz Celestial para exigir mais liberdade e menos corrupção. No ano passado, cansados dos rígidos controles do Covid, os jovens se reuniram em cidades de toda a China. Alguns pediram que Xi e o partido abandonassem o poder", afirma a revista.


Estímulos

A teoria econômica diz que diante de uma queda na demanda, a tarefa das autoridades é estimular a economia, mas nem todos os analistas concordam, pois um superaquecimento da economia pode aumentar os níveis de dívida pública: o endividamento dos governos locais aumentou de 60% para 77% do PIB após o plano de estímulo lançado pelo governo chinês em 2015.

De fato, quando muitos analistas pediam ao Banco Central da China uma grande redução das taxas de juros, este surpreendeu com uma redução de apenas 15 pontos-base nas taxas de empréstimos, que muitos especialistas consideraram "decepcionante". "Isso sugere que o Banco Central está tentando equilibrar seu desejo de impulsionar a atividade econômica com sua preocupação com a situação dos bancos, que estão enfrentando uma redução de margens e uma menor capacidade de gerar lucros".


O mundo está de olho

É lógico que o mundo está atento à evolução da segunda maior economia do mundo. O jornal francês Le Monde destacou recentemente em um editorial que parte da desaceleração econômica na Alemanha se deve à maior dependência do país do comércio com a China em comparação com outras nações europeias.

Mas enquanto a desaceleração chinesa não se transformar em uma crise, não há muita preocupação com seu impacto internacional. É verdade que a queda das importações chinesas afeta milhares de empresas ocidentais que vendem seus produtos lá, mas não de forma significativa. As vendas para a China representam apenas de 4% a 8% dos negócios de todas as empresas listadas em bolsa nos Estados Unidos, Europa e Japão. As exportações dos EUA, Reino Unido, França e Espanha representam de 1% a 2% de suas respectivas produções. Ainda que algumas empresas específicas possam sentir isso: a Tesla realiza cerca de um quinto de suas vendas na China e o fabricante de chips Qualcomm vende quase dois terços de sua produção lá. A queda na demanda chinesa também será sentida pelos países exportadores de matérias-primas, especialmente os da África.

A revista The Economist é moderadamente otimista sobre o impacto da desaceleração chinesa no mundo, desde que não se agrave. "As dificuldades da China vêm em um momento em que o resto do mundo está melhor do que o esperado. Em julho, o FMI revisou para cima suas previsões de crescimento global em relação às previsões de abril. O mais notável tem sido a saúde do maior importador do mundo e rival geopolítico da China, os Estados Unidos, que, de acordo com algumas pesquisas, cresce a um ritmo quase frenético de quase 6%", diz um comentário editorial recente.

"Nesse contexto, a desaceleração do crescimento chinês deve até certo ponto ser um alívio para os consumidores do mundo, pois resultará em uma menor demanda por matérias-primas, o que reduzirá os preços e os custos de importação", acrescenta. Isso, por sua vez, aliviará o trabalho do Federal Reserve [sistema de bancos centrais dos Estados Unidos] e de outros bancos centrais, que aumentaram as taxas para os níveis mais altos em décadas no último ano.

No entanto, "uma desaceleração mais prolongada poderia levar a China a se recolher em si mesma", e isso poderia mudar a situação. A revista dedica sua última capa à economia chinesa com a manchete expressiva "O modelo falido de Xi" e explica que seu governo cada vez mais autoritário está enfrentando crescentes dificuldades para endireitar o país.


Vicente Gozano, Gazeta do Povo