Ex-presidiário Lula no lançamento de mais um PAC, fonte do Petrolão, que acabou levando o petista ao xilindró - Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Alternando sua agenda entre negociações com o Centrão e viagens internacionais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aposta, na esfera econômica, na reedição de programas "vitrines" de seus governos anteriores, dando nova chance a medidas intervencionistas de resultados questionáveis.
Com a terceira versão do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, Lula promete a consolidação do Estado como indutor do desenvolvimento no país, ao melhor "estilo Xi Jinping", o presidente da China.
"É importante que a gente respeite o papel de indução do Estado (…) O Estado existe exatamente por isso, para dizer como as coisas devem ser feitas", discursou Lula para uma plateia de apoiadores, executivos e representantes de parcela do PIB nacional presentes no lançamento do PAC, em agosto.
A fala do petista traduz a ideia, enraizada na esquerda nacional, de que o Estado deve ser o principal motor do desenvolvimento. A comparação com o presidente chinês – que não acredita nas forças do mercado como solução para os problemas, nem vê espaço em que o Partido Comunista não possa ou não deva intervir – é ironia inevitável.
Na China, é o Estado que controla boa parte das maiores empresas do país, como ensaiou modestamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a tentativa de interferência na Vale e na Eletrobras.
Mais recentemente, o governo pôs dois de seus ministros no conselho de administração de outra empresa privada – a Tupy, uma multinacional da área de metalurgia. Anielle Franco, da Igualdade Racial, e Carlos Lupi, da Previdência, foram indicados pela BNDESPar, empresa de participações do BNDES, e vão substituir dois profissionais de carreira do banco.
Não chegamos ao nível do capitalismo de Estado da China, porém, a crença estatizante foi predominante em todo processo de industrialização do país, inclusive nos governos militares. É oposta aos princípios do liberalismo clássico, que prega um Estado enxuto, focado em direitos individuais, como segurança, justiça e livre mercado.
A reapresentação do PAC é a coroação da mentalidade do Estado indutor, repetindo a estratégia ambiciosa de atacar todas as frentes ao mesmo tempo e promover, nas palavras do seu ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, à época do primeira versão do programa, em 2007, o "social-desenvolvimentismo". O resultado, como se viu, não foi o esperado.
Nesse período, entre 2007 e 2010, com a economia mundial em alta e a arrecadação do governo também, o PAC incluía 1.646 obras e estudos de projetos com valor estimado em R$ 504 bilhões. Em 2009, já em plena crise global, o governo aumentou em R$ 132 bilhões os gastos para o período, visando fazer frente à recessão mundial. No governo Dilma, em 2011, veio o PAC 2, prometendo investimentos de R$ 955 bilhões até 2014.
Ainda que o investimento público tenha aumentado graças ao programa, isso não significou eficiência nos gastos. O saldo dos dois programas foi um acúmulo de falhas de execução, atrasos, obras paradas e denúncias de superfaturamento e corrupção.
Para a atual edição do PAC, os investimentos totais estão estimados em R$ 1,7 trilhão, considerando o Orçamento da União, dinheiro de estatais e recursos privados, dos quais R$ 1,4 trilhão será desembolsado até o fim do mandato de Lula. São mais de mil obras em todos os estados.
Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso, criticou a ambição do programa. "É sabido que quando tudo é prioritário nada é prioritário (…) É conhecida a importância da seletividade e do critério na escolha de projetos", apontou Malan em artigo no jornal "O Estado de S. Paulo".
Iniciava privada terá papel central no programa
Embora ressalte o papel do Estado, a participação da iniciativa privada é a maior dentro do PAC, com previsão de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Serão R$ 612 bilhões de investimentos privados e R$ 371 bilhões do Orçamento da União. Também estão previstos, segundo o governo, R$ 362 bilhões em financiamentos e R$ 343 bilhões de estatais, a maior parte de projetos da Petrobras.
Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper e autor de dois livros sobre o capitalismo de Estado no Brasil, a presença pública nos investimentos, embora continue sendo forte, perdeu espaço para a iniciativa privada a partir da década de 1990 – primeiro com os ventos liberalizantes, e mais recentemente com o "auxílio" do déficit das contas públicas, que derrubou a capacidade de investimento do governo.
Os dados dos últimos anos, por sinal, põem em xeque a tese segundo a qual é preciso o setor público elevar investimentos para que o setor privado também o faça.
Em 2021 e 2022, o investimento do Executivo federal caiu para 0,6% e 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), respectivamente, os níveis mais baixos da série histórica do Tesouro, iniciada em 2008. Mesmo assim, o investimento produtivo total (que inclui os aportes do setor privado) aumentou nesses dois anos, beirando 19% do PIB, após cinco anos na casa dos 15% ou 16%, segundo dados do IBGE.
Para Lazzarini, o papel do setor público é prioritariamente a criação de um ambiente propício ao investimento privado. "O Estado deveria se concentrar em infraestrutura e, especialmente, nos setores e localidades onde não há interesse da iniciativa privada", acredita.
Em relação especificamente à infraestrutura, um levantamento da consultoria Inter.B sobre o período de 2019 a 2022 revela que os investimentos públicos (incluindo estados, municípios e estatais) se situaram próximos a 0,6% do PIB no período, ao passo que os investimentos totais (isto é, incluindo o setor privado) se expandiram em 0,35% do PIB do início ao fim desse intervalo, chegando a 1,86% do PIB em 2022.
Segundo o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B, a projeção é que os investimentos totais em infraestrutura alcancem 1,94% do PIB em 2023. Ainda é pouco. "Apesar dos ganhos, há uma necessidade estimada de 4,2% do PIB ao longo das próximas duas décadas para a modernização do setor. Estamos ainda distantes", diz Frischtak.
Mercado não vê cenário propício a investimentos
Analistas de mercado veem com ceticismo a atração de investimentos no cenário atual. Vale lembrar que em 2007, no primeiro PAC, os bons ventos internacionais e o boom das commodities impulsionaram a economia, a exportação de grãos gerava recordes de receita e garantia o superávit das contas do Tesouro, que podia investir mais.
Hoje o país tem um rombo exorbitante nas contas públicas e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrenta uma cruzada no Congresso para aprovar projetos que permitam sonhar com o cumprimento da meta do arcabouço fiscal, de zerar o déficit primário até 2024.
A falta de dinheiro é tal que o Orçamento da União de 2024, recém-enviado ao Congresso, prevê somente R$ 69,7 bilhões para investimentos, apenas R$ 1,2 bilhão a mais que o "piso" determinado pelo novo arcaboço fiscal, correspondente a 0,6% do PIB. Ou seja, com PAC e tudo, o investimento federal deve se manter nos níveis historicamente baixos atingidos nos últimos dois anos.
Do lado dos investimentos privados, os juros locais, ainda elevados, e o cenário externo, com altas taxas nos países ricos, restringem os desembolsos. “O presidente parece que se apegou aos primeiros mandatos dele e acha que o país está igual. Essa é a sensação que o mercado tem”, avaliou Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos, ao InvestNews.
Ponto central é governança dos projetos
Além de ignorar o cenário atual, o presidente Lula não parece dar o devido peso à correção dos erros das versões anteriores do PAC, que ficaram mais conhecidas por seus problemas do que por resultados concretos.
Em 2019, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que 2.914 obras do PAC – 21% dos contratos – encontravam-se paralisadas 12 anos após o início do programa.
Ainda hoje, segundo o TCU, há 5.344 obras herdadas dos PACs 1 e 2 sem conclusão. Destas, 2.688 estão paradas. A estimativa é que o governo precisará desembolsar quase R$ 44 bilhões só para terminar os empreendimentos das versões passadas.
Para Sérgio Lazzarini, mais que o volume, o essencial é qualidade dos investimentos, capacidade de execução, eficiência no gerenciamento, cobrança e avaliação de resultados. "É preciso melhorar os instrumentos de governança na gestão pública e de transparência dos contratos", afirma.
Frischtak também alerta que o governo deve rechaçar tentações populistas e investir na melhoria da governança. "Decisões do Executivo com frágil base técnica geram desperdício e má alocação de recursos públicos. O país já está maduro e informado para não aceitar formas distorcidas de fazer política pública", assinala a Carta de Infraestrutura 2023, publicada pela Inter.B.
Do lado privado, o consultor acredita que não há como garantir investimentos sem a melhoria da institucionalidade do ambiente de negócios no país. "As empresas necessitam de maior segurança jurídica e previsibilidade regulatória", diz.
Para Lazzarini, entre tantos desafios para o desenvolvimento, o país não tem maturidade institucional eficiente capaz de criar anteparos robustos ao mando e desmando dos governos. Ele lembra a Lei das Estatais, modificada por uma decisão monocrática do STF. "Sem um esquema estatal robusto e orientado para objetivos públicos transparentes, os resultados ficam comprometidos, de onde quer que venham os investimentos", diz.
Rose Amantéa, Gazeta do Povo