Chaplin, na cena clássica que retrata não um momento histórico, e sim um conflito permanente da alma humana.| Foto: Reprodução/ Twitter
Circula por aí um vídeo em que militantes tentam retratar o algoz supremo como uma vítima da incompreensão alheia. Um deles explica que Alexandre de Moraes não tem mais vida social. Não pode ir a restaurantes, shoppings ou ao clube que costumava frequentar – e no qual quase prendeu um sócio que falava mal dele na mesa do bar. À beira de canastríssimas lágrimas, o militante é interrompido por uma voz estridente que lamenta: “Isso não é vida!”. Tadinho.
Assisti a essa farsa jornalística um dia antes de Alexandre de Moraes pegar o seu cetrinho, se sentar no seu troninho e avançar sobre mais um coitado que não tem como se defender. O podcaster (apresentador? radialista?) Monark foi multado em R$300 mil por dia, teve suas contas nas redes sociais censuradas e ainda será investigado por “desobediência”. O crime: ter entrevistado o jornalista Allan dos Santos. Aliás, outro pobre-diabo perseguido pela cruzada mui democrática de Alexandre de Moraes.
E foi assim, pensando na pequenez das vítimas do regime alexandrista (um ex-deputado intelectualmente limitado, um velho à beira da morte e agora um jovem apresentador de podcasts), que me dei conta da pequenez de um ditador que não tem coragem nem mesmo para se assumir como tal. Um ditador frágil, que se sente violentado por insultos banais ditos num aeroporto remoto. Um ditador que no fundo deve se sentir um poeta incompreendido e injustiçado. “Eu só queria salvar a democracia”. Oh!
Um ditador que escolhe seus adversários pelo tamanho diminuto. Pela certeza de que poderá atropelá-los ao arrepio da lei e sem encontrar resistência muito maior do que este texto de um cronista de província. Pela convicção de que seus moinhos de vento são monstros que ele, Alexandre de Moraes, nasceu predestinado a derrotar.
Silêncio
Tenho pena, sim. De Alexandre de Moraes e de todos os que compartilham desse objetivo risível que é exercer o poder total, o poder tirânico, o poder ditatorial de controlar o que as pessoas pensam e fazem. De dominar o mundo sem jamais chegarem perto o suficiente dele para caridosamente abraçá-lo. Tenho pena de quem almeja figurar nos anais burocráticos ao lado de alcunhas improváveis como “herói”, “salvador” e “gênio”. Tenho pena de quem troca cotidianamente a alma pela promessa enganosa de ser um deus.
Deve ser mesmo uma vida muito triste a dessas pessoas que têm todos os privilégios do mundo, comem do bem e do melhor, viajam para lá e para cá e são aduladas o tempo todo por puxa-sacos. Mas cuja honra (ah, a honra!) é um barraco mobiliado com uma poltrona velha onde se senta aquele que promete o poder mundano e uma geladeira desabastecida de quaisquer virtudes. Sem falar que o pobre-diabo não pode nem ir ao bar da esquina rir com os amigos e escutar a deliciosa sabedoria ébria daqueles que querem nosso bem. Nosso verdadeiro bem.
(Aliás, estou retirando o convite para aquela nossa conversa regada a cerveja e lambari frito, Alexandre. Desisto).
Costurando aqui a pena com a linha da indignação, me lembrei de uma passagem do livro “Silêncio”, de Shusaku Endo, magistralmente adaptado para o cinema por Martin Scorsese. Diz o trecho que o pecado não é roubar ou mentir. Não! O pecado é passar por cima do outro. É atropelar o outro sem se importar com o ferido que fica lá, estendido na rua, a perna quebrada num ângulo improvável. É perseguir, é humilhar, é instrumentalizar, é escravizar e depois sair por aí, rindo, enchendo a boca de lagosta e posando de crossfiteiro no Instagram.
Serve para Alexandre de Moraes, mas não só. Serve também para o ditadorzinho envergonhado que habita cada um de nós.
Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor
Paulo Polzonoff Jr., Gazeta do Povo