quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O império da mentira ataca novamente

 

Que dupla, hein cara pálida! - Arquivo


Em mais um desses episódios que, se tivessem vindo do outro lado do espectro político-ideológico, estariam sendo imediatamente denunciados em cadeia nacional como “ataque às instituições democráticas” ou, no mínimo, “disseminação orquestrada de fake news”, o petismo está distorcendo o sentido de uma decisão da segunda instância da Justiça Federal para insistir na lenda do “golpe” contra Dilma Rousseff em 2016. 

O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região manteve o arquivamento de uma ação de improbidade administrativa contra a ex-presidente, e isso bastou para que Lula e os petistas retomassem a cantilena. 

O presidente disse que o Brasil “devia desculpas” a Dilma e o partido quer até mesmo uma “devolução simbólica” do mandato cassado, a exemplo do que foi feito com João Goulart, deposto pelos militares em 1964.

As “pedaladas fiscais” que levaram ao impeachment de Dilma foram manobras contábeis em que o governo atrasava os repasses a bancos federais responsáveis por pagamentos de programas sociais como o Bolsa Família; na prática, os bancos eram “forçados” a emprestar dinheiro à União e as contas públicas acabavam maquiadas, dando a impressão de estarem em situação melhor que a real.

Graças a este truque, aliado a três decretos de abertura de crédito suplementar sem autorização do Legislativo, Dilma teve suas contas reprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e cometeu crime de responsabilidade, punido pelo Congresso com o impeachment, em rito devidamente avalizado pelo Supremo Tribunal Federal. 

No único momento em que a Constituição foi atropelada, isso se deu não em prejuízo de Dilma, mas em seu benefício, quando o Senado votou pela cassação, mas manteve os direitos políticos da petista, violando frontalmente o artigo 52, parágrafo 1.º da Carta Magna.


O impeachment esteve muito longe de ser um golpe; foi a aplicação pura e simples da Constituição. Golpe é a distorção deliberada de uma decisão judicial para, com isso, espalhar uma mentira e desmoralizar uma decisão soberana do Poder Legislativo


Em outra frente, o Ministério Público Federal ingressou com ação de improbidade administrativa contra Dilma, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho. Esta ação foi arquivada em 2022, mas o MPF recorreu e o TRF1 manteve o arquivamento – esta é a decisão que está sendo celebrada pelos petistas como um “atestado de inocência” da ex-presidente. 

No entanto, como é evidente, não chegou a haver absolvição alguma, mas apenas um arquivamento; a Justiça simplesmente entendeu que não se aplicava, ali, o conceito de improbidade administrativa, e ressaltou que Dilma já havia sido julgada pelo episódio ao ser cassada pelo Senado. 

O mérito da questão nem chegou a ser analisado, Dilma não foi declarada nem inocente, nem culpada, e o TRF1 não afirmou absolutamente nada sobre as decisões do TCU e do Senado.

Este truque, da parte de um petismo que se acostumou à mentira como método, não é novo, e foi usado até mesmo em um direito de resposta claramente mentiroso que o TSE forçou a Jovem Pan a veicular, na reta final da campanha do segundo turno de 2022. 

A própria decisão do STF que fez de Lula um ficha-limpa não foi uma absolvição, mas uma anulação por questões processuais, especialmente acintosa porque para que ela ocorresse foi necessário inventar um “erro de CEP” e reverter jurisprudência do próprio STF sobre a competência da 13.ª Vara Federal de Curitiba para julgar as ações contra Lula. 

No fim, tanto o caso do tríplex do Guarujá quanto o do sítio de Atibaia prescreveram, o que também não equivale a um veredito de “inocente”. Nada disso, por certo, anula o valor documental do enorme conjunto probatório levantado pela Operação Lava Jato sobre a participação de Lula no petrolão. 

As provas não podem mais ser usadas em tribunais, mas não se tornaram falsas por causa disso. No caso de Dilma, as evidências das “pedaladas” (e que também eram abundantes) nem mesmo perderam seu valor jurídico; no máximo, a Justiça considerou que não se aplicavam a uma ação por improbidade administrativa.

O impeachment, portanto, esteve muito longe de ser um golpe; foi, sim, a aplicação pura e simples da Constituição para proteger a população de governantes que se julgam capazes de fazer o que bem entenderem com as contas públicas. 

Golpe é a distorção deliberada de uma decisão judicial para, com isso, espalhar uma mentira e desmoralizar uma decisão soberana do Poder Legislativo, no uso de suas atribuições: golpe na verdade histórica e golpe na democracia.


Gazeta do Povo