O ministro da Justiça, Flávio Dino.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
Na terça-feira (1º), o presidente da CPMI do 8 de janeiro, deputado Arthur Maia (União-BA), ameaçou recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) se o ministro da Justiça, Flávio Dino, não entregar as imagens das câmeras de segurança de seu ministério. A julgar pelo nível de parceria entre a Corte e Dino nos últimos meses, uma decisão do STF que contrarie o chefe da pasta da Justiça é improvável.
Dino tem sido o principal elo entre o Executivo e o Supremo nas iniciativas contrárias à liberdade de expressão da direita no Brasil. Desde que entrou no poder, demonstra alinhamento com a Corte no discurso e nas ações, e faz com frequência gestos de solidariedade aos ministros.
No último domingo (30), Dino recorreu ao Twitter para chamar atenção para uma estatística publicada pelo site Poder360, segundo a qual ministros do STF teriam sido "hostilizados" 74 vezes nos últimos 6 anos.
A lista inclui ofensas leves – como o ex-presidente Jair Bolsonaro chamando o ministro Luís Roberto Barroso de "imbecil" – e comentários críticos que dificilmente seriam considerados ofensivos em uma democracia funcional, como um grupo de brasileiras em Nova York questionando Gilmar Mendes se "o crime compensa" no Brasil. Para Dino, no entanto, tratam-se de "agressões à Constituição".
"Isso é péssimo para o Brasil, na medida em que são tentativas de impedir o livre exercício do Poder Judiciário. Não são 'hostilidades' pessoais, são agressões contra a Constituição", disse via Twitter sobre a lista.
O jurista Fabricio Rebelo, coordenador do Centro de Pesquisa em Direito e Segurança (Cepedes), criticou o tuíte em uma resposta ao ministro: "Nos regimes autoritários, uma das estratégias mais comuns é transformar manifestações contra indivíduos investidos em algum poder em 'ataques institucionais', para que se possa perseguir e punir severamente todas as vozes divergentes".
O alinhamento do ministro da Justiça com os magistrados do STF se manifesta também em enxergar a cúpula das autoridades estatais como personificações da democracia. Na recente controvérsia no aeroporto internacional de Roma envolvendo Alexandre de Moraes, Dino expressou a mesma opinião do ministro do STF Ricardo Lewandowski: quem ofende Moraes atenta contra o Estado Democrático de Direito.
É da pasta de Dino, além disso, o Programa de Ação na Segurança (PAS), que prevê punir com mais severidade quem organizar "movimentos antidemocráticos" ou atacar autoridades do Estado.
Se aprovado, o projeto pode consagrar na legislação brasileira o autoritarismo de decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), propondo uma alteração no Código Penal para prever prisão "de 6 a 12 anos para quem organizar ou liderar movimentos antidemocráticos" e "de 8 a 20 anos para quem financiar movimentos antidemocráticos".
O projeto gera temor por causa da leitura excessivamente subjetiva que se pode fazer da expressão "movimentos antidemocráticos". A elasticidade de interpretações tem sido uma das principais vias de abusos cometidos pelo STF em decisões.
Também é evidente a sintonia entre Dino e STF no desejo de regular a internet, na visão sobre como isso deve ser feito e no uso de termos vagos que insinuam a necessidade de criminalizar a direita brasileira.
Ambos têm estabelecido tortuosos vínculos entre eventos como o 8 de janeiro, as tragédias nas escolas e o incidente no aeroporto para reforçar a opinião de que há uma nova classe de pessoas no Brasil, cuja ascensão precisa ser controlada pelo Estado – e de que, por isso, a internet brasileira precisaria de uma regulação urgente, e as decisões judiciais com interpretações elásticas da lei seriam justificáveis contra o "extremismo".
Em discursos de ambos, é nebuloso o limite entre o que se considera "extremismo" ou "golpismo" e o que seria uma direita legítima. Recentemente, a propósito, Dino fez um agrupamento confuso de elementos que integrariam o "nazifascismo do século 21", colocando no mesmo balaio os autores de atentados contra crianças em escolas e o casal que entrou em conflito com Alexandre de Moraes.
"Considero que os autores de crimes contra a ordem democrática e seus guardiões devem ser punidos com firmeza, em face da lesividade das condutas ilícitas e da relevância do bem jurídico tutelado: a defesa da Constituição. Sustento projetos de lei, decisões judiciais ou investigações da Polícia Federal que sejam coerentes com essa atitude de combate ao perigosíssimo nazifascismo do século 21, que mata crianças em escolas, destrói o prédio do Supremo e se acha autorizado a agredir pessoas por questões políticas", afirmou Dino recentemente.
Anteriormente, Dino já havia afirmado que há um "fluxo terrível de discurso de ódio" nas redes e que isso teria relação com as tragédias recentes ocorridas nas escolas. Esse mesmo nexo causal entre a falta de regulação da internet e os ataques nas escolas já foi estabelecido por Alexandre de Moraes.
Dino e STF também deixam claro que veem a necessidade de leis com ênfase em controlar nas redes o que se tem chamado de "desinformação", "ataques à democracia" e "discurso de ódio". Isso ficou evidente, por exemplo, ao longo das discussões sobre a votação do PL das Fake News na Câmara e durante a audiência pública do STF para rediscutir o artigo 19 do Marco Civil da Internet – da qual Dino participou.
Alinhamento pode ajudar comunista Dino a cavar vaga no STF
O alinhamento com os ministros atuais pode ajudar Dino a cavar uma vaga no Supremo. Ele é um dos cotados para assumir a cadeira da ministra Rosa Weber, que se aposenta neste ano.
Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que Dino tem ganhado simpatia dentro do STF por apoiar a regulamentação das redes sociais. Também conta pontos a favor dele a crescente colaboração da Polícia Federal com Alexandre de Moraes nos inquéritos dos atos antidemocráticos e das milícias digitais, especialmente após o 8 de janeiro.
Dino continua blindado por Moraes na investigação sobre o caso, apesar de inúmeras tentativas de parlamentares de direita de acusá-lo de omissão na segurança da Praça dos Três Poderes no dia da invasão.
Com informações de Leonardo Desideri, Gazeta do Povo