terça-feira, 29 de março de 2022

Greve no Banco Central: ‘Funcionários fazem parte de uma elite’, diz economista Ubiratan Jorge Iorio

'Reivindicações dos servidores não são justas' 

O Banco Central enfrenta ameaça de paralisação dos seus servidores - Foto: Arquivo/Agência Brasil
O Banco Central enfrenta ameaça de paralisação dos seus servidores - Foto: Arquivo/Agência Brasil

A greve decretada pelos funcionários do Banco Central (BC) a partir da próxima sexta-feira, 1º, deixa no ar a preocupação sobre o normal funcionamento do Pix, o sistema instantâneo de pagamento e transferência bancária, criado e administrado pela instituição desde novembro de 2020.

Pensado para substituir as antigas operações de DOC e TED, e sem a cobrança de taxa, o Pix logo conquistou a confiança da população. Os números foram se multiplicando. No começo do ano, já eram de mais de 50 milhões de transações diárias. O número de usuários passou de 100 milhões de pessoas e de 8 milhões de empresas.

Além do Pix, a paralisação pode afetar o site Valores a Receber, que permite acesso ao chamado “dinheiro parado”. Os lideres grevistas afirmam que esses dois sistemas não estão contemplados na lei dos serviços essenciais, e por isso podem sofrer paralisações parciais e até totais. Garantidos na legislação, devem ser mantidos o fornecimento de extrato da conta, a compensação de cheques e os saques em guichês.

Radicalização

Os servidores do BC iniciaram a mobilização depois que o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou reajuste salarial apenas para policiais federais (inclusive rodoviários). As negociações com a direção do banco não avançaram. Desde o dia 17 deste mês, foi colocada em prática a chamada “operação tartaruga”, com paradas entre 14 e 18 horas.

Ela atrasou a divulgação semanal do Boletim Focus, com as expectativas do mercado em relação aos principais indicadores da economia: inflação, PIB, juros e câmbio. Além disso, levou ao adiamento da publicação das notas econômico-financeiras de fevereiro previstas para esta semana: 1) estatísticas do setor externo; 2) monetárias e de crédito; e 3) fiscais.

Sábado passado, 26, houve uma reunião virtual com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sem nenhum acordo. Na segunda, 28, numa assembleia também virtual, cerca de 1.300 funcionários (de um total de 3.400) votaram a favor da proposta de greve a partir de 1º de abril.

Outra forma de pressão adotada pela categoria foi a entrega dos cargos em comissão, aqueles em que um servidor público exerce função superior, de chefia, e por isso recebe uma remuneração extra. Segundo o sindicato, até amanhã esse movimento deve atingir 500 comissionados, de um total de 1.000.

Pix garantido

O Banco Central se manifestou por meio de uma nota. Afirmou que “tem planos de contingência para manter o funcionamento dos sistemas críticos para a população, os mercados e as operações das instituições reguladas, tais como STR, Pix, Selic, entre outros”.

No documento, o BC também destaca que “reconhece o direito dos servidores de promoverem manifestações organizadas e que confia no compromisso dos servidores com a Instituição e com a sociedade”.

Roberto Campos Neto pediu ao Ministério da Economia que os servidores do BC recebam reajuste salarial se houver esse benefício para outras categorias. Antes, ele entendia que os reajustes não deveriam ser concedidos para nenhuma categoria.

No fim do ano passado, Bolsonaro anunciou reajuste salarial para policiais federais (inclusive) rodoviários, mas ainda não houve oficialização. A declaração, no entanto, desagradou a várias categorias que ficaram de fora.

O banco não apresentou, no entanto, nenhuma contraproposta às reivindicações dos servidores: reajuste salarial de 26% e reestruturação da carreira de analista.

Carreiras

Segundo relatório oficial do Banco Central, as despesas com salários em 2021 chegaram a R$ 1,158 bilhão. São cerca de 3.400 funcionários ativos, distribuídos em três carreiras, com acesso via concurso público. Somando-se os inativos e pensionistas, o total sobe para 10.450, com remuneração mensal média de R$ 9 mil.

Na área técnica, a principal delas é de analista. São cerca de 2.850, com remuneração entre R$ 19 mil e R$ 27mil. O ocupante do cargo precisa ter nível superior em qualquer área. E seu trabalho inclui: gestão do sistema de metas para a inflação, sistema de pagamentos, reservas internacionais, política monetária, cambial e creditícia, emissão de moeda, desenvolvimento organizacional e gestão da informação.

A carreira de procurador é reservada aos bacharéis em Direito. São cerca de 160 ocupantes, que ganham entre R$ 21 mil e R$ 27 mil, e se ocupam da representação judicial, consultoria jurídica, legalidade dos atos e supervisão da dívida ativa.

Há ainda cerca de 430 técnicos. São funcionários com nível médio, salários entre R$ 7,3 mil e R$ 12,5 mil, que auxiliam analistas e procuradores.

Greve política

O economista Ubiratan Jorge Iorio, colunista de Oeste, afirma que as reivindicações dos servidores não são justas e que se trata de uma greve política num ano de eleições. “Os funcionários do BC fazem parte de uma elite, já ganham muito bem. Não faz sentido pessoas que já são privilegiadas adotarem postura desse tipo, no momento em que a economia mal começa a se recuperar dos efeitos da pandemia, com os preços subindo, a situação está difícil.”

Para o economista, as consequências de uma eventual greve sobre a sociedade vão depender da duração do movimento. “Paralisação de uma ou duas semanas não terá efeitos nem sobre o sistema financeiro, nem sobre a população.”

Ubiratan Jorge Iorio elogia Roberto Campos Neto: “A postura do presidente do Banco Central é corretíssima, até um ano atrás os juros estavam excessivamente baixos, o que era até compreensível.” A política de alta dos juros a partir de então, segundo ele, ocorre porque a inflação é monetária, é expansão da moeda. A expectativa do economista é que o BC vai acelerar os aumentos dos juros, diante da crise Rússia-Ucrânia e das ações dos EUA e da Otan, com reflexos nas cotações das commodities e na inflação de preços.

Revista Oeste