Há pouco mais de 50 anos, Francis Ford Coppola enfrentava uma verdadeira batalha para levar o "Poderoso Chefão" com o qual sonhava às telas. Nos bastidores do que é hoje um clássico inegável, a Paramount estava descrente quanto ao potencial de sucesso do filme, não queria o elenco que o cineasta havia escolhido, insistia que as cenas estavam escuras demais e pensava em descartar a icônica música tema composta por Nino Rota.
Hoje, a situação é bem diferente. O estúdio trata aquilo que virou uma trilogia como uma das maiores joias de seu acervo, prepara uma minissérie sobre os bastidores da produção –"The Offer", com estreia no mês que vem– e relança, com muita pompa, "O Poderoso Chefão" nos cinemas ao redor do mundo. Como se não bastasse, até deixou Coppola alfinetar a própria Paramount enquanto relembrava a feitura do filme em material exclusivo ao qual este jornal teve acesso.
"Eu estava sob pressão e havia rumores de que eu seria substituído. Eu nunca me senti seguro de que não seria demitido, mesmo no final, na pós-produção, quando tive um desentendimento com os executivos por causa do compositor que escolhi para fazer a música tema, que quase foi descartada", afirma Coppola em vídeo.
"Eu relembro a experiência de fazer ‘O Poderoso Chefão’ com certa angústia, porque eu estava bem angustiado naquela época, não estava numa posição segura. E eu tinha três filhos para criar, tinha muita coisa em jogo", diz ainda, lembrando que ninguém que esteve no longa recebeu um salário à altura do sucesso que ele faria.
Apesar de as comemorações terem começado há algumas semanas, com a chegada de uma versão restaurada e em 4K aos cinemas de algumas cidades, "O Poderoso Chefão" completa 50 anos apenas nesta segunda, 14 de março, data de sua première em Nova York.
Nas próximas semanas, a versão deve chegar a mais salas e ao streaming, escoltada por remasterizações também das partes dois e três da trilogia –a última, subtitulada "Desfecho: A Morte de Michael Corleone", é uma nova montagem, distante das interferências feitas pelo estúdio em 1990, o que é motivo de comemoração para seu diretor.
Para se ajustar melhor ao olhar do público atual, a trilogia passou por um longo trabalho de restauração, com especialistas vasculhando cerca de 300 caixas de filmes para encontrar a melhor resolução possível de cada quadro dos longas, ao longo de mais de 4.000 horas de trabalho, consertando manchas, rasgos e cores, sempre sob a supervisão de Coppola.
O cineasta conta que esta será a primeira vez que a maioria das pessoas verá "O Poderoso Chefão" com o visual "imaculado" que tinha naquela noite de estreia em 1972. Isso porque a Paramount, pega de surpresa pelo sucesso do filme, passou a gerar novas cópias de forma negligente, desgastando o filme seminal e criando "um retalho entre negativos originais e não originais, o que pôde ser corrigido pelos milagres da tecnologia atual".
"A ironia de ‘O Poderoso Chefão’ é que ele foi muito, muito, muito mais bem-sucedido do que todo mundo esperava. E certamente, naquele momento, que qualquer outro filme já havia sido", afirma Coppola.
O primeiro filme foi um blockbuster antes mesmo de o termo passar a guiar os caminhos de Hollywood. Faturou cerca de US$ 250 milhões, impulsionado por espectadores que faziam fila nos cinemas para garantir ingresso para alguma sessão, e se tornou a maior arrecadação da história do cinema até ser desbancado por "Tubarão", três anos depois.
Também foi aclamado pela crítica e, no Oscar, só não levou mais do que três estatuetas porque competia nas principais categorias com outro medalhão da década de 1970, "Cabaret". O prêmios mais importante, de melhor filme, no entanto, foi de "O Poderoso Chefão", bem como o de ator, para Marlon Brando no papel de Vito Corleone, e de roteiro, para Coppola e Mario Puzo, autor do livro original.
Em 1974, sua sequência, "O Poderoso Chefão 2", ainda embolsaria mais seis estatuetas –novamente a de filme e, agora, fazendo justiça a Coppola e a Rota, premiados com melhor direção e melhor trilha sonora. Em 1990, "O Poderoso Chefão 3" decepcionou um tanto, mas ainda assim garantiu sete indicações ao Oscar.
A razão para o sucesso, Coppola diz, está no fato de ele nunca ter tratado o filme com distanciamento, como diretores que trabalham "seguindo fórmulas" fazem, garantindo a ele uma humanidade atemporal que também encontramos em obras como as tragédias gregas ou shakespearianas.
"Você quer que o seu filme tenha uma dimensão pessoal, então você usa a sua própria vida. Sendo ítalo-americano –minha família não era de gângsteres, mas eu sabia como era viver num lar ítalo-americano, como era a rotina, as refeições–, tentei dar um senso de autenticidade para o filme, com base nas minhas próprias experiências", afirma.
"O tempo passou de forma extraordinária e eu fico chocado, porque, hoje, se eu entro em um lugar como um restaurante, eu às vezes ouço…", interrompe ele para cantarolar a música tema da saga, com os acordes inconfundíveis criados por Nino Rota. "É tanto agradável quanto desagradável estar tão absorvido na nossa cultura da maneira como ‘O Poderoso Chefão’ está."
Folha de São Paulo