quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

A nova maneira de enriquecer rápido: startups de criptomoedas

Executivos e engenheiros de tecnologia têm deixado seus empregos em grandes empresas rumo ao universo cripto



Investidores já injetaram mais de US$ 28 bilhões em startups globais de criptomoedas e blockchain neste ano. Foto: REUTERS/Dado Ruvic/Illustration


  • O Vale do Silício está atualmente repleto de histórias de pessoas fazendo investimentos em criptomoedas aparentemente ridículas, como a Dogecoin, uma moeda digital baseada em um meme de cachorro, em busca de enormes fortunas
  • Mas, além dessa febre especulativa, um número crescente dos melhores e mais brilhantes do setor de tecnologia vê um momento de transformação que ocorre uma vez a cada poucas décadas e recompensa aqueles que detectam a mudança de alta importância antes do resto do mundo

Quando Sandy Carter deixou o cargo de vice-presidente da unidade de computação na nuvem da Amazon, ela anunciou em uma postagem no Linkedin que passaria a trabalhar em uma empresa de tecnologia para criptomoedas. E incluiu um link com vagas de emprego na startup.

Depois de dois dias, disse ela, mais de 350 pessoas – muitas trabalhando para as maiores empresas da Internet – clicaram no link para se candidatar a empregos na empresa Unstoppable Domains. A startup vende endereços de sites que ficam hospedados no blockchain, o sistema de livro-razão utilizado como base para as criptomoedas.

“É um conjunto de fatores perfeito”, disse Sandy. “A força que estamos vendo nesta área é simplesmente incrível.”

Sandy faz parte de uma leva de executivos e engenheiros que estão deixando seus cômodos empregos no Google, na Amazon, na Apple e em outras grandes empresas de tecnologia – algumas delas pagando milhões de dólares por ano a eles – para irem atrás do que consideram uma oportunidade única na vida. A próxima grande novidade são as criptomoedas, eles disseram, uma expressão abrangente que inclui moedas digitais como o bitcoin e produtos como tokens não fungíveis (NFTs), que dependem do blockchain.

O Vale do Silício está atualmente repleto de histórias de pessoas fazendo investimentos em criptomoedas aparentemente ridículas, como a Dogecoin, uma moeda digital baseada em um meme de cachorro, em busca de enormes fortunas. O bitcoin disparou em torno de 60% este ano, enquanto o Ether, a criptomoeda atrelada ao Blcokchain Etherum, aumentou seu valor em mais de cinco vezes.

Mas, além dessa febre especulativa, um número crescente dos melhores e mais brilhantes do setor de tecnologia vê um momento de transformação que ocorre por uma vez em décadas e recompensa aqueles que detectam a mudança de alta importância antes do resto do mundo. Eles veem semelhanças históricas entre as criptomoedas e como o computador pessoal e a Internet outrora foram ridicularizados; mas, depois, subverteram o status quo e deram origem a uma nova geração de bilionários.

Os investidores também estão se amontoando. Eles injetaram mais de US$ 28 bilhões em startups globais de criptomoedas e blockchain neste ano, quatro vezes o total de 2020, segundo a PitchBook, empresa que monitora investimentos privados. Mais de US$ 3 bilhões foram apenas para empresas de NFT.

“Há um impacto gigante causado pelas criptomoedas”, disse Sridhar Ramaswamy, CEO da startup de ferramenta de pesquisa Neeva e ex-executivo do Google, que compete com empresas de criptomoedas por talentos. “Parece um pouco com os anos 90 e o nascimento da Internet outra vez. É tão inicial, tão caótico e tão cheio de oportunidades como naquela época.”

A criptografia, que também foi rebatizada como a web3 menos agourenta, talvez não seja diferente das bolhas especulativas do passado, como as hipotecas subprime ou a febre das tulipas do século 17, dizem os céticos. Boa parte do forte interesse, afirmam, é motivada pelo desejo de enriquecer rapidamente ao negociar uma classe de ativos que muitas vezes parece baseada em piadas da Internet.

Mas seus defensores, um número que cresce cada vez mais, dizem que a criptografia pode mudar o mundo ao criar uma Internet mais descentralizada e não ser controlada por um grupo de empresas. Embora tais possibilidades tenham surgido desde o nascimento do bitcoin em 2009, os produtos criptográficos, como os NFTs, tornaram-se populares apenas este ano. Isso acelerou o êxodo das empresas conhecidas como “gigantes da tecnologia” para o mundo das criptomoedas.

Este mês, Brian Roberts, CFO da Lyft, deixou a empresa para trabalhar na OpenSea, empresa que trabalha com NFTs. “Já vi ciclos e mudanças de paradigma suficientes para entender quando algo tão grande está surgindo”, disse ele por e-mail. “Estamos no início disso tudo, em termos de NFTs e seu impacto.”

(John Zimmer, cofundador da Lyft, disse que desejava o melhor para Roberts em seu novo trabalho.)

No mês passado, Jack Dorsey pediu demissão do cargo de CEO no Twitter para dedicar mais tempo às atividades com criptomoedas e a web3 em sua outra empresa, a Square. Em referência ao blockchain, Dorsey mudou o nome da Square para Block (bloco, inglês). Ele enfatizou a mudança trocando as fotos dos executivos da Block por avatares com cabeças quadradas que lembram blocos e criou uma ferramenta de software para que outras pessoas pudessem criar seu próprio avatar no mesmo estilo.

David Marcus, chefe das iniciativas com criptomoedas da Meta, a empresa controladora do Facebook, anunciou que deixaria o cargo no fim deste ano para seguir seu “DNA empreendedor”. Marcus, 48 anos, planeja trabalhar em seu próprio projeto de criptomoeda, disseram duas pessoas a par dos planos dele.

Tanto Marcus como o porta-voz da Meta não quiseram se pronunciar a respeito da saída dele.

O fascínio das criptomoedas tem sido tão irresistível que algumas das maiores empresas de tecnologia estão lutando para manter seus funcionários. No Google, as preocupações com a retenção de profissionais – inclusive para não perdê-los para empresas de criptomoedas – tornaram-se tão urgentes que o assunto passou a fazer parte da agenda executiva discutida todas as segundas-feiras por Sundar Pichai, o CEO da empresa, e seus principais funcionários, de acordo com duas pessoas com conhecimento das reuniões.

O Google também começou a oferecer concessões adicionais de ações a funcionários em setores da empresa que pareciam prontos para serem desfalcados, disseram essas pessoas. O Google se recusou a comentar.

Ao contrário da Meta, que abraçou as criptomoedas, o Google tem relutado em aderir ao movimento. Mas seus funcionários entenderam por experiência própria as oportunidades das criptomoedas quando Surojit Chatterjee, ex-vice-presidente da empresa, deixou o Google no ano passado para se tornar o diretor de produtos da Coinbase, uma das maiores bolsas de criptomoedas.

Quando a Coinbase estreou na Nasdaq em abril, o valor da participação de Chatterjee na empresa aumentou em mais de US$ 600 milhões. Ele estava trabalhando lá há apenas 14 meses.

Esses enormes valores de fortunas com criptomoedas levaram muitos especialistas e entusiastas da tecnologia a ficarem com medo de estarem perdendo oportunidades – sobretudo aqueles cujos amigos compraram Bitcoin há vários anos e agora são extremamente ricos.

“Lá em 2017 ou antes, as pessoas estavam mais interessadas na oportunidade de investimento”, disse Evan Cheng, cofundador e CEO da Mysten Labs, startup focada na construção de projetos de infraestrutura de blockchain. “Agora, as pessoas estão realmente querendo construir patrimônios.”

Cheng, 50 anos, pediu demissão do Facebook em setembro, depois de passar seis anos na empresa. Ele estava trabalhando no Novi, o sistema de pagamentos com criptomoedas da rede social. Dos cerca de 20 funcionários da Mysten Labs, a maioria deles espalhada por São Francisco, Londres, Nova York e outros lugares, aproximadamente 80% vieram de empresas de tecnologia como Facebook, Google e Netflix.

As empresas focadas em tecnologias de blockchain se multiplicaram, inclusive em bolsas de criptomoedas como Bitpanda, Gemini e CoinList; NFT e empresas de arte colecionáveis como OpenSea e Dapper Labs; e empresas de infraestrutura como Dfinity e Alchemy.

Parte da fuga de cérebros para o setor de criptomoedas foi motivada pelas preocupações de seus próprios funcionários com o controle e o domínio das maiores empresas de tecnologia. Muitos deles tinham ido trabalhar no Google, no Facebook e em outras empresas para criar algo novo, mas se depararam com a burocracia e a reação adversa de trabalharem nas gigantes da tecnologia.

Aqueles deixando para trás os salários dessas empresas não precisam esperar muito por uma recompensa em uma startup de criptomoedas como os que se aventuram em startups tradicionais de tecnologia.

Enquanto os funcionários de startups de tecnologia geralmente aceitam um salário menor na esperança de que as ações da empresa tenham um grande valor algum dia, os trabalhadores de startups de criptomoedas recebem “liquidez”, ou a capacidade de resgatar o valor de suas ações, muito mais cedo. Normalmente, eles conseguem fazer isso negociando as criptomoedas do lugar onde trabalham, de acordo com Dan McCarthy, recrutador da firma de investimentos Paradigm, que escreveu a respeito das possíveis vantagens das criptomoedas para os trabalhadores da tecnologia.

Em alguns casos, as startups de criptomoedas oferecem pacotes de compensação equivalentes aos das maiores empresas de tecnologia, devido à facilidade com que os funcionários podem converter os “tokens” das empresas – ou a criptomoeda que funciona como base da startup – em dinheiro.

“Não é mais necessariamente o caso de você ter que aceitar um terço do seu antigo salário em uma gigante da tecnologia, pois muitas dessas empresas são muito bem capitalizadas”, disse Cheng.

Sandy, a ex-vice-presidente da Amazon, disse que as pessoas estavam interessadas em trabalhar em empresas de criptomoedas não apenas pelo dinheiro. Algumas foram atraídas pelo ethos da web3, que ambiciona descentralizar o poder e a tomada de decisões. É uma alternativa a como o Google e o Facebook passaram a dominar a Internet às custas dos dados pessoais dos usuários para vender anúncios direcionados.

Sandy disse que havia um grande interesse sobre a web3 na Amazon, mas não estava contratando pessoas que trabalham lá, pois concordou em não abordar seus antigos colegas.

Então, será que o êxodo dos profissionais de tecnologia para o setor de criptomoedas vai continuar?

“A resposta é com certeza sim”, disse ela. “O momento é perfeito para pular nesse barco.” /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

Daisuke Wakabayashi e Mike Isaac, NYT