terça-feira, 27 de julho de 2021

Morre José Arthur Giannotti, referência da filosofia brasileira

Professor emérito da USP e um dos fundadores do Cebrap tinha 91 anos e era um dos mais respeitados estudiosos de Marx


Morreu nesta terça-feira, 27, o professor José Arthur Giannotti, considerado um dos maiores nomes da filosofia brasileira, aos 91 anos. Paulista de São Carlos, no interior, ele era professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e ajudou a fundar o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), entidade de estudos sociais e de formulação de políticas que surgiu em 1969 e reunia opositores do regime militar. 

O filósofo José Arthur Giannotti, em 2017 Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Crítico dos métodos tradicionais de se pensar a política, ele defendia a proximidade da filosofia com outras áreas das ciências sociais. Era um dos mais respeitados estudiosos da obra de Karl Marx no Brasil, autor de obras que se tratam da reflexão sobre o trabalho e sobre a viabilidade de modelos políticos no capitalismo.

Giannotti decidiu ingressar na USP por influência do escritor Oswald de Andrade, que conheceu na adolescência, após se mudar para a capital paulista com a família. 

Assistiu sua primeira aula universitária no prédio da Rua Maria Antônia, no início de 1950, com outros nove alunos. A memória das primeiras lições com o professor francês Gilles-Gaston Granger, que explorava a epistemologia francesa e a formação do pensamento,  foram marcantes o suficiente para que Giannotti as registrasse mais de 60 anos depois nas páginas do Estadão, em um artigo para o caderno Aliás. Em 1956, Giannotti fez um intercâmbio em Rennes, na França, através de uma bolsa da Capes e do governo francês, e reencontrou o mestre. Estudou em Paris pouco depois, circulou, mas suas convicções acadêmicas a partir daí o levariam de volta para o Brasil e a caminhos diferentes do professor.  

“Granger era ciumento, não via com bons olhos minhas viagens pela fenomenologia e pelo marxismo”, ele escreveu. 

Na virada para a década de 1960, fundou o grupo “Seminários Marx”, que também tinha entre seus participantes historiadores, economistas, cientistas sociais, críticos literários e filósofos – entre eles Fernando Henrique Cardoso, Paul Singer, Ruth Cardoso e Roberto Schwarz, em diferentes gerações. 

Muito próximo do ex-presidente Fernando Henrique, o filósofo se tornou uma referência teórica para integrantes do PSDB durante os anos em que os tucanos ocuparam o governo federal e depois, quando era o partido de referência na oposição aos petistas. 

Em 2014, em uma entrevista ao Estadão, declarou-se “tucanoide” – um ex-eleitor do PT que, decepcionado com os governos Lula e Dilma, pregava voto útil nos tucanos. À época, ele previu as dissidências internas no partido após as eleições nacionais daquele ano. Era um crítico das duas siglas, respeitado à esquerda e à direita. 

O filósofo presidiu o Cebrap de 1984 a 1990 e entre 1995 e 2001. Foi membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e de diversos conselhos deliberativos da área educacional e científica, como da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Publicou, entre outras obras, os livros Apresentação do mundo (1995), Certa herança marxista (2000), O jogo do belo e do feio (2005) e Lições de filosofia primeira (2011), todos pela Companhia das Letras.

A morte foi confirmada pelo Cebrap, que não divulgou o motivo. O velório está marcado para as 8h desta quarta, 28, na Rua São Carlos do Pinhal, na Bela Vista, região central de São Paulo.

Repercussão

O ex-presidente Fernando Henrique lamentou a morte de Giannotti, que segundo Fernando Henrique foi um “amigo como poucos”, e destacou a longa trajetória de amizade. “Amigo há mais de 70 anos. Filósofo e grande leitor dos clássicos. Amigo como poucos, desses que são raros. Deixa saudades e gratidão”, escreveu o ex-presidente no Twitter. 

Em nota, o Cebrap classificou o estudioso como “um dos maiores intelectuais brasileiros” e lamentou a morte. “É com imensa tristeza que o Cebrap recebe a notícia do falecimento de um de seus fundadores, o prof. José Arthur Giannotti. Aos familiares e amigos que tiveram o privilégio de conviver com Giannotti, um dos maiores intelectuais brasileiros, nossas sinceras condolências”, diz a nota. 

O sociólogo Sergio Abranches destacou a trajetória de Giannotti, que para ele foi “um dos maiores pensadores do Brasil”. “Vida longa dedicada ao pensamento”, escreveu Abranches. 

O Estado de S.Paulo