sábado, 31 de julho de 2021

A pandemia fez alguns americanos repensarem o banho diário

Robin Harper, assistente administrativa em uma pré-escola em Martha’s Vineyard, Massachusetts, cresceu com o hábito de tomar banho todo dia. “É o que as pessoas faziam”, ela disse. Mas quando a pandemia do novo coronavírus a obrigou a ficar em casa e longe do público em geral, Robin começou a tomar banho uma vez por semana.

A nova prática parecia ambientalmente virtuosa, prática e libertadora. E se perpetuou. “Não me entendam mal”, disse Robin, 43 anos, que voltou a trabalhar. “Gosto de tomar banho. Mas é uma coisa que decidi excluir. Sou mãe. Trabalho em horário integral, e é uma coisa a menos que preciso fazer”.


Uma mulher toma banho em Edgartown, Massachusetts, na ilha de Martha's Vineyard.  
Foto: Elizabeth Cecil/The New York Times

A pandemia bagunçou o uso das calças com zíper e mudou os hábitos de alimentação e da bebida das pessoas. Agora há novas indicações de que fez com que alguns americanos se tornassem mais inflexíveis no que diz respeito aos banhos.

Alguns pais têm se queixado de que seus filhos adolescentes evitam tomar banho diariamente. Depois que, segundo a imprensa britânica, uma pesquisa da YouGov mostrou que 17% do britânicos abandonaram os banhos diários durante a pandemia, muitas pessoas declararam no Twitter que decidiram fazer o mesmo.

Heather Whaley, escritora de Redding, Connecticut, comentou que o uso do seu chuveiro caiu 20% no ano passado. Depois que a pandemia a obrigou ao confinamento, Heather, 49 anos, disse que começou a pensar no motivo pelo qual ela tinha de tomar banho diariamente.

“Devo mesmo? Quero?”, disse. “O ato de tomar uma ducha tornou-se menos uma questão funcional e mais uma questão de fazer algo para mim mesma que me agrada”.

Robin, que ainda usa desodorante e lava diariamente “as partes que é preciso lavar” na pia, tem certeza de não estar ofendendo ninguém. Sua filha de 22 anos, que é delicada na questão do banho, não comentou os hábitos de higiene da mãe. Nem tampouco os alunos da sua escola.

“As crianças dirão quando você tem um cheiro bom”, continuou Robin, “as crianças de 3, 4 ou 5 anos costumam dizer a verdade”.

Robin Harper do lado de fora de sua casa em Edgartown, Massachusetts, na ilha de Martha's Vineyard.  Foto: Elizabeth Cecil/The New York Times


Encanamentos e mobilidade vertical mudaram tudo

As duchas diárias são um fenômeno razoavelmente novo, segndo Donnachadh McCarthy, ambientalista e escritor de Londres que cresceu tomando banhos semanais. “Nós tomávamos banho uma vez por semana e nos lavávamos na pia no resto da semana – as axilas e as partes íntimas – e pronto”, afirmou McCarthy, de 61 anos.

Ao envelhecer, ele passou a tomar banho de chuveiro diariamente. Mas depois de uma visita à floresta amazônica em 1992, revelou os desastres do desenvolvimento excessivo, começou a reconsiderar até que ponto os seus hábitos diários estavam afetando o meio ambiente e o seu próprio corpo.

“De fato, não é bom lavar-se com sabão todos os dias”, afirmou. Ele toma ducha uma vez por semana.

Médicos e especialistas em saúde afirmam que os banhos de chuveiro diários são desnecessários, até mesmo contraproducentes. Lavar-se com sabão todos os dias é um hábito que pode eliminar os óleos naturais da pele e fazer com que ela pareça seca, embora os médicos ainda recomendem lavar as mãos com frequência.

A obsessão dos americanos com a limpeza surgiu por volta da virada do século 20, quando as pessoas começaram a mudar-se para as cidades depois da Revolução Industrial, disse James Hamblin, professor da Universidade Yale e autor do livro Clean: The New Science of Skin and the Beauty of Doing Less.

As cidades eram mais sujas, por isso os moradores sentiam a necessidade de se lavar com mais frequência, disse Hamblin, e a produção de sabão se tornou mais frequente. Os encanamentos das casas também começaram a ser aprimorados, consentindo à classe média um maior acesso à água.

Para se distinguirem das massas, as pessoas ricas passaram a investir em sabonetes shampoos mais refinados e a tomar banhos mais frequentes, ele disse. “Foi uma espécie de corrida armamentista”, segundo Hamblin. “Se a pessoa pudesse tomar banho todos os dias, seria um indicador de riqueza”.

Nina Arthur fora de seu salão, Nina’s Hair Care, em Flint, Michigan.  

Foto: Allison Farrand/The New York Times

Menos banhos = pele melhor e um planeta mais limpo

Kelly Mieloch, 42 anos, contou que desde o começo da pandemia tomou banho “somente a cada dois dias”. Para que servem as duchas diárias, afirmou, se a pessoa raramente sai de casa, salvo para as obrigações mais simples, como levar a filha de 6 anos para a escola?

“As pessoas não se preocupam com o meu odor – elas não sabem o que está acontecendo”, prosseguiu. “Na maior parte do tempo, sequer uso sutiã”.

Além disso, ela falou que a sua decisão de parar com banhos diários contribuiu para melhorar a sua aparência. “Acho que os meus cabelos melhoraram, minha pele e meu rosto não estão tão secos”, disse Kelly, que trabalha na área de empréstimos bancários de Asheville, Carolina do Norte.

Andrea Armstrong, professora assistente de ciência e estudos do meio ambiente do Lafayette College de Easton, Pensilvânia, se sentiu encorajada porque é cada vez maior o número de pessoas que estão refletindo sobre a questão.

Um banho de chuveiro de oito minutos de duração gasta cerca de 64 litros, segundo o Water Research Fund. Água corrente por até cinco minutos gasta tanta energia quanto uma lâmpada de 60 watts ligada por 14 horas, diz a Agência de Proteção Ambiental dos EUA. E banhos frequentes significam o uso de mais recipientes de plástico e de mais sabão, que frequentemente é feito de petróleo.

A escolha individual de parar de tomar duchas ou banhos diários é crucial em uma época em que os ambientalistas pedem aos países que tomem mais medidas contra a mudança climática, afirmou ambientalista McCarthy.

“Não há nada melhor do que mergulhar em uma banheira bem funda cheia de água quente”, ele disse. “É um prazer que eu aceito e entendo absolutamente. Entretanto, não posso deixar de considerar estes prazeres uma ameaça”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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Maria Cramer, The New York Times – Life/Style, O Estado de S.Paulo