sexta-feira, 30 de julho de 2021

"O amendoim doce ou salgado dos sem-terra", por Evaristo de Miranda

 


A produção nacional de amendoim dobrou em dez anos. A cultura teve grande evolução em produtividade, industrialização e exportação



Entre 1997 e 2001, o Brasil exportava anualmente cerca de US$ 4,8 milhões em produtos de amendoim. Em 2020, exportou US$ 443 milhões, quase dez vezes mais. Hoje, o país é o quinto maior exportador de amendoim em grão com US$ 230 milhões, atrás da Índia (US$ 627 milhões), EUA (US$ 475 milhões), Argentina (US$ 433 milhões) e China (US$ 264 milhões). E quase dobrou o número de países atendidos: em 2010 vendia para 56 e, em 2020, passou para 100. O Brasil fornece quase 50% do amendoim importado pela Rússia. Ela representa 30% do volume exportado, seguida pela China (15%).

Foto: Shutterstock/Iurii Kachkovskyi

O amendoim (Arachis hypogaea L.) é uma leguminosa de origem sul-americana. Suas sementes, produzidas embaixo da terra, são ricas em óleo, proteínas e vitaminas. Ele era cultivado por indígenas antes do povoamento europeu. Pesquisas da Embrapa com amendoins primitivos contam seu papel relevante na dieta das populações pré-colombianas. Há milhares de anos, mãos humanas levaram o amendoim para ser cultivado do lado oeste dos Andes, onde espécies selvagens de Arachis não existem. Há 500 anos, as mãos dos lusitanos o levaram para a África e a Ásia, começando por Madras na Índia, provocando mudanças nos hábitos alimentares e sociais. Na África Ocidental, colonizadores franceses tornaram seu cultivo obrigatório para o pagamento de impostos pelas populações locais. Até hoje, algumas etnias chamam o plantio de amendoim de “campo do imposto” (gona l’impôt).

O amendoim, como a soja, retira nitrogênio do ar e o fixa em suas raízes, enriquecendo o solo

A produção nacional de amendoim dobrou em dez anos. A cultura teve grande evolução em produtividade, industrialização e exportação. A área cultivada em 2020 foi de 175.000 hectares, dos quais 88% em São Paulo. E a produção nacional foi de 670.000 toneladas, das quais 93% colhidas em São Paulo. A produtividade média no Brasil é de 3,8 toneladas por hectare e, em São Paulo, de 4,1 toneladas por hectare.

Foto: Shutterstock/Ricardo Ninin

Apesar de toda essa produção, a coisa mais rara de achar na agricultura é uma fazenda de amendoim. E como São Paulo chegou a essa liderança? Graças a uma espécie endêmica de sem-terra: as empresas cultivadoras de amendoim. Os grandes plantadores de amendoim são gente sem-terra ou pequenos produtores de cana, cultivando terras alheias. Mas atenção: não são os sem-terra do imaginário midiático. São empresas com máquinas, plantadeiras, colhedeiras e pessoal qualificado. Às vezes, parte desses equipamentos fica em galpões na periferia de cidades e não em fazendas. É estranho ver essas máquinas reunidas num ambiente quase urbano. A cada seis anos, os canaviais são renovados e replantados. Nessa ocasião, a terra é utilizada para o plantio do amendoim (ou soja), em rotação vantajosa para a cana. O amendoim, como a soja, retira nitrogênio do ar e o fixa em suas raízes, enriquecendo o solo. Desde o século 19, no sul dos EUA, o amendoim entra na rotação com algodão e tabaco, com o mesmo objetivo.

As usinas de cana-de-açúcar, ao terceirizar o plantio do amendoim para empresas ou produtores especializados, transformaram a região canavieira paulista na grande produtora nacional de amendoim. Sempre cultivado na reforma dos canaviais. Os municípios produtores de amendoim são também, portanto, os grandes produtores de cana-de-açúcar. No dito “mar de cana” paulista existe um imenso e pouco conhecido arquipélago de campos de amendoim, a cada ano em um lugar diferente.

Graças ao plantio com tecnologia moderna, em São Paulo a produtividade quase dobrou em dez anos. Em 20 anos, a área plantada cresceu mais de 100%, de 75 mil hectares para 154 mil hectares, e a produção passou de 190 mil toneladas para 625 mil toneladas em 2020, uma alta de 229%.

Os produtores de amendoim geraram R$ 2,67 bilhões em Valor Bruto da Produção Agrícola (VBPA) em 2020, crescimento de 180% em comparação aos R$ 950 milhões de 2011, segundo o Ministério da Agricultura. São Paulo representou 88% desse valor, com R$ 2,35 bilhões. Na última década, o VBPA do Estado cresceu 261%. Os ganhos em São Paulo passaram de R$ 9,4 mil por hectare, em 2011, para R$ 15,2 mil, em 2020, um aumento de 61%.

A produção de amendoim tem dois destinos principais: a indústria de esmagamento e a indústria de produtos à base de amendoim. A divisão da produção de grãos entre os segmentos de esmagamento e de produtos à base de amendoim varia anualmente, em função de fatores de mercado.

Foto: Shutterstock/Rodrigo Bark

A indústria de esmagamento gera a torta de amendoim, destinada quase totalmente à indústria de nutrição animal no mercado interno. E o óleo de amendoim, do qual mais de 90% da produção é exportada. A indústria de produtos à base de amendoim gera a pasta ou manteiga de amendoim; vários doces com grãos moídos ou inteiros: o pé de moleque, o pé de moça e outros feitos com leite condensado e chocolate, e a famosa paçoca. O setor produz ainda amendoim in natura, salgado, torrado, condimentado e doce; ovinhos de amendoim com diversas cores e sabores; recheios ou componentes de chocolates e bombons. Esses produtos vão sobretudo para o mercado interno. As cascas de amendoim são usadas na fabricação de plástico, gesso, abrasivos, combustível, celulose (rayon e papel) e mucilagens (cola).

Dezenas de cultivares de amendoim são plantadas no Brasil. Em São Paulo, predominam as difundidas pelo Instituto Agronômico de Campinas. A pesquisa contribuiu muito no ganho de produtividade, com o melhoramento genético, o aprimoramento da mecanização, das técnicas de cultivo e manejo. Isso garante qualidade e segurança alimentar ao amendoim e elimina o risco da presença de aflatoxina, fundamental para as exportações.

Aflatoxina é uma substância tóxica para humanos e animais, produzida por fungos. Sua presença em vários alimentos está associada às condições inadequadas de secagem e armazenagem. Sua ocorrência é maior no amendoim, arrancado do solo. A colheita com cerca de 40% de umidade ou mais, se a secagem não for adequada, facilita o crescimento de fungos e a contaminação com aflatoxina. Conforme a dose e a frequência da ingestão em rações e alimentos contaminados, ela pode causar queda na imunidade, mutações, hepatite B, kwashiorkor e, segundo a Organização Mundial da Saúde, câncer primário no fígado. A pessoa não contrai câncer por ingerir aflatoxina e, sim, tem aumentado o risco em função da ingestão em longo prazo.

Foto: Divulgação

Nesse tema, a sinergia e a organização dos atores da cadeira de produção e transformação cresceu. Um exemplo é o Programa Pró-Amendoim, criado em 2001, pela Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab). Ela representa 92% do mercado de chocolates, 62% do amendoim e 93% das balas e gomas. O Programa Pró-Amendoim garante a segurança dos produtos de amendoim. As empresas com o selo “Qualidade Certificada Pró-Amendoim – Abicab” atendem aos requisitos da legislação quanto à aflatoxina. O Ministério da Agricultura e a Anvisa trabalham para impedir a venda de produtos contaminados, retirando-os do mercado. Hoje, os produtos industrializados à base de amendoim são seguros, auditados e monitorados, aqui e no exterior, a cada remessa exportada.

Em 2020, São Paulo foi o principal Estado exportador dos produtos de amendoim, com 97% do total, ou US$ 427,8 milhões. Os municípios de Tupã (20,7%), Borborema (13,5%), Jaboticabal (12,7%) e Catanduva (10,6%) somaram 58% do total da receita de exportação gerada em 2020. O estudo Agronegócio do Amendoim: Produção, Transformação e Oportunidades, da Fiesp, aponta os principais resultados da cadeia produtiva do amendoim.

O consumo per capita de amendoim no Brasil é da ordem de 1,1 quilo por ano, bem inferior ao da China (12,8), ao dos EUA (6,7) e à média mundial (6,0). O mercado interno do amendoim crescerá muito no Brasil e também a área cultivada com essa leguminosa em canaviais e alhures. Para encerrar, uma pergunta de matuto: depois da colheita, aos pés de quem o amendoim volta a encontrar a cana-de-açúcar? No pé de moleque.

Foto: Shutterstock/Dihandra Pinheiro

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Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial

Revista Oeste