terça-feira, 17 de dezembro de 2019

"O show vai começar: Trump cintila na luta do impeachment", por Vilma Gryzinski

Nem acuado nem paralisado, o presidente

tuíta como nunca e briga como sempre, 

na certeza de que a decisão da Câmara

não vai passar no Senado



As acusações contra Donald Trump são gravíssimas: nada menos de trair a pátria ao abusar do poder conferido pelo cargo “para recrutar uma potência estrangeira” de modo a corromper eleições democráticas.
Os democratas, com maioria na Câmara dos Representantes, escolheram, filtraram, manipularam e executaram o mais devastador conjunto de ofensas atribuídas a Trump.
Acusar um presidente de trair a pátria é, vastamente, sem precedentes na história política americana.
Tão inédito que ocupa mais o universo da força de expressão.
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Na prática, o impeachment de Trump é baseado em delitos de abuso de poder e obstrução ao Congresso.
Este último por escolher, no estilo desafiador que deixa a oposição em estado de permanente apoplexia, “não colaborar” com a “farsa” das audiências preparatórias para o impeachment – embora sem tomar nenhuma medida, aí sim delituosa, para impedir os integrantes do governo que escolheram prestar seus depoimentos às comissões de Inteligência e Justiça.
As acusações são, evidentemente, desproporcionais ao fato gerador.
Ou erro, equívoco, besteira, pisada de bola, delito censurável – escolham -, cometido por Trump ao pedir ao presidente ucraniano que fizesse “um favor para nós” e não deixasse passar em branco as investigações sobre a atuação dos Biden, pai e filho, na Ucrânia.
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Como Joe Biden é o probabilíssimo, se aguentar até lá, candidato democrata a presidente no ano que vem, Trump estava de fato tentando puxar o tapete de um adversário com a ajuda do pobre Volodymyr Zelensky.
O humorista ucraniano foi eleito presidente justamente por ser um nome alternativo e não comprometido com a corrupção sistêmica.
O fato de que tenha sido arrastado para a crise no coração do sistema americano é apenas uma das incontáveis ironias desse caso.
Outra, e mais impressionante, é o modo quase performático como Trump está enfrentando a história toda.
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Ninguém esperaria que Donald Trump fosse sóbrio, solene ou friamente enfurecido como Richard Nixon – muitíssimo mais comprometido, com fatos comprovados infinitamente mais graves, embora os delitos cometidos no bojo do caso Watergate fossem parecidos na caracterização: obstrução de justiça, abuso de poder e desacato ao Congresso.
Ou mesmo a raiva incandescente, e as mentiras reiteradas até o limite da insanidade, sempre revestidas pelo “advocatês”, de Bill Clinton, enrolado com mulheres que queriam, e muito, ou não queriam fazer sexo com ele.
Clinton escapou vivo do julgamento do Senado, a segunda etapa do processo de impeachment por perjúrio e obstrução de justiça, favorecido pelo voto de cinco republicanos.
Nixon renunciou antes, chamado à realidade inelutável de sua condenação por três senadores republicanos, entre eles Barry Goldwater, um ultraconservador que depois evoluiu para o libertarianismo.
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A hipótese de que algum democrata, mesmo daqueles eleitos por regiões mais conservadoras, vote a favor de Donald Trump é praticamente impensável.
Os tempos são de divisão sectária, total e absoluta, um fenômeno que não é só americano.
Mas também é altamente improvável que, na falta de revelações transcendentais, vinte senadores republicanos – o número necessário para dar a maioria de dois terços – votem por sua condenação.
É por causa disso que Trump está fazendo do limão do impeachment uma margarita. Ou whisky sour. Ou equivalente.
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Todo mundo entendeu a metáfora – ressalvando-se que Trump não bebe.
A margarita perfeita de Trump seria usar o impeachment e sua subsequente absolvição como provas de perseguição política – e, principalmente, reforços para sua reeleição em novembro de 2020.
Ainda está faltando muito para o sal na borda da taça, mas a situação de Trump é muito longe do desespero apresentado pela maioria esmagadora da imprensa americana.
No momento, por exemplo, o jacaré está quase fechando o bico, com a maioria que apoia o impeachment caindo ligeiramente, para baixo da marca dos 50%, e os que são contra subindo para perto de 47%.
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Isso é uma pesquisa diária, com as oscilações previsíveis.
Coincide, por motivos óbvios, com os índices de aprovação ao governo Trump, em média de 43% ou pouco mais.
Ótimos para um presidente apresentado dia e noite como a encarnação de Sauron (a maligna entidade de O Senhor dos Anéis).
Ainda insuficientes para uma reeleição garantida.
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Se os democratas tivessem um candidato forte, provavelmente seria mais fácil para os eleitores no meio do caminho decidirem que Trump causa tumulto demais, um ruído constante e prejudicial não só para o país como para a paz de espírito de quem quer tocar a vida sem precisar escolher um lado todos os dias, sem parar.
A outra vantagem para Trump está aí: o impeachment expõe, para o pessoal do meio do caminho, as artimanhas de Joe Biden.
O provável candidato democrata faz piruetas para , ao mesmo tempo, defender o filho, Hunter, contratado por um magnata ucraniano quando o “daddy” era vice-presidente, além de encarregado do dossiê Ucrânia, e se declarar totalmente inocente de sequer uma única conversa com seu garoto prodígio sobre o assunto.
Talvez não exista alma mais honesta nos Estados Unidos do que Joe Biden.
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Talvez alguns americanos fiquem em dúvida.
Talvez Rudy Giuliani, o advogado particular de Trump, consiga escavar mais sujeiras do democrata.
Ou talvez Trump acabe mais comprometido.
Embora o espetáculo da partidarização absoluta seja deprimente, principalmente pela cegueira ideológica que causa em ambos os lados, ainda subsiste a beleza da democracia: ninguém pode cravar o que vai acontecer.
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Não existe, como na China, um Partido Comunista que já tenha tudo muito bem decidido, com ampla antecipação.
A fama de Trump como construtor e incorporador, com seus reluzentes e novo-riquíssimos edifícios ou hotéis, muitas vezes ofusca sua vocação tardia, de show man e produtor de televisão.
Criador de programas tipo reality show, obcecado por índices de audiência, escolado em entender a necessidade de “personagens” emblemáticos – não vamos falar em arquétipos -, Donald Trump está vivendo o espetáculo que vai definir seu futuro e, como dizem todos os ex-presidentes, seu lugar na história.
Não que ele ligue a mínima para esta parte.
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O que interessa é a audiência, resultado, em grande parte, de ocupar todos os espaços possíveis, tarefa amplamente facilitada pela obsessão com o impeachment.
Em ocupar espaços, até os que o consideram pior que lorde Sauron, reconhecem que ele é bom.
Veja