domingo, 29 de dezembro de 2019

"Olhando para a frente e para trás", por Samuel Pessôa

Estão dadas as condições para

que a economia gire ao redor 

de 2,5% por alguns anos




Última coluna do ano. Momento de fazer o balanço do cenário que tracei no fim do ano anterior para o ano que se encerra. E desenhar o cenário para o ano que se inicia.
Previ que o crescimento da economia aceleraria de 1,3%, a taxa de 2018, para 2,8%, em 2019. Não ocorrerá. O ano deve fechar com crescimento de 1,2%.
Contribuíram para atrasar a recuperação a crise na Argentina, que tirou 0,5 ponto percentual, e a redução da produção da Vale, em seguida ao acidente de Brumadinho, que retirou 0,1 ponto percentual. Tudo somado, o crescimento em 2019 teria sido de 1,8%, ainda um ponto percentual abaixo do que esperávamos.
Para o mercado de trabalho, esperávamos que as taxas de crescimento da PEA (população economicamente ativa) e da PO (população ocupada) fossem de, respectivamente, 1,2% e 1,6%. O ano deve fechar com crescimento de 1,6% e 1,9%, respectivamente, da PEA e da PO. A taxa de desemprego, que esperávamos que fechasse o ano em 11,9%, terminará em 12,0%.

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Jair Bolsonaro, acompanhado dos ministros Fernando Azevedo e Silva (Defesa) 
Paulo Guedes (Economia) Onyx Lorenzoni (Casa Civil) Ricardo Salles (Meio Ambiente) 
Ernesto Araújo (Relações Exteriores) Sergio Moro (Justiça) Marcelo Álvaro (Turismo)
Abraham Weintraub (Educação) e Augusto Heleno (GSI), participa de cerimônia de
hasteamento da bandeira, em homenagem ao Dia da Bandeira, no Palácio da Alvorada
Pedro Ladeira - 19.nov.19/Folhapress
Ou seja, apesar de termos errado o cenário de atividade em um ponto percentual —já descontados os choques—, o desempenho do mercado de trabalho, em termos de criação de emprego, foi bem melhor do que esperávamos.
Crescimento baixo com boa geração de emprego significa queda da produtividade do trabalho. Em 2019, a produtividade do trabalho recuou 0,7%. Tomando como base 2012, a queda acumulada da produtividade do trabalho nos últimos sete anos foi de 0,3 ponto percentual.
A baixa produtividade está associada ao elevado nível de informalidade que tem caracterizado a recuperação atual. Desde setembro, há sinais de melhoras na qualidade do posto de trabalho gerado. Aumentou a criação de emprego formal.
Esperávamos que a inflação fechasse 2019 em 4%, e será de 4,2%. O choque da gripe suína, que tem dizimado o rebanho suíno na China —há perdas de até 40% do rebanho, e a carne suína é a principal fonte de proteína animal do gigante asiático—, pressionou a inflação de alimentos. Excluindo alimentos, os preços estiveram mais bem comportados do que imaginávamos.
Para 2020, o cenário do Ibre-FGV, divulgado no Boletim Macro de dezembro, indica crescimento de 2,2%, com expansão da demanda agregada de 2,6%. Ou seja, segundo o cenário, haverá desacúmulo de estoques de 0,4 ponto percentual. O consumo das famílias crescerá 2,6%, e o investimento, 4%.
Para o mercado de trabalho, esperamos que a taxa de crescimento da PEA e da PO seja de, respectivamente, 1,1% e 1,4% e que a taxa de desemprego feche o ano em 11,7%. Se formos surpreendidos e a taxa de crescimento da PEA for muito maior, a queda da taxa desemprego será menor. O aumento da PEA está associado ao processo de queda do desalento. Pessoas que tinham desistido de procurar emprego retornam ao mercado de trabalho.
Na seara da inflação, o IPCA deve fechar 2020 em 3,7%, com serviços rodando a 3,8%.
Pessoalmente, penso que o crescimento será um pouco maior do que os 2,2% que o Ibre calcula. Trabalho com 2,5%. Adicionalmente, considero que estão dadas as condições para que a atividade econômica gire ao redor de 2,5% por alguns anos.
Penso que a recuperação da indústria de transformação pode surpreender. O câmbio mais desvalorizado deve estimular a substituição de importações.
As enormes incertezas que ainda persistem --principalmente de natureza tributária-- impedem que o investimento aumente mais rapidamente, o que é condição necessária para que a economia rode a uma taxa acima dos 2,5%.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP
Folha de São Paulo