terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Delação de executivo de ônibus atinge todas as esferas de poder no Rio

A delação premiada de um ex-presidente da federação de empresas de ônibus do Rio de Janeiro atinge todos os Poderes estaduais e municipais.
Assinado em fevereiro, o acordo de Lélis Teixeira com o Ministério Público Federal cita Executivos, Legislativos e Tribunais de Contas estaduais e municipais, além do Judiciário e do Ministério Público fluminenses.
Teixeira detalhou as informações que recebeu sobre o pagamento de propinas para autoridades estaduais ao longo de anos, descrevendo os beneficiários da “caixinha da Fetranspor”, como ficou conhecido o caixa dois das empresas de ônibus para pagar propina ou verba eleitoral ilegal a agentes públicos.
Lélis Teixeira, ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros
do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), ao deixar a cadeia após decisão do STF 
José Lucena - 19.ago.2017/Futura Press/Folhapress
A dimensão da "caixinha" já havia sido dada pelo antigo operador financeiro da Fetranspor, Álvaro Novis. Ele fechou delação premiada em 2017 e seus depoimentos deram origem à Operação Ponto Final, que teve como alvos os maiores empresários do setor no Rio de Janeiro.
Novis era o responsável por receber o dinheiro vivo que vinha das roletas de ônibus de todo o estado e distribuí-lo sob ordens dos empresários. Estima-se em R$ 500 milhões o total repassado de 2010 a 2016.
Os agentes corruptos eram identificados por apelidos e endereços em suas planilhas. Em alguns casos, o operador nem sequer sabia quem era o destinatário dos valores.
Aí entra o valor, segundo o investigadores, da delação de Teixeira. Ele aponta os agentes públicos de seu conhecimento que receberam propina, ainda que diga não ter atuado diretamente na maioria dos pagamentos.
Com a colaboração, o estado que já teve três ex-governadores, dez deputados estaduais e seis conselheiros do Tribunal de Contas presos, pode ver a Lava Jato chegar a instituições ainda não atingidas.
A principal delas é o Tribunal de Justiça. Uma operação já mirou um perito suspeito de fraudar laudos em favor das empresas de ônibus. Ele é casado com uma juíza, não suspeita no caso. Teixeira também menciona um desembargador.
A Câmara Municipal, até agora praticamente imune aos escândalos da Lava Jato (apenas um vereador foi preso na operação por atos anteriores ao início do mandato), também pode ser jogada no centro da atuação da "caixinha da Fetranspor".
O ex-executivo afirma ter sido informado de que 13 vereadores e ex-vereadores recebiam uma mesada da federação dos ônibus. Parte do grupo recebeu ainda um extra após a instalação de uma CPI sobre o sistema de transportes em 2013, quando manifestações críticas ao preço das tarifas eclodiram no país.
O TCM-RJ também foi mencionado pelo ex-executivo. Segundo ele, três conselheiros receberam propina em ocasiões específicas, quando relatavam processos de interesse do setor.
O promotor Flávio Bonazza também teve o pedido de prisão pedido pelo próprio Ministério Público a partir do depoimento do delator. Teixeira afirma que ele recebeu uma mesada de R$ 60 mil para evitar o andamento de investigações cíveis contra empresa do setor.
Há ainda menção a propina e caixa dois a três ex-governadores (Anthony Garotinho, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão), deputados estaduais e conselheiros afastados do TCE-RJ.
O prefeito Marcelo Crivella e o ex-prefeito Eduardo Paes também aparecem como beneficiários de caixa dois em diferentes eleições.
A dimensão da delação de Lélis ainda não dá conta de toda a propina distribuída. Enquanto ele descreve cerca de R$ 120 milhões de 2007 a 2017, Novis tem em suas planilhas gastos com cerca de R$ 500 milhões de 2010 a 2016.
O volume se deve ao longo período em que um mesmo grupo de empresários dominou o setor de transportes do Rio de Janeiro de maneira pouco transparente.
Os principais empresários alvos das operações ou atuam desde a década de 1980 no setor ou são herdeiros destes. O mais famoso, Jacob Barata Filho, é comumente confundido com o pai, Jacob Barata, o "rei do ônibus" original.
Lélis não era dono de empresas, mas um executivo da categoria responsável pela interação com políticos. Após atuar por 34 anos no setor, o delator incluiu num anexo de sua colaboração formas de evitar a corrupção do setor. 
Entre as nove propostas, uma é a vedação de uso de dinheiro para pagamento da tarifa diretamente nos ônibus. Essa é justamente a origem do “caixa dois” da empresa usado para distribuir a agentes públicos.

CITADOS NEGAM TER RECEBIDO PROPINA

Crivella negou, em nota, ter recebido caixa dois dos empresários de ônibus. “Desde o início de sua gestão à frente da Prefeitura do Rio, ele enfrentou o poderoso lobby das empresas de ônibus e proibiu o aumento das tarifas, tradicional benesse de que vinham desfrutando confortavelmente nas gestões anteriores”, disse a prefeitura, em nota.
O advogado de Pezão, Flávio Mirza, disse que “o ex-governador nega o recebimento de qualquer valor a título de propina”.
O advogado Márcio Delambert, que representa Cabral, disse que seu cliente “está à disposição para prestar esclarecimento à Justiça sobre o assunto”.
Garotinho disse que sempre contrariou os interesses dos empresários em sua gestão, motivo pelo qual, para ele, o relato “não faz sentido”. “Era o que mais batia nos empresários de ônibus. Minha bandeira em 2014 era reduzir o preço das passagens de ônibus”, disse ele.
Já o advogado Paulo Klein, que defende o promotor Bonazza, disse que “lamenta que as acusações vazias e criminosas de um delator sem escrúpulos e já condenado venham sendo vazadas de forma a criar uma narrativa absolutamente falsa”.
Paes não comentou a delação.

Italo Nogueira, Folha de São Paulo