Na tarde do dia 22 de outubro, um dispositivo explosivo foi entregue na casa do meu pai, ao norte de Nova York. Um membro do nosso estafe, alerta, reconheceu a ameaça e chamou a polícia. Felizmente, as autoridades conseguiram desativá-lo de forma segura. No dia 24, o Serviço Secreto anunciou que tinha interceptado artigos semelhantes enviados aos escritórios do ex-presidente Barack Obama e da ex-Secretária de Estado Hillary Clinton.
Estamos todos muitos aliviados por ninguém ter se ferido e imensamente agradecidos àqueles que garantiram nossa segurança, mas o incidente foi profundamente perturbador, uma ameaça não só à segurança de nossa família, vizinhos, colegas e amigos, mas também ao futuro da democracia norte-americana.
Minha família está bem ciente das hostilidades daqueles que rejeitam nossa filosofia, nossa política e até nossa essência. Meu pai foi criado à sombra do regime nazista, na Hungria. Meu avô não só adquiriu documentos com nomes falsos para conseguir sobreviver à ofensiva contra os judeus em Budapeste, como também ajudou muitos outros a fazerem o mesmo.
Depois da guerra, quando os comunistas tomaram o poder, meu pai fugiu para Londres, onde cursou a London School of Economics antes de embarcar no que acabou se tornando uma carreira extremamente bem-sucedida no setor financeiro.
Mas ele nunca se esqueceu das lições aprendidas no início da vida. Sua maior iniciativa filantrópica, a Open Society Foundations, teve um papel fundamental no apoio à transição do comunismo para sociedades mais democráticas em partes da antiga União Soviética e depois se expandiu à proteção dessas práticas nas democracias já existentes. Meu pai reconhece que seu trabalho, embora não seja partidário, é “político” em um sentido mais amplo, pois procura apoiar aqueles que promovem sociedades onde todos possam se manifestar.
A lista de pessoas que acham essa proposta inaceitável é longa, e meu pai enfrentou inúmeros ataques ao longo do caminho, muitos carregados do veneno do antissemitismo.
Entretanto, algo mudou em 2016. Antes disso, as investidas que lhe eram dirigidas basicamente se limitavam às minorias extremistas, supremacistas brancos e nacionalistas que pretendiam enfraquecer as bases da democracia.
Com a campanha presidencial de Donald Trump, entretanto, as coisas pioraram muito: supremacistas e antissemitas como David Duke endossaram sua campanha. A última propaganda na TV de campanha de Trump deu o que falar, pois mostrava meu pai, Janet Yellen, presidente do Federal Reserve (banco central dos EUA), e Lloyd Blankfein, presidente do Goldman Sachs —todos judeus—, ao mesmo tempo em que usava uma linguagem cifrada para falar de “interesses mundiais especiais”. Foi aí que o gênio saiu da garrafa —e pode levar anos para colocá-lo de volta, principalmente porque o fenômeno não se limita apenas aos EUA.
Na Hungria, Viktor Orbán lançou uma campanha antissemita, acusando falsamente meu pai de querer inundar o país de imigrantes —movimento que incluiu até cartazes com o rosto dele dispostos no chão dos trens de Budapeste, para que as pessoas pudessem pisá-lo. Tudo para satisfazer as manobras políticas do primeiro-ministro.
Agora temos tentativas de ataque a bomba. Embora a responsabilidade recaia sobre o(s) indivíduo(s) que enviou/enviaram esses dispositivos letais para a casa do meu pai e para os escritórios de Obama e Clinton, não vejo a atitude desassociada dessa nova “normalidade” da demonização política que nos aflige hoje.
Não tenho nenhuma ilusão de achar que o ódio que nos é dirigido é único; há muita gente nos EUA e ao redor do mundo que sentiu e sente a força desse espírito maligno. Agora é “normal” que as pessoas que expressem suas opiniões sejam rotineiramente submetidas a hostilidades, mensagens de ódio nas redes sociais e ameaças de morte.
Como também se tornou norma as organizações que estão fazendo um importante trabalho pró-democracia enfrentarem ameaças existenciais simplesmente porque aceitam apoio das fundações que meu pai criou. E líderes políticos que fizeram um juramento, no início do mandato, de proteger todos os cidadãos preferirem, em vez disso, investir em uma política de divisão e ódio.
Estamos muito longe dos dias em que o senador John McCain reagiu contra os próprios correligionários, durante a campanha das eleições de 2008, para defender patrioticamente seu adversário, Obama, porque acreditava que a saúde de nossa democracia era mais importante do que qualquer ganho político que pudesse ter.
Precisamos encontrar o caminho para um novo discurso político que rejeite a demonização dos opositores. Um primeiro passo seria votar para rechaçar os políticos cinicamente responsáveis pelo comprometimento de nossa democracia. E temos que fazê-lo agora, antes que seja tarde demais.
Alexander Soros é vice-presidente da Open Society Foundations.
Texto publicado originalmente no New York Times
Folha de São Paulo